A dieta cetogênica (DC) é uma intervenção dietética com alto teor de gordura, baixo teor de carboidratos e proteína moderada. Durante a dieta os ácidos graxos são convertidos em corpos cetônicos (CCs) pelo metabolismo hepático e, em seguida, entram na corrente sanguínea para induzir a cetose nutricional.
Esta dieta foi inicialmente proposta como uma terapia alternativa para o tratamento da epilepsia refratária na década de 1920. A estratégia gera uma cetoadaptação, com gordura e corpos cetônicos sendo usados como fonte de energia, ao invés dos carboidratos. Os corpos cetônicos possuem efeito antiinflamatório, antioxidante, modulador de genes que contribuem para o tratamento de condições tão diversas como obesidade, diabetes, certos tipos de câncer, depressão, transtorno bipolar e Alzheimer.
Dieta cetogênica no tratamento de doenças neurogenerativas
Doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer (DA), doença de Parkinson (DP), esclerose lateral amiotrófica (ALS) e doença de Huntington (HD), são caracterizadas por perda progressiva e crônica da estrutura e funções dos neurônios e seu sistema de suporte.
Uma causa comum a estas doenças é a ativação crônica da resposta imune no sistema nervoso central (SNC), gerando neuroinflamação e estresse oxidativo. As principais características da neuroinflamação são a ativação e proliferação das principais células imunes do SNC, micróglia e astrócitos, que são acompanhadas pela regulação e liberação de mediadores inflamatórios.
Metabolismo energético
Em condições normais, obtemos energia por meio da glicólise, a conversão da glicose em piruvato, liberando energia. No entanto, em condições de privação de nutrientes, como restrição alimentar de carboidratos, jejum, dieta cetogênica e exercício físico prolongado, o metabolismo humano flexível desencadeia a cetogênese e produz corpos cetônicos como um substituto para a glicose (o principal combustível metabólico).
Este processo metabólico ocorre principalmente na matriz mitocondrial hepática bem como nas mitocôndrias do cérebro e rins, embora em menor grau. O aumento dos níveis de glucagon e epinefrina e a diminuição dos níveis de insulina induzem a lipólise (queima de gordura) do tecido adiposo.
Os tecidos liberam ácidos graxos na corrente sanguínea, aumentando as principais atividades enzimáticas nesses processos (lipase sensível a hormônios, enzimas lipase adiposas e lipase de triglicerídeos adiposos). Os ácidos graxos livres (FFAs) são enzimaticamente convertidos em acil-coenzima A (acil-CoA) e posteriormente transportados para as mitocôndrias hepatocelulares através da carnitina palmitoil transferase (CPT).
O aumento do nível de acetil-CoA via β-oxidação na matriz mitocondrial hepática está muito além da capacidade metabólica do ciclo de Krebs, também denominado ciclo do ácido tricarboxílico (TCA), que subsequentemente inicia a cetogênese. Com uma cadeia de reações bioquímicas, o acetil-CoA é quebrado em acetoacetato pela tiolase, 3-hidroximetilglutaril-CoA (HMG-CoA) sintase 2 (HMGCS2) e HMG-CoA liase (HMGCL).
O acetoacetato é reduzido a βHB pela β-hidroxibutirato desidrogenase 1 (BHD1) e, finalmente, tanto βHB quanto acetoacetato são entregues à corrente sanguínea ou órgãos-alvo por meio de transportadores de monocarboxilato (MCTs). Além disso, a acetona é produzida a partir de uma pequena parte do acetoacetato por meio de descarboxilação espontânea e depois metabolizada no fígado. Em condições fisiológicas normais, tanto o βHB quanto o acetoacetato são excretados pelos rins, enquanto a acetona é excretada pelos pulmões.
O fígado produz corpos cetônicos mas não consegue utilizá-los, devido à falta de enzimas críticas para a cetólise no fígado. Assim, βHB e acetoacetato são liberados no sistema circulatório para serem metabolizados pelo cérebro, coração, rins e músculo esquelético.
Metabolismo das cetonas (Gough et al., 2021)
Pessoas que consomem carboidratos produzem menos corpos cetônicos e o nível de βHB é bastante baixo (menos de 0,3 mmol/L), enquanto o nível de glicose permanece em níveis mais altos. Mas, sob um estado de limitação de carboidratos, o fígado humano pode liberar 150-300 g de corpos cetônicos ao dia. A proporção dos níveis de βHB e acetoacetato no plasma é de aproximadamente 5:1. Após um jejum de 3-4 dias, o nível de βHB no plasma sobe para 5-6 mmol/L, o que pode atender ≥ 50% das necessidades de energia do cérebro. Glicose e insulina caem. É o que chamamos de cetose nutricional, condição diferente da cetoacidose diabética em que corpos βHB pode subir para > 25 mmol/L, enquanto a glicose mantém-se muito baixa
Energia Cerebral e Corpos Cetônicos
Adaptação inicial: Em uma dieta restritiva em carboidratos, o cérebro utiliza glicose armazenada para gerar ATP, mas isso dura apenas alguns minutos. A partir daí, ocorre uma transição para o uso de corpos cetônicos como principal fonte de energia.
Produção de energia eficiente: O β-hidroxibutirato (βHB), principal corpo cetônico, é oxidado em acetoacetato, que é convertido em acetil-CoA para alimentar o ciclo do TCA. Este processo gera mais energia que a glicose e não requer ATP.
Benefícios metabólicos:
Melhora na sensibilidade à insulina: A inibição da glicólise reduz a secreção de insulina, retardando doenças relacionadas à idade.
Proteção mitocondrial: Os corpos cetônicos compensam disfunções mitocondriais em células cerebrais, promovendo maior produção de ATP e reduzindo espécies reativas de oxigênio (ROS) e inflamações.
Neuroproteção e Prevenção da Apoptose
Corpos cetônicos ativam vias como a da sirtuína (SIRT)-1, prevenindo a morte celular programada (apoptose).
A indução da cetose pode ser alcançada por jejum, consumo de ácidos graxos de cadeia média, dieta cetogênica ou suplementos de cetonas exógenas, que facilitam a adesão ao tratamento.
Neuroinflamação e Mecanismos Anti-inflamatórios
Tipos de resposta inflamatória:
Aguda: Curto prazo, benéfica, com funções como eliminação de patógenos e reparação tecidual.
Crônica: Prolongada, associada à superativação de microglia e destruição de células cerebrais, contribuindo para doenças neurodegenerativas.
Microglia e Astrócitos na Neuroinflamação
Microglia:
Fenótipo M1 (pró-inflamatório): Libera citocinas inflamatórias como IL-1β e ROS.
Fenótipo M2 (anti-inflamatório): Produz fatores neuroprotetores como IL-10 e TGF-β.
Astrócitos:
Fenótipo A1 (pró-inflamatório): Produz mediadores inflamatórios como TNF-α e IL-6.
Fenótipo A2 (anti-inflamatório): Libera citocinas anti-inflamatórias, promovendo neuroproteção.
Dieta Cetogênica e Doenças Neurodegenerativas
Mecanismos de proteção:
Regulação da inflamação central e periférica.
Redução do acúmulo de proteínas patológicas, como tau e α-sinucleína, comuns em Alzheimer e Parkinson.
Corpos Cetônicos e a Redução da Inflamação
Os corpos cetônicos, além de servirem como fonte de energia, atuam como sinalizadores metabólicos que regulam a neuroinflamação. Entre eles, o β-hidroxibutirato (βHB) desempenha papel central nesse processo. Confira como isso acontece:
Mecanismos de Ação do βHB na Neuroinflamação
Ativação do receptor HCA2 (GPR109A):
O HCA2 é um receptor acoplado à proteína G expresso em células do sistema imune, como micróglia, macrófagos e células dendríticas.
Quando ativado pelo βHB, o HCA2 desencadeia a ativação de macrófagos neuroprotetores dependentes de prostaglandina D2 (PGD2), que alivia a neuroinflamação.
O βHB se liga ao HCA2 em concentrações próximas a 0,7 mmol/L, equivalentes aos níveis alcançados na cetose nutricional.
Inibição de vias pró-inflamatórias:
O βHB reduz a produção de citocinas e enzimas inflamatórias ao inibir a via NF-κB em micróglia ativada.
Ele age como um modulador, reduzindo a resposta inflamatória causada por estímulos como lipopolissacarídeos (LPS).
Regulação do inflamassoma:
A ativação do HCA2 pelo βHB reduz parcialmente o estresse no retículo endoplasmático e a atividade do inflamassoma NLRP3, diminuindo os níveis de citocinas inflamatórias como IL-1β e IL-18.
Benefícios Antiinflamatórios do βHB
Modulação equilibrada: Apesar de sua atuação antiinflamatória, o βHB facilita respostas inflamatórias controladas, auxiliando na resolução de danos sem exagerar nas reações.
Relevância clínica: Esses mecanismos tornam os corpos cetônicos potentes aliados na mitigação de processos inflamatórios relacionados a doenças neurodegenerativas e distúrbios metabólicos.
Dietas Cetogênicas e Saúde Cerebral: Um Panorama Atualizado
O inflamassoma NLRP3, presente no sistema imunológico inato, desempenha um papel central na neuroinflamação. Ele pode ser ativado por alterações nos níveis de potássio intracelular (K+). A beta-hidroxibutirato (βHB), um corpo cetônico gerado em dietas cetogênicas (DC), inibe a ativação do NLRP3, diminuindo a liberação de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β e IL-18) e a formação de complexos proteicos envolvidos na apoptose. Isso contribui para a redução de depósitos de β-amilóide (Aβ), relevantes no Alzheimer.
Melhoria da Sensibilidade à Insulina
A resistência à insulina, comum no envelhecimento e em doenças como Alzheimer e Parkinson, agrava a neurodegeneração ao induzir inflamação, glicação avançada (AGEs) e estresse oxidativo. Dietas cetogênicas:
Melhoram a sensibilidade à insulina.
Reduzem o acúmulo de AGEs.
Previnem a neuroinflamação e a apoptose microglial.
Restrição Calórica e Efeitos Antiinflamatórios
A DC, muitas vezes associada à restrição calórica, contribui para:
Redução de citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6, etc.).
Alterações epigenéticas benéficas, como regulação de microRNAs. Esses mecanismos ajudam a prevenir o declínio cognitivo e os danos neurológicos.
Modulação da Microbiota Intestinal
A dieta cetogênica influencia a microbiota intestinal, que desempenha papel crucial no eixo intestino-cérebro. Ela:
Promove bactérias benéficas (como Lactobacillus e Akkermansia muciniphila).
Reduz micróbios pró-inflamatórios.
Melhora a barreira hematoencefálica e a depuração de Aβ, especialmente em modelos animais.
Efeitos no Envelhecimento Cerebral e Doenças Neurodegenerativas
Alzheimer: A DC reduz placas amiloides e a fosforilação de tau, além de melhorar a função mitocondrial e corrigir o déficit energético cerebral.
Parkinson: Mostra potencial neuroprotetor ao atenuar a neuroinflamação e preservar os níveis de dopamina.
Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA): Estudos em modelos animais sugerem melhoria motora e maior sobrevida.
Huntington: Dietas cetogênicas retardam a progressão dos sintomas motores e cognitivos.
Ensaios clínicos indicam que:
KDs melhoram a memória em indivíduos com comprometimento cognitivo leve (CCL).
A suplementação com triglicerídeos de cadeia média é benéfica em várias doenças, especialmente no Alzheimer.
Apesar disso, algumas formulações específicas, como AC-1204, não mostraram efeitos significativos em todos os casos, especialmente em portadores do gene APOE ε4.
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