A metabolômica é um campo das ciências biológicas em rápida evolução. Utiliza técnicas avançadas de química analítica em conjunto com métodos estatísticos sofisticados para caracterizar de forma abrangente o metaboloma.
O metaboloma
Conjunto completo de metabólitos, ou pequenas moléculas químicas, encontradas em uma determinada organela, célula, órgão, biofluido ou organismo.
Em geral, caracteriza-se um metabólito como qualquer molécula pequena (com massa molecular < 1.500 Da) que pode ser detectada em qualquer lugar, em qualquer organismo.
Os metabólitos podem ser compostos endógenos, como lipídios, aminoácidos, peptídeos curtos, ácidos nucleicos, açúcares, álcoois ou ácidos orgânicos, que são rotineiramente produzidos por catabolismo ou anabolismo endógeno.
Essas moléculas são chamadas de metabólitos “primários”. Sua síntese é codificada pelo genoma do hospedeiro e são essenciais para o crescimento, o desenvolvimento e muitas funções fisiológicas importantes. Essencialmente, os mesmos metabólitos primários são encontrados em quase todos os vertebrados, de peixes a humanos. De fato, as únicas diferenças parecem residir em suas concentrações específicas em diferentes células, biofluidos ou tecidos.
Humanos não conseguem sintetizar tudo o que precisam. Assim, a dieta é fundamental, assim como uma microbiota saudável. A microbiota pode sintetizar nutrientes (como biotina e vitamina K), que também podem ser analisados.
Metabólitos críticos da dieta, como os aminoácidos essenciais (fenilalanina, histidina, isoleucina, lisina, leucina, metionina, treonina, valina e triptofano) e as vitaminas (vitamina A, oito vitaminas do complexo B, bem como as vitaminas C, D, E e K) também podem ser estudadas em exames metabolômicos.
Deficiências nutricionais de metabólitos essenciais podem levar a uma variedade de doenças, incluindo kwashiorkor (falta de proteínas ou aminoácidos essenciais), escorbuto (falta de vitamina C), pelagra (falta de vitamina B3) ou raquitismo (falta de vitamina D).
Os metabólitos também podem incluir compostos xenobióticos (estranhos) mais exóticos provenientes da dieta ou do ambiente, como fitoquímicos de plantas/alimentos (polifenóis, fitoestrógenos, alcaloides), aditivos alimentares, medicamentos de venda livre ou com receita, subprodutos microbianos, produtos químicos cosméticos, contaminantes químicos, poluentes, herbicidas e pesticidas, juntamente com seus muitos e variados produtos de decomposição.
Essas moléculas xenobióticas, que não são essenciais (e às vezes até prejudiciais) para o crescimento e desenvolvimento, são frequentemente chamadas de metabólitos secundários (nas plantas), metabólitos exógenos (nos animais vertebrados), poluentes orgânicos persistentes (para químicos ambientais) ou são agrupados em uma entidade chamada "expossoma".
O metaboloma exógeno (ou expossoma) é altamente variável, pois depende muito dos padrões alimentares, das exposições ambientais e até mesmo da microflora intestinal do organismo em questão.
Embora haja um notável grau de conservação entre os metabólitos endógenos entre populações ou espécies, é importante lembrar que o metaboloma de um indivíduo não é invariável. De fato, o metaboloma de cada indivíduo é extremamente sensível a muitas variáveis internas e externas, incluindo idade, gênero, dieta, localização geográfica, ambiente, hora do dia e até mesmo a própria genética.
Há estreita conexão entre metabólitos e genética. Isso ocorre porque uma única alteração na base do DNA de um determinado gene pode levar a uma alteração de 10.000 vezes nos níveis de metabólitos endógenos. Os metabólitos são os produtos a jusante de múltiplos agentes intracelulares, incluindo genes, ativadores transcricionais, transcritos de RNA, transportadores de proteínas e enzimas.
Genes, proteínas e metabólitos estão intimamente conectados. Genes codificam proteínas, que são usadas pelas células em processos metabólicos. Estes processos geram novos metabólitos, que podem ser analisados em exames metabolômicos (Wishart, 2019)
A maioria dos órgãos do corpo humano são "motores" metabólicos altamente especializados. Cada órgão evoluiu para produzir ou consumir metabólitos muito diferentes em níveis muito diferentes devido a uma variedade de sinais internos e externos. Por exemplo, o fígado produz exclusivamente ácidos biliares e ureia, a glândula tireoide produz exclusivamente tiroxina, a glândula adrenal produz exclusivamente cortisol e epinefrina, enquanto o coração e o cérebro consomem glicose em níveis que excedem em muito qualquer outro órgão ou tecido.
A glicose é consumida por todos os tecidos, mais o cérebro consome cerca de 10 vezes mais, por quilo de peso do qualquer outro órgão ou tecido no corpo (Wishart, 2019)
O fato de os metabólitos serem tão sensíveis a estímulos externos (ou seja, ambientais) e à sinalização interna (ou seja, fisiológica e intracelular) significa que o metaboloma é uma sonda particularmente útil do fenótipo de um indivíduo. Essa leitura metabólica do fenótipo é formalmente chamada de "metabotipo" (o perfil metabólico global de um indivíduo). O metabotipo é fundamentalmente diferente do genótipo. Enquanto o genótipo (ou genoma) indica o que pode acontecer, o metabotipo (ou metaboloma) indica o que está acontecendo.
De fato, é devido a essa capacidade de "ler" quimicamente o que está acontecendo que a metabolômica está sendo cada vez mais utilizada em pesquisas biomédicas, testes de medicamentos, análises nutricionais e de alimentos, estudos de saúde e muitos tipos de estudos fisiológicos exploratórios.
A análise metabolômica também é uma ferramenta poderosa para identificar doenças metabólicas raras, como a acidúria 4-hidroxibutírica (também chamada de acidúria GHB).
Acidúria 4-hidroxibutírica (aciduria GHB)
O que é? Doença congênita do metabolismo dos neurotransmissores, causada pela deficiência da enzima succinato semialdeído desidrogenase (SSADH).
Qual o problema metabólico? Essa deficiência prejudica o catabolismo do ácido gama-aminobutírico (GABA), levando ao acúmulo de seu metabólito tóxico, o ácido gama-hidroxibutírico (GHB), no organismo.
Por que é um problema? O GHB acumulado é neurotóxico, podendo causar sintomas neurológicos graves.
A identificação precoce da doença, com o exame correto, possibilita o tratamento e redução de sintomas como convulsões, distúrbios do movimento, problemas cognitivos e comportamentais. Em geral, são usados medicamentos anticonvulsivantes e outros como Vigabatrina, Ácido valpróico (modulador do sistema GABAérgico), terapias enzimáticas, além de suporte multidsciplinar como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia para melhorar funções motoras, cognitivas e de comunicação.
Não existe um protocolo dietético estabelecido para esta doença, mas algumas abordagens nutricionais têm sido exploradas para tentar modular o metabolismo do GABA/GHB e aliviar sintomas.
Alguns estudos sugerem que reduzir proteínas na dieta poderia diminuir a disponibilidade de glutamato e, consequentemente, a produção excessiva de GHB.
Em alguns relatos, a dieta cetogênica ajudou a melhorar sintomas neurológicos em pacientes com acidúria 4-hidroxibutírica, provavelmente porque modula o metabolismo cerebral e a atividade do GABA. A dieta cetogênica também ajuda a controlar episódios convulsivos. A evitação de estimulantes (cafeína, álcool) pode ajudar a reduzir crises e sintomas neurológicos.
Alguns pacientes podem se beneficiar de suplementos que influenciem o metabolismo energético ou reduzam o estresse oxidativo, como:
Vitaminas do complexo B
Antioxidantes (ex.: vitamina E, C)
O monitoramento constante dos níveis nutricionais e metabólicos é essencial para evitar deficiências e complicações. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição online.