Cuidados paliativos para pacientes com anorexia nervosa?

Em janeiro de 2024 foi publicado um artigo no New York Times sobre o caso de Naomi, uma mulher de 37 anos com anorexia nervosa há 26 anos. Naomi já havia tentado todo tipo de tratamento e havia se internado voluntariamente. Estava viva, mas definitivamente não estava feliz. Tinha sido estabilizada e não ia morrer. Então quis ir para casa, mas os médicos a impediram. Ela ficou furiosa. Já havia passado por isso inúmeras vezes, internações, medicação, terapia individual e em grupo, alimentação supervisionada, sondas nasogástrica para administração de fórmulas (e calorias).

Já adulta Naomi foi ganhando outros diagnósticos, além da anorexia: osteoporose, hipotensão, gastroparesia, estresse pós-traumático, transtorno bipolar… Após ganhar peso suficiente e ser liberada, um psicólogo sugeriu a Naomi entrar em um programa de cuidados paliativos. A indicação do psicólogo foi baseada neste artigo.

Os cuidados paliativos são uma abordagem especializada que visa melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças graves e incuráveis, bem como de seus familiares. Ao invés de se focar na cura da doença, os cuidados paliativos se concentram em aliviar a dor e outros sintomas, proporcionando apoio emocional e espiritual, tanto ao paciente quanto à sua família.

São indicados frequentemente para pacientes com câncer em estágio terminal para:

  • Alívio do sofrimento: Os cuidados paliativos ajudam a controlar a dor, náuseas, falta de ar e outros sintomas desconfortáveis, permitindo que os pacientes vivam de forma mais tranquila.

  • Apoio emocional: Uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, oferece apoio emocional e espiritual tanto ao paciente quanto à família, auxiliando-os a lidar com as questões emocionais complexas que surgem nessa fase da vida.

  • Melhora da qualidade de vida: Ao abordar as necessidades físicas, emocionais e sociais do paciente, os cuidados paliativos ajudam a melhorar significativamente a qualidade de vida, tanto do paciente quanto de seus familiares.

  • Preparação para o fim da vida: Os cuidados paliativos permitem que os pacientes e suas famílias conversem sobre seus desejos e expectativas para o futuro, auxiliando-os a tomar decisões importantes e a se preparar para o fim da vida de forma mais tranquila e digna.

O ponto da psicóloga era que Naomi não deveria ser obrigada a se tratar de algo que não estava funcionando há tanto tempo. Estima-se que 15 a 20% dos pacientes com anorexia não respondam às terapias convencionais. Para a psicóloga, se um paciente com doença renal crônica pode desistir da hemodiálise ou um paciente com câncer pode optar por não fazer quimioterapia, por que um paciente com anorexia que já tentou de tudo deveria ser obrigado a internar mais uma vez?

Naomi acabou desistindo e foi à UCHealth para aprender sobre cuidados paliativos. Quando um paciente é considerado capaz de tomar decisões deveria impor as regras do próprio tratamento? Naomi tentou isto. Os médicos impuseram também suas regras e chegaram a alguns acordos. Qual seria a alternativa? Sedar, restringir fisicamente ou quimicamente, obrigar novamente a alimentação por sonda? Até onde as obrigações morais da equipe de saúde de manter o paciente vivo realmente geram saúde física e mental? Especialmente quando o paciente já tentou por 10, 20 anos?

Por enquanto, na maioria dos países, a requisição por cuidados paliativos ainda é vista com alarme nestes casos pelos profissionais de saúde. Um estudo mostrou que um grande número de profissionais prefere fazer algo (mesmo quando acham que não funcionará) do que deixar o paciente sem tratamento algum (Dorfman et al., 2023).

É, de fato, bastante complexo. um estudo publicado em 2017 mostrou que mesmo pacientes que já tentaram várias estratégias por quase 10 anos, podem encontrar melhorias com mais 10 anos de tratamento (Eddy et al., 2017).

Outros profissionais não descartam os cuidados paliativos, unidos aos cuidados usuais. A doença de Naomi é grave e a união com transtorno bipolar não ajuda. A paciente nos últimos anos fez algumas tentativas de auto-extermínio. Alguns autores falam em anorexia terminal e oferecem critérios para determinar a terminalidade - como ter mais de 30 anos, ter passado por tratamentos de alta qualidade, estar preparado para morrer, não ter esperança em outros tratamentos, ter capacidade de tomar as próprias decisões etc (Gaudiani, Bogetz, & Yager, 2022).

Isto causou uma reação na comunidade científica. Guarda e colaboradores (2022) publicaram um trabalho em que abominam o uso do termo anorexia terminal.

Em minha prática aconselho sempre os pacientes que já tentaram outras abordagens a entrarem em cetose. Cetonas são vitais porque são usadas como combustível celular para todos os órgãos do nosso corpo. Estas moléculas são usadas para abastecer suas células cerebrais e parece que o cérebro de certas pessoas com transtornos alimentares beneficia-se disto. Ao fazer a dieta cetogênica, não com finalidade de controle de peso, mas sim para entrar em cetose nutricional as obsessões anoréxicas são reduzidas.

A dieta cetogênica é rica em gordura, pobre em carboidratos e moderada em proteínas. Pode parecer contra-intuitivo para quem trabalha na área de transtornos e é contra qualquer tipo de restrição. Mas para tantas pessoas que já passaram por tudo, a recomendação de comer 3 refeições e 2 lanches por dia não funciona. Comer de forma intuitiva não funciona.

A terapia nutricional metabólica foi testada pela primeira vez na anorexia na paciente Caroline Beckwith. Ela teve anorexia por mais de 15 anos. Após passar pelo tratamento que inclui dieta cetogênica, ela permanece bem.

Quando ela era adolescente tinha esperanças que o tratamento que lhe foi oferecido em programas e durante internações a curasse. Depois de anos de fracasso ela também quase desistiu de tudo. Ela conta que após apenas algumas semanas no programa de dieta cetogênica, começou a notar mudanças na forma de pensar e sentir alívio. Hoje come o quanto deseja e sua jornada foi documentada neste artigo e neste outro e também nesta entrevista:

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/