Eventos estressantes na infância podem prejudicar a saúde no resto da vida. Escrevi sobre este tema anteriormente (leia aqui). Infelizmente, coisas ruins podem acontecer às crianças. A criança pode ser vítima de abuso físico, emocional ou sexual (em casa, na escola, na rua), pode presenciar um assalto, um ataque, pode viver em condições de pobreza, conviver com adultos com doenças mentais, passar por situações de descaso ou abandono. Alguns problemas são piores do que os outros mas todos podem ser traumatizantes.
Após o risco a criança pode passar por um ajuste emocional ou não. Isto depende de características intrínsecas, pessoais (inteligência, otimismo, habilidades sociais e de enfrentamento) e também do apoio que encontra. Quando ajusta-se, quando é resiliente, supera o evento e segue em frente de forma saudável. O trauma é o fracasso em recuperar-se de uma experiência ruim. Gera respostas físicas e emocionais. Dentre as físicas estão: aceleração dos batimentos cardíacos, dores de estômago, dores de cabeça, tensão muscular, perturbações no sono, transtornos alimentares ou sexuais. Entre os sintomas do trauma no campo das emoções podemos citar: ansiedade, raiva, tristeza, culpa, evitação, frustração.
O trauma não tratado impacta negativamente o neurodesenvolvimento infantil. Depois, aumenta o risco de várias doenças como infarto cardíaco, asma, depressão, derrame cerebral e diabetes. Também aumenta o risco de comportamentos de risco, acidentes, deficiências, evasão escolar, desemprego, crimes, suicídio, relações abusivas, encarceramento na vida adulta.
Quando a criança encontra um sistema de apoio eficaz, há uma boa chance de recuperação. O ambiente de cuidado inclui a família, os colegas, a escola, a igreja, os vizinhos, a comunidade, as políticas públicas. Quanto mais apoio houver, melhor o resultado. No caso da criança, uma relação de apoio com um adulto carinhoso é fundamental. Pode ser a mãe, o pai, a avó, o avô, o professor, o tio, a tia… A comunidade toda é responsável pela educação de uma criança. Quando você atravessa a rua com o sinal fechado para pedestre, pode não estar arriscando-se. Mas sabe aquela criancinha que ainda não sabe olhar para os lados? Quando ela viu o adulto atravessando acha que pode atravessar também. Ou seja, mesmo sem filhos, você tem um papel em relação às crianças da sua comunidade.
Não importa se uma criança é da sua família ou não. Quando você ouve, não faz bullying, quando você é gentil com uma criança, você faz uma enorme diferença no mundo. Se você é professor isso é ainda mais importante.
Uma vez no dia das mães uma família voltando para o bairro onde eu morava foi atingida por um carro em alta velocidade. A mãe morreu. O pai e o bebê sobreviveram. Mas o pai ficou tão traumatizado que não conseguiu estar disponível para o bebê. O que acontece neste caso? A comunidade é fundamental! Tanto para recuperação do adulto quanto para a criança. O pai precisa dos serviços de saúde mental, dos amigos, da família. Precisa cuidar-se (comer alimentos saudáveis, praticar exercício físico, dormir bem). E a criança também, mas como é pequena, precisa de todo mundo! Por que? Porque não queremos que ela seja uma vítima no futuro. Queremos que ela sinta-se amada, capaz, pertencente, merecedora.
E não fique com raiva do pai. Não somos perfeitos. Somos humanos e cada pessoa vive seus pesadelos da melhor forma que consegue. O apoio é fundamental, concordando ou não com as condutas de quem sofre. de fato, estudos mostram que abordagens holísticas são muito interessantes nestes casos. Por exemplo, David Spiegel, um psiquiatra da Universidade de Stanford, viu que mulheres com câncer que, além do tratamento convencional, também participavam de um grupo de apoio, sentiam-se menos deprimidas e com menos dor. Também recuperaram-se mais rapidamente. O mesmo funciona para o luto, para traumas, para enxaqueca, síndrome do intestino irritável, chegada da menopausa ou a morte de um dos pais.
Na psicoterapia podem ser trabalhadas questões como perspectiva de futuro, reconhecimento de possibilidades, aceitação de mudanças, antecipação de desafios. Profissionais de saúde devem reconhecer situações traumáticas (presentes ou passadas), entender o impacto do trauma na saúde e nos comportamentos, criar ambientes seguros, fornecer apoio, expressar empatia.
Práticas complementares como yoga ensinam a manter a calma, a controlar a raiva, a superar medos. a voltar a sorrir. A prática também aumenta a autoestima, autoconfiança e autoconceito. Busque ajuda! Ofereça ajuda!
Voltando às crianças precisarão aprender com os adultos a solucionar problemas, descrever emoções, colocar estratégias de enfrentamento em prática (por exemplo, respirar profundamente em situações de estresse), aceitar erros, corrigir percursos, ser otimistas. E acima de tudo, precisarão encontrar espaço para continuar sendo crianças: correndo, pulando, fazendo traquinagens e gargalhando.
Depois que o tsunami atingiu o Sudeste Asiático em 2004, veio uma onda de devastação psíquica. A depressão e o estresse pós-traumático que assolaram muitos moradores de aldeias costeiras da Índia à Indonésia forneceram um laboratório vivo para testar as curas mais poderosas disponíveis. O que acabou fornecendo a melhor ajuda para alguns dos refugiados mais aflitos? Yoga.
Como professora de psiquiatria do New York Medical College, que estuda os efeitos do yoga no estresse pós-traumático, Patricia Gerbarg aproveitou a oportunidade para testar se poderia ajudar os sobreviventes do tsunami na Índia. Para um grupo de 60 vítimas, ela deu um curso de pránáyámas (respiração do yoga) por quatro dias. Outro grupo de 60 sobreviventes passou por aulas de yoga, juntamente com aconselhamento psicológico. Um terceiro grupo serviu como controle.
Todos os usuários de yoga experimentaram uma enorme queda nas pontuações para transtorno de estresse pós-traumático e depressão após apenas quatro dias. E o efeito foi tão persistente que Gerbarg e sua equipe introduziram posteriormente o yoga para os participantes do grupo controle também. Já o aconselhamento não ofereceu benefícios adicionais sobre o treinamento de yoga sozinho.
Embora algumas formas de yoga tenham demonstrado reduzir a hipertensão, os níveis de colesterol e outros sinais de estresse fisiológico, os efeitos da antiga prática sobre o estresse psicológico têm sido menos estudados. Mas uma série de pesquisas publicadas em revistas especializadas nos Estados Unidos, na Europa e na Índia mostram a capacidade do yoga para reduzir perturbações no humor o estresse e a ansiedade após traumas.
Você (e as crianças à sua volta) não precisa esperar um desastre natural ou um diagnóstico de câncer para se beneficiar da prática. O Yoga utiliza-se de um conjunto de técnicas que trabalham mente e corpo. Respirações lentas atuam por meio do nervo vago, acalmando o sistema nervoso autônomo. É por isso que por meio da respiração podemos mudar nossos padrões emocionais e respostas aos eventos do dia-a-dia. Pode não salvar o mundo, mas confere alívio e espaço para sonhar com dias melhores.