As cetonas são produzidas pelo fígado em condições de baixa disponibilidade de glicose por longos períodos de tempo, como um jejum prolongado (24 horas ou mais) ou dias em uma dieta cetogênica com muito baixo teor de carboidratos. Uma elevação dos corpos cetônicos é o que define a cetose. Na cetose, estamos produzindo três moléculas diferentes de cetona: acetoacetato (AcAc), acetona e o principal corpo cetônico em circulação, do qual produzimos a maior parte, é o beta-hidroxibutirato (BHB).
BHB é uma molécula quiral, o que significa que existe em duas formas que parecem quase idênticas, mas na verdade são imagens espelhadas uma da outra. Se você colocar uma mão sobre a outra, verá o que queremos dizer. As palmas voltadas são imagens espelhadas, mas empilhadas umas sobre as outras, elas são diferentes. Essas duas formas são referidas como D- ou R-BHB e L- ou S-BHB, mas iremos nos referir a elas como D- e L-BHB daqui para frente.
Existem três corpos cetônicos criados em uma dieta cetogênica. Esses corpos cetônicos são acetoacetato (AcAc), beta-hidroxibutirato (BHB) e acetona. O acetoacetato é o primeiro corpo cetônico produzido a partir da quebra de gorduras no fígado. Uma porção de acetoacetato é então convertida em beta-hidroxibutirato, o corpo cetônico mais abundante e estável em circulação.
Embora três corpos cetônicos sejam produzidos em uma dieta cetogênica, esta postagem no blog é sobre BHB. Há muito interesse em produzir o próprio BHB por meio de uma dieta cetogênica e suplementação. Muitas pessoas usam diferentes formas de cetonas exógenas para ajudar na saúde do cérebro.
Essas funções de sinalização do BHB ligam amplamente o ambiente externo à regulação genética epigenética e à função celular, e suas ações podem ser relevantes para uma variedade de doenças humanas, bem como para o envelhecimento humano (Newman, Verdin, 2017).
D-BHB x L-BHB
D-BHB (D-beta-hidroxibutirato) e L-BHB (L-beta-hidroxibutirato) são duas formas do corpo cetônico beta-hidroxibutirato e, na verdade, são estereoisômeros. Em termos mais simples, são moléculas que compartilham a mesma fórmula química e estrutura, mas possuem diferentes arranjos de átomos no espaço, tornando-os imagens espelhadas umas das outras.
A diferença real entre esses dois está em seus papéis biológicos e atividade no corpo. D-BHB é a forma biologicamente ativa, o que significa que é a que desempenha um papel significativo na produção de energia e no metabolismo.
Quando você segue uma dieta cetogênica ou jejua, seu fígado produz D-BHB como o principal corpo cetônico. Ele atua como uma fonte alternativa de energia para o cérebro, coração e músculos quando a glicose é escassa. D-BHB é a forma que demonstrou ter vários efeitos positivos nos processos celulares, como aumento da função mitocondrial, autofagia e biogênese mitocondrial.
Em contraste, L-BHB é a forma biologicamente inativa do beta-hidroxibutirato. É produzido em quantidades menores no corpo e tem funções metabólicas limitadas. No entanto, vale a pena notar que pesquisas recentes estão começando a descobrir papéis potenciais para o L-BHB em diferentes processos celulares.
Como o L-BHB se transforma em D-BHB?
No corpo humano, a conversão de L-BHB em D-BHB ocorre por meio de um processo denominado estereoisomerização. No mundo molecular, a estereoisomerização é o processo em que uma molécula altera seu arranjo tridimensional de átomos, convertendo um estereoisômero em outro sem alterar a estrutura molecular geral. Essa mudança no arranjo espacial pode levar a diferenças nas propriedades e funções dos isômeros resultantes.
A conversão é facilitada por uma enzima chamada beta-hidroxibutirato desidrogenase (BDH1), que está presente nas mitocôndrias das células, principalmente no fígado. A enzima BDH1 catalisa a interconversão reversível entre os dois estereoisômeros, L-BHB e D-BHB. A reação também envolve a coenzima NAD+/NADH. Na presença de BDH1 e NAD+, L-BHB é oxidado para formar acetoacetato enquanto reduz NAD+ a NADH. Posteriormente, o acetoacetato pode ser reduzido novamente a D-BHB, com o NADH sendo oxidado de volta a NAD+ no processo.
Vale ressaltar que esse processo de interconversão não é altamente eficiente, pois o L-BHB está presente no corpo em quantidades muito menores em comparação com o D-BHB, e a enzima BDH1 tem maior afinidade pelo D-BHB. Como resultado, a maioria dos corpos cetônicos utilizados para energia são D-BHB, que é a forma biologicamente ativa responsável pela maioria dos benefícios à saúde associados à cetose.
Suplementação de BHB
A maioria dos suplementos de sais de cetona disponíveis no mercado contém uma mistura de dois tipos de beta-hidroxibutirato (BHB): o D-BHB e o L-BHB. Essa mistura é chamada de BHB racêmico, e ela tem implicações importantes para quem busca benefícios metabólicos, cognitivos ou anti-inflamatórios com cetonas exógenas.
⚖️ D-BHB: o lado ativo e mais estudado
O D-BHB é a forma biologicamente ativa das cetonas, responsável por:
Produzir energia eficiente
Melhorar a função cognitiva
Apoiar processos celulares e metabólicos
Por isso, suplementos com D-BHB puro são mais eficazes – mas também mais caros, já que sua produção exige processos mais sofisticados.
E o L-BHB? Um coadjuvante que surpreende
Por muito tempo, o L-BHB foi considerado irrelevante. Ele representa apenas 2–3% da produção natural de BHB durante o jejum e não é detectado pelos medidores de cetona no sangue, que só medem o D-BHB.
Mas a ciência está mudando esse pensamento:
Estudos mostram que o L-BHB se acumula nos tecidos – especialmente no cérebro – após a ingestão de suplementos racêmicos.
Ele permanece mais tempo no sangue, o que pode gerar uma elevação de cetonas mais duradoura.
Há indícios de que L-BHB participa da produção de lipídios no cérebro em desenvolvimento, sendo até preferido ao D-BHB como fonte de carbono.
O L-BHB parece ter ações anti-inflamatórias, incluindo:
Inibição do inflamassoma NLRP3
Ativação do receptor HCAR2 (presente em células imunes e neurais)
Cada isômero com um destino
Um estudo recente mostrou que D- e L-BHB têm destinos diferentes no corpo:
Após suplementação com sais racêmicos, L-BHB se espalhou mais pelo cérebro, fígado, coração e músculos.
Já o D-BHB foi absorvido preferencialmente pelo coração e fígado, mas quase não apareceu no cérebro ou músculos.
Isso sugere que cada isômero pode ter funções específicas por tecido, e os dois juntos podem ter efeitos complementares.
Implicações práticas: qual suplemento escolher?
D-BHB puro: ideal para quem busca efeitos cetogênicos mais rápidos e potentes.
BHB racêmico (D+L): pode oferecer efeitos mais sustentados, com benefícios adicionais na inflamação e no cérebro.
A maior parte dos estudos clínicos usa BHB racêmico em doses entre 10–100g/dia. Ainda há muito a ser explorado sobre como cada isômero age no corpo humano, especialmente em termos de saúde cerebral, cardiovascular e metabólica.
Conclusão
Apesar de o D-BHB ser mais conhecido e ativo energeticamente, o L-BHB está longe de ser um mero coadjuvante. Ele pode oferecer efeitos anti-inflamatórios, neurológicos e metabólicos únicos – e sua presença prolongada no sangue o torna um elemento importante nas cetonas exógenas.
Ao escolher um suplemento de cetona, vale considerar qual(is) objetivo(s) você tem em mente: performance, foco mental, saúde a longo prazo? Saber o que está por trás de cada isômero pode ajudar a fazer escolhas mais conscientes.
Referências
Cuenoud et al (2020). Metabolism of exogenous D-beta-hydroxybutyrate, an energy substrate avidly consumed by the heart and kidney. Frontiers in Nutrition, 13. https://doi.org/10.3389/fnut.2020.00013
Han, Ramprasath, & Zou, M. H. (2020). β-hydroxybutyrate and its metabolic effects on age-associated pathology. Experimental & Molecular Medicine, 52(4), 548-555. https://doi.org/10.1038/s12276-020-0415-z
Newman, & Verdin, E. (2017). β-Hydroxybutyrate: a signaling metabolite. Annual review of nutrition, 37, 51-76. https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev-nutr-071816-064916
Youm, et al (2015). The ketone metabolite β-hydroxybutyrate blocks NLRP3 inflammasome–mediated inflammatory disease. Nature medicine, 21(3), 263-269. https://www.nature.com/articles/nm.3804