Fatores ambientais e genéticos no autismo

A prevalência do transtorno do espectro do autismo (TEA) em crianças vem aumentando em todo mundo nas últimas décadas. Segundo o Manual de Saúde Mental – DSM-5, o Autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento. Caracteriza-se pelo comprometimento da interação social, comunicação verbal e não-verbal e comportamento restritivo e repetitivo. Afeta o processamento das informações no cérebro, alterando a forma como as células nervosas e as sinapses se organizam.

Segundo o Centro de Controle de Prevenção de Doenças (CDC) 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas nos Estados Unidos, o que significa 2,8% daquela população. No Brasil, não há números de prevalência de autismo, mas se imaginarmos a mesma proporção desse estudo com a população brasileira, teríamos quase 6 milhões de autistas no país.

Relativamente ao tratamento, deve ser adequado às necessidades individuais de cada indivíduo com TEA. Dentre os objetivos estão: estimular o desenvolvimento social e comunicativo, aprimorar a aprendizagem e capacidade de solucionar problemas, diminuir comportamentos que interferem com a aprendizagem e com o acesso às oportunidades de experiências do quotidiano, ajudando também as famílias a lidar com o autismo.

De uma forma geral, é necessário recorrer a diversos profissionais de saúde como enfermeiros, médicos, fonoaudiólogo, fisioterapeutas, psicopedagogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, sendo essencial o apoio familiar. No caso da presença de comorbidades também pode abranger o uso de medicação. O tratamento deve ser reavaliado assiduamente para poder ser readequado à cada fase, atendendo as necessidades da criança e de suas famílias.

Uma das questões é a disfunção imunológica associada ao TEA. Crianças com TEA são mais propensas a ter distúrbios gastrointestinais e alergias alimentares. Estudo de 2018 acompanhou 1.868 crianças e adolescentes (3 a 17 anos) com diagnóstico de TEA e mostrou que a prevalência de alergias foi significativamente maior neles do que em indivíduos neurotípicos (Xu et al., 2018).

  • 4,31% de típicos e 12,15% com TEA tinham alergia alimentar;

  • 12,15% de típicos e 18,73% com TEA tinham alergia respiratória;

  • 9,91% de típicos e 16,81% com TEA tinham alergia cutânea

Ainda não entendemos os motivos desta ocorrência mas sabemos que a vulnerabilidade no TEA costuma estar aumentada. Fatores ambientais entrelaçam-se a fatores genéticos aumentando o risco de transtornos do neurodesenvolvimento. Artigo de 2020 discute esta interrelação:

Embora uma contribuição genética substancial para o TEA seja bem reconhecida, sua arquitetura genética é extremamente heterogênea. Ou seja, cada pessoa com TEA possui alterações genéticas particulares e individuais. Atualmente reconhecemos uma carga complexa e ainda mal caracterizada de variantes de baixo risco, principalmente polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) e um grande número de variantes raras altamente penetrantes, muitas vezes variações de número de cópias (CNVs), como na síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21).

Estima-se que SNPs comuns, distribuídos por todo o genoma, representem pelo menos 20% da responsabilidade do TEA e atuem de forma aditiva ou sinérgica como fatores de risco. Os estudos de associação genômica ampla (GWAS) elucidaram um cenário poligênico com múltiplos alelos de efeito muito pequeno. Os domínios nais mais consistentemente ligados ao TEA estão relacionados especialmente aos genes que codificam para proteínas de ligação de DNA e RNA. Exemplos de reguladores-chave da remodelação da cromatina cuja ligação com TEA está bem estabelecida são CHD8 e CHD2, CTNBB, MECP2 e HDAC4 Entre os fatores de transcrição, TBR1 e FOXP1 demonstraram desempenhar um papel fundamental no neurodesenvolvimento. Em relação à funcionalidade sináptica, os genes afetados são recuperados entre os principais atores da transmissão glutamatérgica e GABAérgica, bem como proteínas pertencentes à família SHANK e moléculas de adesão celular de neurexina.

Além da complexidade da arquitetura genética subjacente ao TEA, esse espectro de transtornos se distingue pela contribuição concomitante de diversos fatores ambientais com influência na sua patogênese. Dada a sua natureza penetrante e a sua capacidade de influenciar as fases iniciais do desenvolvimento fetal, o efeito potencial da exposição química ambiental está ganhando cada vez mais atenção.

Fatores ambientais associados ao TEA

O SNC em desenvolvimento é particularmente vulneráveis a insultos externos. Isso está relacionado, por um lado, à série altamente complexa, específica e coordenada de eventos biológicos que orientam o desenvolvimento inicial do cérebro humano e, por outro lado, à falta ou funcionalidade incompleta de barreiras como a barreira hematoencefálica.

Entre os fatores ambientais que têm impacto no início do TEA e atuam nas fases de desenvolvimento, existem vários determinantes relacionados à mãe, incluindo nutrição materna, equilíbrio hormonal e estado de estresse, bem como abuso de substâncias e exposição a produtos químicos ambientais, incluindo poluentes atmosféricos, pesticidas, derivados de plásticos e metais pesados.

A nutrição materna é crucial para garantir o fornecimento correto de nutrientes ao feto, em particular para vitaminas lipossolúveis (A, D, E), triptofano e nutrientes relacionados ao metabolismo de carbono único (colina, vitaminas B2, B6, B12 e folato). A deficiência de folato, por exemplo, pode ter um impacto na metilação do DNA que, por sua vez, prejudica o neurodesenvolvimento fisiológico e resulta em efeitos adversos na saúde mental.

A exposição a metais pesados, como mercúrio, chumbo e arsênico, tem sido fortemente associada a distúrbios do neurodesenvolvimento. Os mecanismos moleculares propostos são diversos, variando de desequilíbrios na homeostase do cálcio, funcionalidade sináptica prejudicada e alteração da barreira hematoencefálica.

A toxicidade do neurodesenvolvimento do metilmercúrio, principalmente devido a frutos do mar contaminados, é amplamente relatada, com mecanismos patogenéticos relacionados ao estresse oxidativo e homeostase alterada de cálcio e glutamato.

Um dos mecanismos pelos quais os genes e o ambiente interagem na patogênese do TEA está relacionado a polimorfismos em genes que regulam a resposta a endo ou xenobióticos. SNPs em enzimas envolvidas no metabolismo xenobiótico, como paraoxonase 1 (PON1), glutationa-S-transferases (GSTM1 e GSTP1), ácido δ-aminolevulínico desidratase ( ALAD), família de transportadores de solutos 40 membro 1 (SLC40A1) e o fator de transcrição regulador de metal 1 (MTF1) foram associados ao risco de TEA, pois podem prejudicar a eliminação de substâncias neurotóxicas.

Substâncias tóxicas para o cérebro infantil (medicamentos, metais pesados, bisfenol, ftalato etc) contribuem para mudanças epigenéticas, estresse oxidativo, disfunções endócrinas e neuroinflamação, aumentando o risco de TEA em indivíduos geneticamente vulneráveis (Ijomone et al., 2020).

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/