Nos últimos anos, a ciência tem revelado algo fascinante: nossos ossos não são apenas sustentação estrutural, mas também protagonistas em uma complexa rede de interações metabólicas, hormonais e imunológicas — muitas das quais passam diretamente pelo intestino.
Cálcio, fósforo e diversidade microbiana
Estudos em modelos animais têm demonstrado que a suplementação de cálcio pode promover um aumento significativo na diversidade da microbiota intestinal, estimulando especialmente o crescimento de bactérias benéficas como Bifidobacterium sp., Ruminococcaceae e Akkermansia. Em humanos, a combinação de 1000 mg de cálcio e fósforo por dia, durante 8 semanas, levou ao aumento da fração Clostridium XVIII nas fezes — um indicativo de uma microbiota mais ativa e possivelmente mais saudável.
Vitamina K: mais que um coadjuvante na saúde óssea
Além de seu papel tradicional na regulação da osteocalcina e na diferenciação celular óssea, a vitamina K também parece influenciar a estrutura mineral e orgânica do osso. Um estudo recente detectou uma queda nas formas microbianas da vitamina K em camundongos com resistência óssea comprometida — apontando uma conexão direta entre a microbiota, a produção desta vitamina e a robustez óssea.
O elo entre dieta e ossos mais fortes
Fibras fermentáveis, como galacto-oligossacarídeos e fruto-oligossacarídeos, alimentam bactérias intestinais que produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) — como o butirato e o propionato. Esses compostos não só reduzem a inflamação como também reprogramam o metabolismo dos osteoclastos (células que reabsorvem o osso), favorecendo a formação óssea. Em modelos animais, a administração de AGCC protegeu contra perda óssea induzida por inflamação e deficiência de estrogênio, além de estimular a produção de proteínas osteoprotetoras como OPG e sialoproteína óssea.
Mecanismos de regulação do metabolismo ósseo pela microbiota intestinal (Lyu et al., 2023).
Além dos AGCC outras substâncias também são importantes:
Poliaminas, sintetizadas por várias espécies bacterianas do intestino a partir de aminoácidos (como arginina e lisina), podem influenciar a proliferação de osteoblastos. Atuam como sinalizadores celulares, regulando crescimento e regeneração óssea.
H₂S (gás sulfídrico), produzido por algumas bactérias intestinais (como Desulfovibrio spp.), por meio da fermentação de aminoácidos sulfurados (como cisteína), tem efeito regulatório na remodelação óssea.
Ácidos biliares, produzidos no fígado, são modificados por bactérias (como Bacteroides, Clostridium, Lactobacillus e Bifidobacterium), que contém enzimas como BSH. Produzem ácidos biliares secundários que atuam como sinalizadores metabólicos que interagem com receptores como FXR e TGR5, influenciando:
Inflamação sistêmica,
Metabolismo ósseo,
Regulação hormonal.
Hormônios e microbiota
O eixo intestino-osso é altamente influenciado por hormônios:
IGF-1: Essencial para o crescimento ósseo, seus níveis são maiores em animais com microbiota intacta. AGCC são capazes de aumentar o IGF-1 circulante, sugerindo que bactérias intestinais modulam esse hormônio anabólico.
Estrogênio: O microbioma regula sua ativação via enzimas como a β-glicuronidase. Uma microbiota desequilibrada reduz os níveis circulantes de estrogênio, contribuindo para a osteoporose. Probioticos como Lactobacillus e Bifidobacterium longum demonstraram efeitos protetores em modelos de osteopenia.
Andrógenos: Ainda em investigação, mas estudos sugerem que o microbioma pode influenciar os níveis de DHT, um andrógeno importante na manutenção da massa óssea.
Paratormônio (PTH): também conhecido como hormônio da paratireoide, é um regulador central do metabolismo do cálcio e da remodelação óssea. Sua função mais clássica é o aumento da concentração de cálcio no sangue. Mas, estudos mostram que o efeito anabólico do PTH depende da presença de AGCC, produzidos pela microbiota.
Microbiota, inflamação e perda óssea
A perda óssea associada à inflamação — típica da menopausa e do envelhecimento — é fortemente influenciada pelo microbioma. Em estados de disbiose (desequilíbrio microbiano), ocorre um aumento da ativação de células T pró-inflamatórias (como Th17), que produzem citocinas osteoclastogênicas como IL-17, TNF-α e RANKL, favorecendo a perda óssea. A ativação de receptores imunes como NOD1/NOD2 e TLR5 por componentes bacterianos estimula citocinas pró-osteoclastogênicas (como TNF-α e RANKL), promovendo a perda de densidade mineral óssea (DMO). Intervenções probióticas ou dietéticas que modulam essa resposta podem oferecer estratégias terapêuticas inovadoras.
Exercício físico: benefícios além da musculatura
A prática regular de atividade física melhora a DMO e reduz inflamação — e parte desse efeito pode ser mediado por alterações na microbiota intestinal. Camundongos mais ativos mostraram aumento de Bifidobacteriaceae, bactérias associadas à proteção contra perda óssea.
Embora menos estudado que o eixo intestino-osso, o eixo intestino-músculo também é promissor. Camundongos livres de germes ou tratados com antibióticos apresentam menor massa muscular e pior desempenho físico. A inoculação com cepas probióticas específicas ou o transplante de microbiota de humanos fisicamente ativos restaurou parcialmente a função muscular nesses animais. Estudos clínicos, como os que investigam o Bacillus coagulans, podem abrir portas para novas intervenções no envelhecimento saudável.
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