Anticorpos antimitocôndria

Os anticorpos antimitocôndria (AMA) são autoanticorpos direcionados contra proteínas localizadas nas mitocôndrias das células. A presença desses anticorpos no sangue é frequentemente associada a doenças autoimunes, sendo especialmente relevante no diagnóstico de algumas condições hepáticas.

Anticorpos antimitocôndria (AMA), direcionados contra a subunidade E2 do complexo piruvato-desidrogenase (PDC-E2), como marcadores diagnósticos da colangite biliar primária (Colapietro, Lleo, & Generali, 2021).

Principais Condições Associadas aos AMA

  1. Cirrose Biliar Primária (CBP):

    • Doença autoimune que causa inflamação e destruição progressiva dos ductos biliares no fígado.

    • AMA está presente em mais de 90% dos casos de CBP, sendo um marcador diagnóstico importante.

  2. Outras condições hepáticas:

    • Hepatite autoimune.

    • Colangite esclerosante primária (em casos raros).

  3. Doenças autoimunes sistêmicas:

    • Lupus eritematoso sistêmico (raro).

    • Esclerose sistêmica.

    • Síndrome de Sjögren.

  4. Doenças não hepáticas (raras):

    • Algumas condições infecciosas ou neoplásicas podem apresentar AMA de forma inespecífica.

Como os AMA São Detectados?

  • Testes laboratoriais:

    • Detecção por imunofluorescência indireta ou por testes mais específicos, como ELISA.

    • A análise avalia a presença e os padrões de reação dos anticorpos.

AMA em células HEp-2 (Colapietro, Lleo, & Generali, 2021)

  • Interpretação dos resultados:

    • A positividade de AMA é altamente sugestiva de CBP quando associada a elevação de enzimas hepáticas, como a fosfatase alcalina (FA) e a gama-GT.

Exame normal de pacientes para AMA

Sintomas Comuns nas Condições Associadas a AMA

Se os AMA estão presentes, é importante verificar a presença de sintomas que podem indicar CBP ou outra doença associada, como:

  1. Na Cirrose Biliar Primária:

    • Fadiga.

    • Prurido (coceira) persistente.

    • Icterícia (em fases avançadas).

    • Xantelasmas (depósitos de colesterol na pele).

    • Desconforto no quadrante superior direito do abdômen.

  2. Sintomas gerais de autoimunidade:

    • Dores articulares.

    • Olhos e boca secos (indício de síndrome de Sjögren).

    • Fenômeno de Raynaud (dedos que mudam de cor em resposta ao frio).

Condutas e Tratamento

  1. Confirmação diagnóstica:

    • A presença de AMA isoladamente não é suficiente para diagnóstico. Outros exames podem ser necessários:

      • Função hepática (ALT, AST, FA, bilirrubinas).

      • Biópsia hepática (em alguns casos).

      • Ultrassom ou elastografia do fígado.

  2. Tratamento para CBP:

    • O medicamento de primeira linha é o ácido ursodesoxicólico (UDCA), que melhora a drenagem biliar e retarda a progressão da doença.

    • Em casos mais avançados, podem ser usados imunossupressores ou medicamentos adicionais, como obeticholato de ácido biliar.

  3. Mudanças no estilo de vida:

    • Dieta saudável: Reduza alimentos gordurosos para proteger o fígado.

    • Evite álcool: Essencial para evitar mais lesões hepáticas.

    • Suplementação vitamínica: Pode ser necessária para corrigir deficiências nutricionais (especialmente vitaminas lipossolúveis como A, D, E e K).

  4. Acompanhamento médico regular:

    • Avaliações periódicas são cruciais para monitorar a progressão e evitar complicações como cirrose ou hipertensão portal.

Quando Procurar Ajuda?

  • Fadiga intensa e inexplicada.

  • Coceira persistente sem causa aparente.

  • Alterações nos exames de função hepática.

  • Amarelamento da pele ou olhos (icterícia).

Se você recebeu um diagnóstico de AMA positivo ou tem sintomas associados, é fundamental buscar acompanhamento com um hepatologista ou reumatologista para uma avaliação detalhada.

Suplementação

A dieta e a suplementação irá variar de acordo com a condição diagnosticada. Portanto, você precisará buscar mais informação com seu médico. De qualquer forma, dois suplementos parecem ser promissores: BHB e UDCA.

O tratamento com beta-hidroxibutirato (BHB), um corpo cetônico produzido naturalmente durante o jejum ou dietas cetogênicas, tem sido explorado por suas possíveis propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.

Mecanismos Teóricos do BHB

  1. Efeitos Anti-inflamatórios:

    • O BHB demonstrou inibir o inflamassoma NLRP3, um componente chave da inflamação, o que pode ajudar em condições autoimunes onde a inflamação é um fator principal (Youm et al., 2015).

    • Em doenças como a Cirrose Biliar Primária (CBP), a positividade para AMA está associada a disfunções mitocondriais e inflamação. A capacidade do BHB de reduzir a inflamação poderia teoricamente modular a atividade imunológica (Chen et al., 2022; Li et al., 2023).

  2. Proteção Mitocondrial:

    • O BHB apoia a saúde mitocondrial ao melhorar a produção de energia e reduzir o estresse oxidativo, o que pode diminuir o ataque do sistema imunológico às mitocôndrias (Maalouf et al., 2007; Vidali et al., 2015).

  3. Imunomodulação:

    • Os corpos cetônicos, incluindo o BHB, têm sido relatados como moduladores das respostas imunológicas, podendo reduzir ataques autoimunes. Contudo, as evidências para esse efeito ainda são limitadas (Qi et al., 2022; Neudorf et al., 2024).

Ácido ursodesoxicólico (UDCA)

Embora o BHB mostre potencial para melhorar a função mitocondrial e reduzir a inflamação, o ácido ursodesoxicólico (UDCA) e, em alguns casos, o ácido obeticólico são ainda os compostos mais estudados para reduzir os níveis de AMA. Por exemplo, UDCA é o tratamento de primeira linha para a cirrose biliar primária (CBP), uma condição frequentemente associada à presença de anticorpos antimitocôndria (AMA).

O UDCA tem múltiplos mecanismos de ação que beneficiam pacientes com CBP:

  1. Proteção das células hepáticas:

    • Reduz o acúmulo de ácidos biliares tóxicos, que causam inflamação e lesão nos ductos biliares.

  2. Melhoria do fluxo biliar:

    • Promove a drenagem da bile, reduzindo o dano hepático.

  3. Efeito anti-inflamatório:

    • Diminui a inflamação nos ductos biliares e no tecido hepático.

  4. Prevenção de progressão para cirrose:

    • Retarda o desenvolvimento de complicações mais graves, como fibrose e insuficiência hepática.

O ácido tauroursodesoxicólico (TUDCA), um derivado do ácido ursodesoxicólico (UDCA), também é utilizado em algumas condições hepáticas e tem propriedades semelhantes ao UDCA, com destaque para seus efeitos antioxidantes e protetores celulares. No entanto, nem UDCA, nem TUDCA reduzem diretamente os níveis de anticorpos antimitocôndria (AMA), apesar do efeito indireto geral na melhoria da saúde hepática.

O Papel do TUDCA no Fígado

O TUDCA compartilha mecanismos de ação com o UDCA, mas com alguns benefícios adicionais:

  1. Proteção contra estresse oxidativo:

    • Atua como antioxidante, protegendo as mitocôndrias e as células hepáticas de danos causados por espécies reativas de oxigênio.

  2. Ação antiapoptótica:

    • Inibe a apoptose (morte celular programada), contribuindo para a preservação dos tecidos.

  3. Efeitos anti-inflamatórios:

    • Ajuda a reduzir a inflamação hepática e o estresse nos ductos biliares.

  4. Melhora do fluxo biliar:

    • Assim como o UDCA, promove a drenagem biliar, reduzindo a toxicidade dos ácidos biliares acumulados.

A prescrição de UDCA, TUDCA e ácido obeticólico depende da condição clínica a ser tratada, da resposta do paciente e da aprovação regulatória em cada país. Abaixo, explico as diferenças entre eles em termos de uso, classificação (medicamento ou suplemento) e mecanismos:

1. Ácido Ursodesoxicólico (UDCA)

  • O que é: Medicamento.

  • Indicação:

    • Principalmente usado para tratar Cirrose Biliar Primária (CBP).

    • Outras condições colestáticas, como colangite esclerosante primária (CEP) e hepatopatias induzidas por medicamentos.

  • Mecanismo de Ação:

    • Melhora o fluxo da bile.

    • Reduz a toxicidade dos ácidos biliares acumulados.

    • Protege os hepatócitos contra lesões.

  • Status Regulatório:

    • Considerado um medicamento de primeira linha para doenças hepáticas colestáticas.

  • Prescrição:

    • É prescrito em doses que variam de acordo com o peso corporal, geralmente 13-15 mg/kg por dia.

  • Venda:

    • Apenas com receita médica em muitos países.

2. Ácido Tauroursodesoxicólico (TUDCA)

  • O que é: Suplemento (em alguns países) ou medicamento (em outros).

  • Indicação:

    • Doenças hepáticas, especialmente em pacientes com esteatose hepática não alcoólica (NASH) ou esteato-hepatite.

    • Potencial adjuvante para doenças colestáticas e proteção mitocondrial.

    • Em estudos para doenças neurodegenerativas, como esclerose lateral amiotrófica (ELA).

  • Mecanismo de Ação:

    • Derivado do UDCA, com propriedades adicionais:

      • Protege contra apoptose (morte celular).

      • Ação antioxidante e proteção mitocondrial.

    • Também melhora o fluxo biliar, mas é considerado mais potente que o UDCA em efeitos celulares.

  • Status Regulatório:

    • Vendido como suplemento em muitos países (por exemplo, EUA), mas considerado medicamento em outros.

  • Prescrição:

    • Pode ser prescrito em casos de resposta insuficiente ao UDCA ou em contextos experimentais.

3. Ácido Obeticólico (OCA)

  • O que é: Medicamento (de segunda linha para CBP).

  • Indicação:

    • Usado em pacientes com CBP que não respondem adequadamente ao UDCA.

    • Também em estudos e algumas aprovações para NASH.

  • Mecanismo de Ação:

    • Agonista do receptor farnesoide X (FXR), que regula a produção de ácidos biliares e reduz sua toxicidade.

    • Diminui a inflamação e o dano hepático.

  • Status Regulatório:

    • Medicamento aprovado pela FDA (EUA) e outras agências reguladoras para uso em CBP (em segunda linha).

  • Prescrição:

    • Dose inicial de 5 mg, podendo ser ajustada para 10 mg em casos de tolerância adequada.

    • Necessita de acompanhamento médico rigoroso devido ao risco de efeitos colaterais, como prurido severo ou descompensação hepática em cirrose avançada.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/