A síndrome de Down (SD) é caracterizada pela trissomia do cromossomo 21 (T21). Ou seja, há um cromossomo extra 21 gerando a maior expressão de determinados genes. Esta característica associa-se a maior incidência de problemas cardiovasculares ao nascimento, maior dificuldade de aprendizado, hipotonia, maior risco de epilepsia, doença celíaca e obesidade. Por isto, toda pessoa com T21 deve ser acompanhada por um nutricionista.
Crianças com obesidade correm maior risco de: problemas cardiovasculares, incluindo pressão alta e colesterol alto, desregulação metabólica, incluindo tolerância diminuída à glicose e diabetes tipo 2, complicações respiratórias, incluindo asma e apnéia do sono, refluxo gastroesofágico, cálculos biliares, dores nas articulações, doença hepática gordurosa, baixa qualidade de vida auto-relatada, baixa auto-estima, problemas de saúde mental, incluindo depressão e ansiedade, dificuldades com o desempenho académico e problemas sociais, incluindo estigma e intimidação.
As causas da obesidade na T21 envolvem fatores fisiológicos, como aumento da leptina, diminuição do gasto energético de repouso (GER), hipotonia, comorbidades associadas à SD e fatores de estilo de vida, como dieta pouco saudável e baixos níveis de atividade física.
Controlar e monitorar o peso em jovens com SD pode reduzir os riscos à saúde durante os anos de crescimento e possivelmente na idade adulta. Artigo publicado em 2022 trouxe as recomendações para o gerenciamento no peso na T21:
Recomendação 1 - Jovens com síndrome de Down devem ser acompanhados rotineiramente. Os pediatras devem acompanhar as tendências de peso e comprimento das crianças, fazendo o registro em gráficos específicos da síndrome de Down para peso, comprimento, peso para comprimento e perímetro cefálico e revisado com a família. Acima dos 2 anos o índice de massa corporal (IMC) para idade também é calculado e plotado em gráfico específico.
O IMC está correlacionado com medidas mais diretas de gordura corporal, e a classificação do IMC serve como o primeiro passo na avaliação da obesidade. A circunferência da cintura também deve ser medida rotineiramente e pelo menos anualmente. A circunferência da cintura deve ser medida no ponto médio entre a margem inferior da costela menos palpável e o topo da crista ilíaca, utilizando uma fita resistente ao estiramento que proporciona uma tensão constante de 100 g. A relação entre circunferência da cintura e altura também deve ser calculada – uma relação entre circunferência de peso e altura >0,5 indica excesso de adiposidade central e está associada a maior risco de síndrome metabólica.
Recomendação 2 - os profissionais de saúde e as famílias devem estar cientes das condições de saúde e dos fatores de risco comuns na síndrome de Down. Deficiência visual pode afetar a alimentação e a participação em exercícios e esportes. Certas condições dentárias, incluindo atraso na erupção dentária e falta de dentes, podem dificultar a ingestão de alimentos saudáveis. Os distúrbios esofágicos podem levar à evitação de alimentos e resultar na diminuição da alimentação devido à incapacidade de engolir os alimentos adequadamente. Obstrução intestinal, doença de Hirschsprung, atresia duodenal congênita podem causar perda de apetite. Crianças com reparo cirúrgico prévio do trato intestinal, como atresia duodenal congênita reparada, podem desenvolver uma complicação tardia chamada estenose intestinal, que pode diminuir a motilidade intestinal e, consequentemente, resultar na evitação alimentar.
A doença celíaca mal controlada pode causar inflamação de células que revestem o trato intestinal, resultando em má absorção de nutrientes e absorção inadequada de calorias. A doença celíaca mal controlada também pode causar alterações nos hábitos intestinais, incluindo aumento da frequência das evacuações e diarreia, o que pode causar perda de peso. Ligeiros aumentos de peso juntamente com diminuição do ganho de apetite também podem ser resultado de distensão abdominal, outro sintoma de doença celíaca mal controlada. Seguir uma dieta sem glúten pode resultar em baixa ingestão de fibras, vitamina D, vitamina B12 e ácido fólico. Muitas alternativas alimentares sem glúten (por exemplo, biscoitos sem glúten) são ricas em gordura saturada, açúcar adicionado e calorias, promovendo ganho de peso. Por isso, o acompanhamento nutricional é fundamental.
O hipotireoidismo inadequadamente controlado pode resultar em alterações no apetite e no peso. Um mau funcionamento da tireoide pode causar fadiga e diminuição do desejo de praticar atividades físicas.
A doença cardíaca congênita não corrigida pode levar à diminuição da atividade física e da participação em esportes devido à fadiga com o esforço. A doença cardíaca congênita ativa pode levar à retenção de líquidos, apresentando-se como ganho de peso. Doença cardíaca adquirida também gera fadiga e diminuição do desejo de praticar atividades físicas.
As infecções pulmonares agudas podem causar sintomas sistêmicos, incluindo perda de apetite e, quando graves, podem resultar em diminuição da capacidade de atividade física.
A apnéia do sono inadequadamente controlada pode resultar em fadiga diurna e diminuição do desejo de praticar atividades físicas. A apnéia do sono inadequadamente controlada pode resultar em um metabolismo mais lento, o que pode levar ao ganho de peso. O uso de CPAP também pode levar a um leve ganho de peso, diminuindo sua taxa metabólica basal.
Hipotonia (baixo tônus muscular) pode dificultar a prática de exercícios e esportes, resultando em menos atividade física. O baixo tônus muscular pode resultar em diminuição do metabolismo com menores necessidades diárias de energia.
Artrite (doença articular) e dores nas articulações podem limitar a atividade física. Algumas classes de medicamentos usados para tratar artrites do tipo inflamatório, incluindo esteróides, podem causar aumento do apetite e também ganho de peso.
Estabilidade e postura articular podem limitar a capacidade de atividade física. A postura inadequada ou desalinhada causada por pés chatos e outras condições comuns nos pés, tornozelos e quadris pode causar dor que limita a atividade física.
A baixa densidade óssea é comum em indivíduos com SD. O aumento do consumo de alimentos ricos em cálcio e vitamina D, bem como a atividade física regular com levantamento de peso podem aumentar a densidade óssea e diminuir o risco de fraturas ósseas em indivíduos com SD.
Certos medicamentos usados para tratar convulsões podem causar perda de apetite ou ganho de peso. A associação da T21 com o Transtorno do Espectro do Autismo com Atraso no Desenvolvimento pode afetar os níveis de alimentação e atividade física.
Ansiedade, Doença Obsessiva Compulsiva, Depressão, Esquizofrenia podem alterar o padrão alimentar. Medicamentos antipsicóticos podem causar aumento do apetite e ganho de peso.
No caso de crianças com leucemia, os tratamentos contra o câncer podem causar perda de apetite e fraqueza, resultando na diminuição dos níveis de atividade física. Medicamentos esteróides podem levar ao aumento do apetite e ganho de peso.
Recomendação 3 - Rastreamento de dificuldades alimentares.
Dificuldades alimentares são comuns entre bebês, crianças e adolescentes com SD e podem resultar em desnutrição protéico-calórica ou ingestão inadequada de líquidos. Podem exigir aumento de calorias, modificação de consistência ou textura dos alimentos, métodos alternativos de alimentação (incluindo sondas ou gastrostomia), para alcançar ganho de peso adequado com risco mínimo de aspiração.
As crianças mais velhas com SD podem continuar a ter dificuldades com texturas duras, alimentos que requerem maior mastigação, dificuldades sensoriais que afetam o consumo de alimentos como vegetais crus, frutas com casca ou carnes ou peixes cozidos menos processados.
Comportamentos inadequados na hora das refeições podem dificultar o controle do peso. Cuidadores de jovens com SD relatam alta frequência de seletividade alimentar, alimentação contínua na presença de alimentos, deglutição sem mastigação suficiente e ingestão (ou bebida) de grandes quantidades de alimentos (ou bebidas calóricas) em curtos períodos de tempo.
Comer grandes quantidades de alimentos em um curto período de tempo é um preditor de rápido ganho de peso e maior gordura corporal em crianças em idade pré-escolar. Os jovens com SD devem ter acesso precoce e contínuo a apoio para desenvolver e manter competências de mastigação funcional, preparação de alimentos e autoalimentação, com foco em alternativas menos processadas aos alimentos ultraprocessados.
Recomendação 4 - O nutricionista deve avaliar a ingestão alimentar em todas as consultas. Este processo é essencial para que o profissional possa prescrever a ingestão energética adequada tanto para perda quanto para manutenção de peso.
Uma abordagem típica para obter uma ingestão alimentar é pedir aos pais ou cuidadores que registrem todos os alimentos e bebidas consumidos nos 3 dias anteriores à consulta médica usando um diário de dieta simples ou um aplicativo de smartphone como o MyFitnessPal. O nutricionista poderá então revisar o registro alimentar para estimar a ingestão calórica diária média do paciente, a ingestão de macronutrientes e a qualidade da dieta (por exemplo, porções diárias de frutas e vegetais).
Essas informações são usadas para criar metas dietéticas individualizadas; por exemplo, aumentar a ingestão de frutas e vegetais de 3 para 4 porções por dia, reduzir o número de bebidas adoçadas com açúcar (suco, refrigerante) consumidas de 3 para 1 por dia, reduzir o consumo de fast food ou alimentos altamente processados para 1 vez por semana, ou reduzindo a ingestão geral de energia (calorias). Além disso, o registro alimentar pode ser utilizado para identificar aversões alimentares e seletividade alimentar, como rejeitar determinados alimentos pela cor ou consumir apenas determinadas texturas, o que pode levar a deficiências nutricionais.
Adolescentes e adultos podem usar no pulso um rastreador de atividade física. Esses dispositivos geralmente combinam um acelerômetro para medir minutos de atividade física e passos, bem como um monitor de frequência cardíaca para medir a intensidade da atividade física. Esses dispositivos geralmente são sincronizados com um aplicativo em um smartphone para que o usuário possa ver dados de atividade física, incluindo minutos diários de atividade física, passos, frequência cardíaca em repouso e frequência cardíaca durante o exercício. Esses dados ajudam melhor estimativa de gasto calórico diário.
Recomendação 5 - Estimativa de necessidades calóricas. As equações estimadas de necessidades energéticas desenvolvidas para crianças pela Academia Nacional de Medicina, anteriormente Instituto de Medicina (IOM) fornecem a previsão mais precisa das necessidades energéticas em jovens com SD. O nutricionista usará estas equações para o cálculo das necessidades de seus pacientes:
Pessoa com peso saudável (masculino): 79 − 34,2 × idade + 730 × altura + 15,3 × peso
Pessoa com peso saudável (feminino): 322 − 26 × idade + 504 × altura + 11,6 × peso
Homem com sobrepeso/obesidade: 420 − 33,5 × idade + 418,9 × altura + 16,7 × peso
Mulher com sobrepeso/obesidade: 516 − 26,8 × idade + 347 × altura + 12,4 × peso
Uma vez calculado o gasto energético em repouso calculado usando as equações do IOM, ele precisa ser multiplicado por um fator de atividade para produzir as necessidades energéticas diárias totais.
Para meninas, usamos 1.1 para sedentárias/não ativas; 1,3 para ativas (3 ou mais dias de atividade vigorosa de pelo menos 20 min/dia, ou 5 ou mais dias de atividade de intensidade moderada ou caminhada ou pelo menos 30 min/dia); e 1,5 para muito ativas (5 ou mais dias de atividade vigorosa de pelo menos 30 min/dia, ou 5 ou mais dias de atividade de intensidade moderada ou caminhada ou pelo menos 60 min/dia). Para meninos, usamos 1,1 para sedentários/não ativos; 1,25 para ativos; e 1,4 para muito ativos.
Atualmente, não há evidências que demonstrem que as necessidades de macronutrientes (isto é, gordura, proteína, carboidratos) dos jovens com SD sejam diferentes das dos jovens sem SD. Uma diversidade de ingredientes e alimentos ricos em nutrientes pode apoiar um padrão alimentar saudável.
Recomendação 6 - Estímulo ao movimento
Crianças de 3 a 5 anos devem realizar uma variedade de atividades físicas ao longo do dia e participar de brincadeiras ativas, como esportes e atividades interativas que envolvam correr, saltar, escalar e engatinhar, entre outras. Também é recomendado que jovens de 6 a 17 anos realizem ≥60 min de atividade física moderada a vigorosa diariamente, acumulada em sessões de diferentes durações e devem incluir atividade física vigorosa, atividade de fortalecimento muscular e atividade de fortalecimento ósseo por pelo menos 3 dias /semana. As diretrizes exigem atividades físicas adequadas à idade, agradáveis e que ofereçam variedade.
A maioria dos jovens com SD ao longo da vida não cumpre as recomendações de atividade física e apresenta elevados níveis de comportamento sedentário. Os programas de atividade física devem ter progressão gradual na frequência, duração e quantidade semanal total de atividade física.
As barreiras podem incluir problemas agudos de saúde, baixos níveis de aptidão física, baixas habilidades motoras, anomalias ortopédicas, falta de energia e tédio. As barreiras parentais incluem estrutura familiar (estado civil, outros irmãos, etc.), falta de autoeficácia para encorajar atividades em seus adolescentes, restrições de tempo, falta de transporte barato/acessível e baixas taxas de atividade física parental. As barreiras ambientais incluem a falta de programas acessíveis, inclusivos e adaptados, assistência limitada por parte dos profissionais, atitudes negativas em relação às pessoas com SD e amizades limitadas.
A atividade física em jovens com SD pode ser facilitada por educadores físicos com conhecimento na elaboração de programas, membros da família que compreendam o seu papel na modelagem da atividade física e programas que sejam acessíveis, estruturados e adaptados às necessidades e habilidades das pessoas com SD. Estudos também mostram que os pais se exercitam mais isto tem um efeito positivo nos filhos, mesmo naqueles com déficit intelectual, que acabam também aderindo à rotina de mais movimento.
Recomendação 7 - Estratégias comportamentais, como encorajar alimentos com baixa densidade energética (por exemplo, frutas, vegetais e carnes magras) e limitar alimentos com alta densidade energética (por exemplo, alimentos doces e fritos). Monitorar a ingestão alimentar usando imagens simples. Controlar porções, limitar tamanho dos pratos, copos, talheres. Fazer automonitoramento de peso e passos dados ao longo do dia.
Recomendação 8. Alimentação saudável em casa e na escola. Os fatores-chave para o sucesso do controle do peso em jovens com SD são o envolvimento familiar e a modelagem familiar. A dieta de toda a família deve ser saudável. As crianças devem ser envolvidas no planejamento das refeições, na compra de alimentos e na culinária (se possível). Considere maneiras de ser ativo em família: dançar ao som de música, fazer caminhadas, brincar ao ar livre.
Introduza 1–2 novos alimentos todas as semanas. Considere envolver a criança em tarefas físicas, como varrer folhas, varrer ou carregar compras, como forma de promover o movimento de uma forma positiva: ajudando!
Inclua pelo menos um alimento seguro que a criança goste em todas as refeições. Envolva-se e ensine a família sobre uma vida ativa - usando as ruas e edifícios circundantes para ser ativo todos os dias: caminhe para a escola e para o trabalho, caminhe até lojas e restaurantes, suba as escadas, desça uma paragem mais cedo quando utilizar transportes públicos e caminhe resto do caminho até o destino.
Evite pressionar a criança a experimentar os novos alimentos. Não se estresse se a criança não comer o alimento imediatamente, podem ser necessárias muitas tentativas para que a criança aceite um novo alimento.
Na creche ou na escola: Limite os alimentos com alto teor energético, como doces e batatas fritas, a 1–2 vezes por semana. Explorar maneiras de aumentar a atividade física durante o dia escolar, por exemplo, pausas de movimento como adaptações sensoriais e treinamento em viagens como forma de praticar a independência e melhorar a tolerância à caminhada.
Ofereça uma fruta ou vegetal em cada refeição, incluindo lanches. Solicite serviços de fisioterapia/terapia ocupacional/educação física para abordar a preparação para acessar o currículo de educação física.
Ofereça água em vez de bebidas açucaradas (refrigerantes, suco, leite com chocolate).
Use uma linguagem positiva ao falar sobre comida ou peso corporal. Certifique-se de que o recesso não seja limitado ou suspenso como punição ou para prestação de serviços. Faça as refeições juntos como uma família.
Remova telas (TVs, tablets e telefones) ao comer.
Ofereça opções à criança em cada refeição (Você quer mirtilos ou morangos no jantar?)
Considere modificar a textura dos alimentos de acordo com as preferências de textura e capacidade de deglutição da criança.
Na creche ou na escola: Revise os cardápios escolares mensais e prepare um almoço/lanche, se necessário. Leve água ou água aromatizada em vez de sucos para o almoço/lanche.
Incluir metas de alimentação saudável e alternativas às recompensas alimentares no Plano Educacional Individual (IEP) e nos Planos de Transição. Por exemplo, solicite que a comida não seja dada como recompensa nas escolas.
Desenvolva planos de comportamento que não utilizem a comida como recompensa. Documente alternativas específicas para recompensas baseadas em alimentos.
Embora os jovens com SD apresentem maior risco de obesidade, descobertas recentes demonstram que o controle do peso para esta população é viável com estratégias adequadas de triagem e intervenção. Os profissionais de saúde, educação e as famílias devem trabalhar juntos para determinar quais estratégias funcionam melhor para cada pessoa e sua família. (Ptomey et al., 2022).
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