A Importância da Colina na Dieta: Desafios e Necessidades Nutricionais

A colina é um nutriente essencial para várias funções do corpo, incluindo o desenvolvimento do cérebro e a saúde hepática. Embora o fígado produza colina, a quantidade gerada não é suficiente para atender às necessidades do organismo, tornando crucial obtê-la através da dieta ou de suplementos.

Função da Colina no Corpo Humano: Um Guia Completo

A colina, juntamente com seus compostos derivados (metabólitos), desempenha várias funções biológicas essenciais que são vitais para a saúde humana. O fígado é o principal órgão responsável pela síntese de colina, um processo mediado pela enzima fosfatidiletanolamina N-metiltransferase (PEMT), que utiliza a S-adenosil-L-metionina (SAMe) para produzir fosfatidilcolina.

Principais funções da colina

1. Integridade Estrutural das Membranas Celulares

A colina é fundamental para a síntese de fosfolipídios importantes, como a fosfatidilcolina e a esfingomielina, que são componentes estruturais essenciais das membranas celulares. A fosfatidilcolina representa cerca de 95% da colina total nos tecidos. Este fosfolipídio é sintetizado no corpo de duas maneiras principais: através da via da citidina difosfocolina (CDP-colina) ou pela metilação da fosfatidiletanolamina. A esfingomielina, por sua vez, é formada pela transferência de um resíduo de fosfocolina de fosfatidilcolina para ceramida e é especialmente importante nas membranas das células nervosas.

2. Sinalização Celular

Os fosfolipídios contendo colina, como a fosfatidilcolina e a esfingomielina, também são precursores importantes de moléculas mensageiras intracelulares, como o diacilglicerol e a ceramida. A esfingomielina é quebrada pela enzima esfingomielinase, liberando fosfocolina e ceramida, enquanto a fosfatidilcolina é degradada por fosfolipases para liberar diacilglicerol. Essas moléculas têm um papel importante na sinalização celular, influenciando processos como a comunicação entre células e a resposta ao estresse.

3. Transmissão do Impulso Nervoso

A colina é precursora da acetilcolina, um neurotransmissor vital para o controle muscular, memória e funções neuronais. A acetilcolina é sintetizada a partir da colina por meio da acetiltransferase de colina, sendo posteriormente quebrada pela acetilcolinesterase. Além disso, a citicolina (CDP-colina) pode estimular a produção de outros neurotransmissores importantes, como as catecolaminas (dopamina, adrenalina e noradrenalina), influenciando a atividade cerebral e o humor.

As fórmulas de colina para suplementação que mais facilmente atravessam a barreira hematoencefálica são:

  • Citicolina

  • Fosfatidilcolina

4. Transporte e Metabolismo de Lipídios

No fígado, a colina é essencial para a montagem e secreção de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), que transportam gordura e colesterol para outros tecidos do corpo. A síntese de fosfatidilcolina é necessária para a formação de VLDL. Sem uma quantidade adequada de fosfatidilcolina, o fígado não consegue secretar essas lipoproteínas adequadamente, resultando em acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática).

5. Principal Fonte de Grupos Metil

A colina também é convertida em betaína no fígado, que atua como um doador de grupos metil essenciais para a metilação da homocisteína. A metilação da homocisteína é crucial para a saúde cardiovascular, pois níveis elevados de homocisteína no sangue estão associados a um risco aumentado de doenças cardíacas. A betaína contribui para essa metilação, ajudando a converter homocisteína em metionina, um aminoácido essencial.

6. Osmorregulação

A conversão de colina em betaína é irreversível, e a betaína atua como um osmólito que regula o volume celular e protege contra o estresse osmótico, particularmente nos rins. Durante condições de estresse osmótico, a função de osmorregulação pode ser priorizada em detrimento da função de doador de metil da betaína.

Deficiência de Colina: Causas e Sintomas

A deficiência de colina pode levar a sérios problemas de saúde. Em indivíduos que não recebem colina suficiente, pode ocorrer uma condição chamada doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), que pode levar a esteato-hepatite não alcoólica (NASH) e até cirrose hepática. A deficiência de colina também pode afetar os músculos e causar danos musculares, além de disfunção orgânica. A falta de colina no organismo pode prejudicar a síntese de VLDL no fígado, resultando em acúmulo de gordura hepática.

Indivíduos em Risco de Deficiência de Colina

Alguns grupos de pessoas estão mais propensos à deficiência de colina. Mulheres grávidas e lactantes têm uma necessidade maior de colina, assim como vegetarianos, que podem consumir menores quantidades deste nutriente. Pacientes com fibrose cística, que apresentam insuficiência pancreática, também têm maior risco de deficiência devido à maior perda fecal de colina.

Durante a gravidez, a demanda por colina aumenta significativamente devido ao seu papel crucial na formação do tubo neural e no desenvolvimento fetal. A colina é transferida para o feto via placenta, podendo ser até 10 vezes mais concentrada no líquido amniótico do que no sangue materno. Isso pode esgotar os níveis de colina maternos, especialmente durante a lactação. Por isso, é fundamental que mulheres grávidas e lactantes mantenham uma ingestão adequada de colina para evitar a deficiência.

Estudos associam a ingestão inadequada de colina a um risco aumentado de defeitos do tubo neural em até 2,4 vezes. No entanto, ingestões mais altas de colina durante a gravidez têm mostrado benefícios para a memória e o desenvolvimento cognitivo dos filhos. A ingestão recomendada de colina para mulheres grávidas é de 450 mg por dia e para mulheres lactantes, 550 mg por dia, valores superiores à recomendação para mulheres não grávidas.

Infelizmente, muitas mulheres em idade fértil não consomem colina suficiente. Por exemplo, a ingestão média varia de 244 a 443 mg por dia em diferentes países, e menos de 5% das mulheres australianas atingem a recomendação de ingestão adequada de 425 mg por dia.

Interações de Nutrientes

A colina interage com várias outras vitaminas B, como o folato, a vitamina B12 e a vitamina B6, para apoiar processos vitais como a síntese de ácidos nucleicos e aminoácidos. Além disso, a colina trabalha em conjunto com o folato e a S-adenosilmetionina (SAM) para a metilação de homocisteína, essencial para a saúde cardiovascular.

Ingestão Adequada (IA) de Colina

As recomendações de ingestão diária de colina variam conforme a faixa etária e condições fisiológicas. Para adultos saudáveis, a ingestão diária recomendada de colina é de 550 mg para homens e 425 mg para mulheres. Durante a gravidez, a necessidade de colina aumenta para 450 mg/dia, enquanto para mulheres em período de amamentação a recomendação é de 550 mg/dia.

Nos Estados Unidos, os adultos consomem em média entre 278 e 402 mg de colina por dia, abaixo da ingestão diária recomendada (IDR). Mesmo com essa ingestão insuficiente, a produção endógena de colina pode prevenir a deficiência.

Fontes de colina

Os ovos são uma das maiores fontes alimentares de colina, com cerca de 147 mg por ovo grande, representando aproximadamente 25% da necessidade diária de colina com apenas um ovo.

Quantidade em 100g de alimentos:

  • Gema de ovos: 250 a 300 mg

  • Fígado de frango cozido: 290 mg

  • Levedura: 275 mg

  • Ovo de codorna: 260 mg

  • Linhaça: 78 mg

  • Sementes de abóbora: 63 mg

  • Salmão: 60 mg

  • Quinoa: 43 mg

  • Brócolis: 40 mg

  • Leite integral: 30 mg

  • Amendoim: 24 mg

Deficiência de colina

A deficiência de colina pode causar problemas de saúde, como acúmulo anormal de gordura no fígado, levando à doença hepática gordurosa não alcoólica, e danos musculares.

Em modelos animais, a deficiência alimentar de colina foi associada a um aumento na incidência de câncer de fígado espontâneo (carcinoma hepatocelular) e aumento da sensibilidade a produtos químicos cancerígenos. Vários mecanismos foram propostos para contribuir para os efeitos cancerígenos da deficiência de colina:

(1) aumento da regeneração das células hepáticas e da sensibilidade dos tecidos a agressões químicas;

(2) expressão alterada de nucleotídeosgenes múltiplos que regulam a proliferação celular, diferenciação, reparo de DNA e apoptose devido à metilação inadequada do DNA;

(3) maior probabilidade de dano ao DNA causado por estresse oxidativo induzido por disfunção mitocondrial; e

(4) cascata de sinalização celular mediada pela proteína quinase C ativada, eventualmente levando a um aumento na apoptose das células do fígado.

Um estudo de caso-controle (80 gestações afetadas por defeitos no tubo neural e 409 controles) em mulheres dos EUA descobriu que as menores concentrações de colina sérica (<2,49 mmol/L) durante o meio da gravidez foram associadas a um risco 2,4 vezes maior de defeitos.

Excesso de colina

O excesso de colina na dieta pode estar associado ao aumento dos níveis de trimetilamina-N-óxido (TMAO), um composto que tem sido vinculado a riscos cardiovasculares. A relação entre a colina e o TMAO é um aspecto importante no estudo dos impactos da dieta sobre a saúde cardiovascular.

O que é TMAO?

O TMAO é um metabólito produzido no corpo após a digestão de alimentos ricos em colina, como carnes vermelhas, ovos e outros alimentos de origem animal. Esse processo ocorre quando a colina, um nutriente essencial, é metabolizada pelas bactérias intestinais, que convertem a colina em trimetilamina (TMA). O TMA é então absorvido pela corrente sanguínea e transportado para o fígado, onde é oxidado a TMAO. Este composto tem mostrado ser um fator de risco para doenças cardiovasculares.

O impacto do TMAO na saúde cardiovascular

Estudos sugerem que o TMAO pode contribuir para o desenvolvimento de aterosclerose, um processo no qual placas de gordura se acumulam nas paredes das artérias, levando a um risco maior de doenças cardíacas e acidente vascular cerebral (AVC). O TMAO pode promover a formação de placas ateroscleróticas, aumentar a inflamação e afetar o metabolismo lipídico, fatores todos relacionados ao aumento do risco cardiovascular.

Como o excesso de colina contribui para o aumento de TMAO?

Quando há um consumo elevado de alimentos ricos em colina, o excesso de colina disponível no intestino é metabolizado pelas bactérias intestinais, resultando em maiores quantidades de TMA sendo convertidas em TMAO no fígado. Isso pode ocorrer especialmente em pessoas que têm uma microbiota intestinal mais propensa a produzir TMA a partir da colina. Além disso, pessoas com uma dieta rica em alimentos de origem animal, como carne vermelha e ovos, estão mais suscetíveis a esse processo.

Fatores que influenciam a produção de TMAO

  1. Microbiota intestinal: A composição da microbiota intestinal é um fator determinante na produção de TMAO. Certas bactérias intestinais são mais eficientes na conversão de colina em TMA. Isso significa que indivíduos com uma microbiota intestinal favorecendo essa conversão podem ter níveis mais elevados de TMAO, mesmo com uma ingestão normal de colina.

  2. Dieta: Dietas ricas em colina, especialmente aquelas com alto consumo de carnes vermelhas, ovos e outros produtos de origem animal, podem aumentar a produção de TMAO. A ingestão de fibras dietéticas, que pode modificar a composição da microbiota intestinal, pode ajudar a reduzir a produção de TMAO.

  3. Genética: A genética do indivíduo também pode desempenhar um papel na produção de TMAO. Algumas pessoas têm uma variação genética que aumenta a capacidade das bactérias intestinais de produzir TMA a partir da colina, o que leva à produção maior de TMAO.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/