Os 6 tipos de autofagia

A autofagia, do grego "auto" (próprio) e "fagia" (comer), é um processo fundamental para a sobrevivência celular, no qual a célula "come" a si mesma, degradando componentes desnecessários ou danificados e reciclando nutrientes para manter a homeostase (equilíbrio).

Embora o termo autofagia seja frequentemente utilizado de forma ampla, existem diferentes tipos desse processo, cada um com suas características e funções específicas. Os tipos de autofagia costumam ser classificados de acordo com a via de entrega de substratos ao lisossomo.

1. Macroautofagia

A macroautofagia é o tipo mais estudado e ocorre quando organelas ou proteínas são sequestradas em uma estrutura de membrana dupla chamada autofagossomo, que se funde com o lisossomo (formando um autolisossomo), onde o conteúdo é degradado por enzimas.

  • Exemplos: Degradação de mitocôndrias danificadas (mitofagia), resposta ao estresse, desenvolvimento embrionário. Frequentemente observada em células neuronais para prevenir doenças neurodegenerativas como Parkinson.

  • Ativação: Pode ser induzida por jejum, estresse oxidativo, infecções, privação de nutrientes, entre outros estímulos.

    • Privação de nutrientes ou jejum: A ausência de aminoácidos ou glicose ativa o complexo AMPK, que inibe mTORC1, promovendo a formação de autofagossomos.

    • Indução farmacológica: Compostos como rapamicina (um inibidor de mTOR), suplementação de BHB ou trealose são conhecidos por ativar a macroautofagia.

    • Exercício físico: A atividade física intensa induz a macroautofagia em células musculares e hepáticas. Recomenda-se 30 minutos de atividade física aeróbica, pelo menos 3 vezes por semana.

    • Diet cetogênica: O β-hidroxibutirato (BHB), um dos principais corpos cetônicos gerados durante o jejum prolongado ou dietas cetogênicas, é conhecido por ativar a macroautofagia. Ele age tanto de forma direta quanto indireta, promovendo a degradação de componentes celulares através do processo autofágico.

      • Inibição de mTOR:
        O BHB reduz a atividade de mTORC1 (um inibidor da autofagia), criando condições favoráveis para a formação de autofagossomos.

        • Este efeito é observado durante estados de jejum ou sob dietas cetogênicas ricas em gorduras e pobres em carboidratos.

      • Ativação de AMPK:
        O BHB pode aumentar os níveis de AMPK, que ativa a autofagia ao estimular ULK1, um regulador essencial para a formação de autofagossomos.

      • Efeitos Antiinflamatórios e Antioxidantes:
        O BHB reduz espécies reativas de oxigênio (ROS) e inflamação, favorecendo um ambiente celular em que a macroautofagia é intensificada para remoção de componentes danificados.

2. Mitofagia

A mitofagia é um subtipo de macroautofagia, especializado na degradação seletiva de mitocôndrias danificadas ou desnecessárias. Mitocôndrias são organelas essenciais para a regulação da homeostase energética e para a morte celular programada. A remoção de mitocôndrias danificadas é crucial para manutenção de importantes funções celulares.

Ding & Yin (2013) explicam um modelo de mitofagia em duas etapas em células de mamíferos: (1) a indução de macroautofagia dependente de Atg canônica e (2) priming mitocondrial.

  • A indução de autofagia canônica requer proteínas Atg e, além disso, envolve a supressão de mTOR mediada pela produção de radicais livres (ROS) gerada por dano mitocondrial e ativação de AMPK mediada por depleção de ATP.

  • Priming de mitocôndrias é um termo utilizado para descrever o processo de preparação das mitocôndrias para um aumento súbito de sua atividade. O priming de mitocôndrias é mediado por múltiplos mecanismos que podem ser dependentes ou independentes de Parkin.

    • Um mecanismo comum é despolarização mitocondrial, que resulta em clivagem prejudicada de Pink1 mediada por PARL, levando à estabilização de Pink1 e recrutamento de Parkin para as mitocôndrias. Parkin localizada na mitocôndria promove a ubiquitinação de proteínas da membrana externa, que podem ser degradadas através do proteassoma ou servir como parceiras de ligação para p62. Este, por sua vez, atua como uma molécula adaptadora por meio da interação direta com LC3 para recrutar membranas autofagossômicas para as mitocôndrias.

    • Parkin também pode interagir com Ambra1, que por sua vez ativa o complexo PI3K ao redor das mitocôndrias para facilitar a mitofagia seletiva.

    • Para o mecanismo independente de Parkin, mitocôndrias danificadas (particularmente sob condições de hipóxia) podem aumentar a expressão de FUNDC1 e Nix, que por sua vez podem recrutar autofagossomos para as mitocôndrias por interação direta com LC3 por meio de seus domínios LIR.

    • Após a despolarização mitocondrial, Smurf1 também tem como alvo as mitocôndrias para promover a mitofagia, provavelmente por meio da ubiquitinação de proteínas mitocondriais.

    • Hsp90-Cdc37 estabiliza e ativa Ulk1, que fosforila ainda mais Atg13. Atg13 fosforilado é recrutado para mitocôndrias danificadas para promover a mitofagia.

    • A mitofagia independente de Atg é menos compreendida, mas a 15-lipoxigenase demonstrou promover a degradação mitocondrial. A invaginação lisossomal direta ou a interação com mitocôndrias danificadas (microautofagia) também podem desempenhar um papel.

3) Microautofagia

Nesta via, os componentes celulares são diretamente invaginados pela membrana do lisossomo para degradação. Não há formação de autofagossomo.

  • Exemplo: Observada em leveduras durante privação de nutrientes, ajudando na degradação de lipídios. Nos mamíferos é usada para degradação de pequenas proteínas ou organelas

  • Privação de nutrientes: Assim como na macroautofagia, a escassez de nutrientes pode induzir a microautofagia.

4) Autofagia Mediada por Chaperona

Proteínas com sequências específicas (motivo KFERQ), chamadas chaperonas, reconhecem proteínas danificadas ou mal dobradas e as direcionam para a membrana do lisossomo, onde são degradadas.

  • Exemplos: Degradação de proteínas como GAPDH durante o estresse oxidativo.

  • Indução: Condições que aumentam a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) como exercício ativam esta via. Jejum prolongado também estimula a degradação seletiva de proteínas por este mecanismo. Compostos como retinoides e tanespimicina podem estimular a translocação de proteínas para o lisossomo.

5) Xenofagia

Subtipo de macroautofagia direcionado a patógenos intracelulares, como bactérias e vírus.

  • A presença de patógenos intracelulares, como Salmonella typhimurium, ativa a xenofagia via reconhecimento por receptores de padrão molecular (PRRs).

  • Indutores: Estímulos com interferon-gama (IFN-γ) aumentam a xenofagia em células infectadas. A rapamicina também pode estimular xenofagia em alguns contextos.

6. Lipofagia

Forma específica de autofagia que envolve a degradação de lipídios armazenados em gotículas lipídicas.

  • Ativação: Jejum prolongado e dieta cetogênica (BHB) ativa a lipofagia para a degradação de gotículas lipídicas. Exercícios físicos ou compostos que estimulam AMPK, como AICAR, promovem lipofagia. Agentes como trealose podem ativar a lipofagia em modelos experimentais.

A autofagia é um processo dinâmico e crucial para a saúde celular. A pesquisa contínua sobre suas formas e mecanismos pode trazer avanços no tratamento de diversas doenças, incluindo câncer, infecções e condições metabólicas. É importante ressaltar que a classificação da autofagia em 6 tipos específicos não é universalmente aceita e pode variar entre diferentes fontes.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/