Terapias metabólicas no tratamento do transtorno afetivo bipolar

O transtorno bipolar (TB) é um transtorno de humor que afeta até 5% da população, levando a uma significativa morbidade e mortalidade prematura. Esse transtorno é caracterizado por episódios de mania, com ou sem episódios depressivos no transtorno bipolar tipo I (TB I), e episódios recorrentes de hipomania e depressão no transtorno bipolar tipo II (TB II).

Sintomas e Progressão

A desregulação do humor no transtorno bipolar se acompanha de sintomas que afetam diversas áreas, como sono, energia, motivação, apetite, peso, concentração, fala, pensamento e julgamento. Com o tempo, alguns pacientes apresentam uma progressão do transtorno, conhecida como neuroprogressão, que inclui a transição para episódios mais graves, prolongados e frequentes, como os ciclos rápidos (quando há pelo menos 4 episódios de humor distintos por ano). Isso resulta em piores resultados funcionais.

Infelizmente, ainda não existem preditores validados para identificar quais pacientes desenvolverão essa forma mais avançada da doença. Além disso, não há tratamentos eficazes especificamente direcionados para esse curso avançado.

A Conexão com a Desregulação Metabólica

Evidências crescentes sugerem que a desregulação metabólica, especialmente a resistência à insulina (IR), pode ser um fator subjacente na progressão do transtorno bipolar. Estudos mostraram que pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) ou resistência à insulina apresentam maior probabilidade de desenvolver um curso crônico da doença, incluindo ciclagem mais rápida, e são menos propensos a responder ao tratamento com lítio em comparação com aqueles sem desregulação metabólica.

Além disso, pacientes com resistência à insulina comórbida tendem a apresentar pior declínio cognitivo, comprometimento da memória e uma resposta menos eficaz aos estabilizadores de humor em geral.

Resistência à Insulina e Neuroprogressão no Transtorno Bipolar

A resistência à insulina (IR) é uma condição inflamatória que afeta a vasculatura e pode levar a alterações endoteliais na barreira hematoencefálica (BHE). Em um estudo recente, foi observado que pacientes com transtorno bipolar (TB) e vazamento extenso da BHE apresentaram um curso mais crônico da doença, com maior gravidade de depressão e ansiedade, além de pior funcionalidade geral. Esses pacientes também tinham IR, sugerindo que tanto a IR quanto a disfunção da BHE (BBBD) podem ser biomarcadores para neuroprogressão no TB. Acredita-se que a IR, associada à inflamação, comprometa a integridade da BHE, favorecendo a progressão do transtorno.

Desregulação Metabólica no Transtorno Bipolar

Pacientes com TB enfrentam um risco elevado de doenças cardiovasculares, com taxas mais altas de obesidade, hipertensão e diabetes tipo 2 (DM2). A obesidade, um estado inflamatório crônico, contribui para a IR, que pode levar à intolerância à glicose e, eventualmente, ao DM2. Em pacientes bipolares com obesidade ou IR, a doença tende a ser mais crônica, com respostas mais fracas ao tratamento com lítio. A IR está associada a um curso mais severo e com mais episódios de humor, como a ciclagem rápida, e aumenta a probabilidade de um tratamento ineficaz. Além disso, a presença de IR pode predizer uma resposta ruim ao lítio e está ligada à neuroprogressão, ressaltando a importância do monitoramento da IR em pacientes com TB.

O Eixo HPA e a Inflamação Sistêmica

O eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HPA) desempenha um papel crítico no desenvolvimento da IR e do TB. A hipercortisolemia sustentada, associada a anormalidades no eixo HPA, causa inflamação sistêmica e aumenta o risco de IR, além de desregulações no ritmo circadiano, como alterações no sono e níveis elevados de cortisol. Essas condições aumentam ainda mais o risco de IR e, consequentemente, contribuem para a progressão do TB.

Neuroinflamação e Neuroprogressão

A inflamação sistêmica, associada à IR, aumenta o risco de lesão endotelial, disfunção da BHE e neuroinflamação. Esse processo cria um ciclo de retroalimentação que acelera a progressão do TB. A hiperglicemia e a hiperinsulinemia ativam o sistema renina-angiotensina, contribuindo para hipertensão e disfunção endotelial. A disfunção da BHE facilita a entrada de substâncias inflamatórias no cérebro, exacerbando a neuroinflamação e levando à neuroprogressão. Intervenções precoces, como mudanças no estilo de vida e dieta, podem prevenir ou mitigar esses efeitos, oferecendo novas possibilidades terapêuticas para o tratamento do TB.

O Papel da Inflamação no Transtorno Bipolar e na IR

Estudos indicam que a inflamação desempenha um papel importante no TB, com citocinas inflamatórias, como IL-6, TNF-alfa e CRP, elevadas em pacientes com transtornos de humor. A neuroinflamação está associada a uma resposta mais fraca a antidepressivos e outros tratamentos. Além disso, a desregulação do sistema imunológico pode ser um fator causal no desenvolvimento do TB, com evidências mostrando que alterações inflamatórias são detectáveis antes mesmo do início do transtorno.

Disfunção da BHE e Transtorno Bipolar

A BHE regula a troca de substâncias entre o sangue e o cérebro, protegendo o cérebro de moléculas nocivas. No entanto, a disfunção da BHE, evidenciada por vazamento de moléculas como a albumina, está associada a várias condições neurológicas, incluindo o TB. A inflamação sistêmica contribui para a lesão da microvasculatura cerebral e a disfunção da BHE, levando à neuroinflamação e neurodegeneração. Em pacientes com TB, a disfunção da BHE está relacionada a maior morbidade psiquiátrica e um curso mais grave da doença, com mais episódios de humor. A correção da BHE pode ser uma nova abordagem terapêutica para a remissão do TB.

Mecanismos Intracelulares na Ligação entre IR, Inflamação, BHE e Neuroprogressão

O desenvolvimento da neuroprogressão na TB pode ser descrito como uma cascata patológica, onde a inflamação sistêmica e a IR desencadeiam neuroinflamação via rompimento da BHE. A disfunção do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HPA) é um estágio inicial, levando à hipercortisolemia e à desregulação circadiana. A inflamação sistêmica e a IR contribuem para a neuroinflamação através da infiltração de citocinas sistêmicas (como IL-1, IL-6 e TNF-α) e danos à BHE, muitas vezes mediadas pela hiperglicemia e hiperinsulinemia.

Quando a BHE é comprometida, as células microgliais e astrocíticas do cérebro sofrem transformações neuroinflamatórias, ativando vias como TGFβ, que resultam na diminuição do controle sobre o glutamato extracelular e na formação de novas sinapses excitadoras. Essas alterações promovem a reorganização da rede neural, favorecendo a hiperexcitação e danos neuronais. Este ciclo de feedback negativo pode intensificar a disfunção neuronal e contribuir para a progressão da TB.

A neuroinflamação também pode amplificar a desregulação circadiana, interferindo na produção de neurotransmissores essenciais como serotonina e melatonina, favorecendo a produção de quinurenina, uma via associada a danos neuronais. Essas interações demonstram a complexidade entre a atividade do eixo HPA, a inflamação sistêmica, a disfunção da BHE e a neuroprogressão na TB, com a BHE servindo como uma interface crítica entre os processos periféricos e do sistema nervoso central (SNC).

Tratamentos Anti-Inflamatórios e Reparação da disfunção da BHE

Embora terapias anti-inflamatórias como inibidores de TNF tenham mostrado efeitos na redução dos sintomas depressivos em alguns estudos, sua capacidade de reparar a BHE ainda é incerta. Por exemplo, um estudo com pacientes submetidos a cirurgia cardíaca e tratados com prednisona, um anti-inflamatório potente, não mostrou redução na disfunção da BHE pós-operatória. Isso sugere que, por si só, tratar a inflamação sistêmica pode não ser suficiente para reparar a BHE.

Metformina e Outras Terapias como Alvo para Reparar a BHE

A reversão da IR, no entanto, apresenta um alvo terapêutico mais promissor. A metformina, um medicamento amplamente utilizado para tratar a IR, demonstrou reduzir a disfunção da BHE em modelos animais, como no caso de um modelo de acidente vascular cerebral (AVC). Em um modelo de inflamação sistêmica, a metformina não apenas reduziu a neuroinflamação, mas também melhorou o comportamento e os sintomas neurocomportamentais. Além disso, a metformina demonstrou efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios em humanos, e é eficaz na redução de complicações cardiovasculares, derrames e doenças neurodegenerativas.

A metformina pode também ter um efeito neuroprotetor adicional ao suprimir a metaloproteinase-9 (MMP-9), uma enzima envolvida na degradação da BHE e relacionada a doenças como câncer e distúrbios neuropsiquiátricos, incluindo o transtorno bipolar. A supressão da MMP-9 pela metformina sugere que ela pode atuar diretamente na proteção da BHE, além de reverter a IR.

Ativação do PPAR como Mecanismo de Proteção da BHE

Outro mecanismo pelo qual a metformina pode oferecer benefícios é por meio da ativação do receptor ativado por proliferador de peroxissoma (PPAR), que tem demonstrado reduzir a neuroinflamação e melhorar a integridade da BHE. Estudo com agonistas do PPAR, como a rosiglitosona, indicam que esses medicamentos podem proteger a BHE e melhorar os resultados neurológicos em lesões do sistema nervoso central (SNC).

Além disso, medicamentos de proteção vascular como a losartana, antagonista do receptor da angiotensina II, têm mostrado potencial na proteção da BHE, através da modulação da sinalização TGF-β, o que pode ser relevante para a prevenção da epilepsia e outras condições associadas à BBBD.

Perspectivas de Tratamento para a Neuroprogressão do TB

A combinação de medicamentos que visam a IR, como metformina e tiazolidinedionas, juntamente com agentes de proteção vascular, como o losartan, pode oferecer estratégias eficazes para tratar a neuroprogressão no transtorno bipolar, especialmente em casos resistentes ao tratamento. A pesquisa sobre essas abordagens ainda está em andamento, e ensaios clínicos como o TRIO-BD, que compara metformina a placebo no tratamento da depressão bipolar resistente, prometem fornecer insights importantes.

Identificação de Pacientes com Neuroprogressão

A IR pode ser monitorada com a equação HOMA-IR, usando os níveis de glicose e insulina em jejum. Com a IR identificada, a DCE-MRI pode ser utilizada para quantificar o vazamento da BHE. Embora a DCE-MRI seja uma ferramenta promissora, ela ainda está em fase de pesquisa, e mais estudos são necessários para padronizar os valores de corte para permeabilidade anormal da BHE em diferentes scanners de ressonância magnética.

Como a Dieta Cetogênica Pode Influenciar a BHE no Transtorno Bipolar

  1. Redução da Inflamação: Estudos sugerem que a dieta cetogênica pode reduzir a inflamação sistêmica e no cérebro, dois fatores importantes na disfunção da BHE. A inflamação crônica tem sido considerada uma das principais causas da BBBD, que resulta no aumento da permeabilidade da BHE. Ao reduzir a produção de mediadores inflamatórios, como citocinas (IL-6, TNF-α), a dieta cetogênica pode ajudar a proteger a integridade da BHE, reduzindo a neuroinflamação associada ao transtorno bipolar.

  2. Modulação do Metabolismo Energético do Cérebro: A dieta cetogênica altera a forma como o cérebro obtém energia, favorecendo a utilização de corpos cetônicos (derivados da gordura) em vez de glicose. Este efeito pode ser benéfico em condições como o TB, onde o metabolismo energético do cérebro pode estar comprometido. O uso de corpos cetônicos pode ajudar a estabilizar a função cerebral, promovendo a neuroproteção e possivelmente diminuindo o risco de disfunção da BHE.

  3. Proteção contra o Estresse Oxidativo: A dieta cetogênica tem mostrado reduzir o estresse oxidativo, um dos principais fatores que contribuem para a BBBD e danos cerebrais. O estresse oxidativo pode danificar as células endoteliais que compõem a BHE, tornando-a mais permeável a toxinas e agentes patogênicos. Ao reduzir o estresse oxidativo, a dieta cetogênica pode preservar a função da BHE e proteger o cérebro de danos.

  4. Ação sobre os Lipídios e Membranas Celulares: A dieta cetogênica também pode modificar a composição lipídica das membranas celulares, incluindo as células endoteliais da BHE. Esse efeito pode fortalecer a estrutura da BHE, tornando-a mais resistente ao estresse e à inflamação, o que pode ser particularmente útil para prevenir ou tratar a BBBD associada ao TB.

Evidências Preliminares e Potenciais Benefícios no Transtorno Bipolar

Embora a pesquisa sobre a dieta cetogênica e a disfunção da BHE no transtorno bipolar ainda seja limitada, existem alguns estudos que apontam para potenciais benefícios. A dieta cetogênica já é reconhecida como uma terapia eficaz para epilepsia, e estudos indicam que ela pode também melhorar a função cerebral em outros transtornos neurológicos, como o Alzheimer e a esquizofrenia. Essas evidências sugerem que, ao restaurar a integridade da BHE e reduzir a inflamação, a dieta cetogênica pode ser uma opção promissora no manejo da neuroprogressão do transtorno bipolar.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/