Ritalina é o nome comercial do medicamento cujo princípio ativo é o cloridrato de metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central. É utilizada no tratamento de condições como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno hipercinético e narcolepsia. Com o uso do medicamento, a atenção, o foco e a concentração são favorecidos. A sonolência diurna (típica da narcolepsia) pode diminuir consideravelmente.
Por atingir tais efeitos, o medicamento parece aumentar os níveis de neurotransmissores como dopamina e noradrenalina. Hoje em dia, com tanto acesso às redes sociais, uma grande quantidade de pessoas sentem-se hiperativas, sem paciência ou desfocadas. Por potencializar a concentração, reduzir perda de foco e inquietação física e mental, o medicamento passou a ser utilizado também, de modo equivocado, por pessoas que não apresentam os transtornos mencionados, mas que desejam aumentar a performance cognitiva na escola ou trabalho. Só que sem mudanças nos comportamentos diários a cognição não melhora. Há que haver um esforço, uma vez que todo medicamento pode gerar efeitos adversos.
Efeitos adversos do uso da ritalina
Nenhum medicamento é livre de efeitos colaterais e o uso regular da ritalina está relacionado com aumento da inflamação (inclusive neuroinflamação), resistência à insulina (e aumento do risco de diabetes), dores de cabeça, ataques de pânico, insônia, queda dos cabelos, espasmos musculares, discinesia tardia (movimentos corporais involuntários e repetitivos às vezes confundidos com tiques), alucinações, convulsões, reações alérgicas, elevação na pressão arterial, tonturas, dores nas articulações, problemas gastrointestinais ou visão turva. Por isso, é uma medicação controlada, que deve ser prescrita e acompanhada por médico.
É bom lembrar que os estudos científicos avaliam o efeito do remédio em curtos períodos (por exemplo, 3 meses), mas não sabemos o que acontece a longo prazo, pela falta de estudos bem conduzidos. Uma preocupação é que a dependência psicológica do medicamento pode acontecer, além do mascaramento das causas do TDAH. O medicamento não trata as causas do TDAH, é como empurrar o problema para baixo do tapete.
Assim, muitas pessoas e famílias podem desejar o desmame das medicações. Isto deve ser discutido com a equipe multiprofissional (neurologista, psiquiatra, psicólogo, nutricionista, educador físico). Pesquisas demonstram existirem várias possibilidades de tratamento que devem ser seguidas para melhoria da cognição, tanto por quem opta, quanto por quem não opta pela medicação, incluindo:
Suplementação adequadas que proporcionem redução da neuroinflamação (ômega-3, picnogenol) e boa produção de neurotransmissores (L-Dopa, L-Tirosina, L-triptofano, 5-HTP, griffonia simplicifolia) (Grung et al., 2017; Kaiser et al., 2017)
Biofeedback e hipnoterapia (Enriquez-Geppert et al., 2019)
Psicoterapia cognitivo-comportamental (Janssen et al., 2017)
Técnicas de atenção plena, yoga, meditação (Chimiklis et al., 2018; Cohen et al., 2019; Mehta et al., 2011; Naseh, 2019)
Atividade física regular (Den Heijer et al., 2016)
Não fique sem tratamento, não coloque nem tire medicação por conta própria. Converse sempre com seu neurologista. Além disso, nossa equipe de nutricionista e psicóloga podem lhe ajudar com muitas estratégias para que consiga navegar melhor pela vida. Agende sua consulta.
Ainda não havia para mim ritalina - Gregório Duvivier
A primeira vez que tomei Ritalina eu entendi como é que as pessoas veem o mundo. Entendi que nem todo mundo vai buscar um copo d´água na cozinha e esquece o que foi fazer lá. Entendi que nem todo mundo tem dificuldade de se comunicar por telefone porque tudo o que os olhos veem chama a atenção e fica difícil prestar atenção só no ouvido quando um monte de coisa está acontecendo em frente aos olhos e a ligação termina sem que se tenha a menor ideia do que foi dito. Entendi que as pessoas normais olham pra tela de um computador e tudo o que elas veem é a tela de um computador, e não um portal pra procurar qualquer coisa no Google de dez em dez segundos. Aliás, quem inventou o segundo? Caramba, os sumérios usavam o sistema duodecimal porque contavam cada falange do dedo, excluindo o dedão. E eis que acabo de perder duas horas no fantástico mundo dos sumérios, que inventaram a escrita, as cidades e a cerveja. Benditos sejam os sumérios. Onde é que eu estava?
Confesso que nunca consegui estudar. Ao mesmo tempo sempre gostei de ler. No entanto, só consigo ler aquilo que não deveria estar lendo, como os sumérios, a pronúncia correta de Roraima (ambas são corretas, mas em Roraima se fala Roráima) e qual o analgésico que tem menos efeitos colaterais (dipirona - injustamente proibida fora do Brasil por motivos obscuros que cheiram a boicote da indústria farmacêutica, pronto: mais duas horas perdidas no vale da dipirona). Em toda a minha vida, acho que nunca estudei uma matéria da escola, nem sei ao certo como faz. Nunca consegui abrir um caderno e reler minhas anotações, e um dos motivos pra isso é que nunca fiz anotações, e nem sequer me lembro de ter tido um caderno. Passava as aulas muito ocupado: quando não estava tentando impedir o professor de dar aula, estava olhando pela janela, pensando em outra coisa.
A primeira vez que tomei Ritalina entendi o pessoal que sentava na primeira fila e grudava os olhos no quadro-negro, e assim permanecia até tocar o sino. Esse pessoal excêntrico que não ouvia o cachorro latir na casa ao lado da escola que o lembraria de um cachorro que morreu afogado uns anos antes, logo não sentia uma súbita vontade de chorar sabe-se lá por quê, e não precisaria começar a batucar pra pensar em outra coisa, esse pessoal que não era expulso de sala por estar batucando.
A última vez que tomei Ritalina foi quando percebi que já não consegui mais pensar em nada que eu não quisesse pensar. Foi quando percebi que minha cabeça tinha sido domesticada, e percebi que domar a cabeça é gostoso, mas não domar a cabeça é melhor.
Quando deixei de tomar Ritalina, voltei a pensar nos sumérios, e nos fenícios, no Fluminense, em tudo o que não importa e faz a vida valer a pena. Resumindo: em tudo o que é assunto de crônica. A Ritalina é a morte do cronista, esse diletante profissional.
Do livro Crônicas para ler em qualquer lugar. Ed. Todavia, 2019.