Prisão de ventre e risco de depressão

Um intestino que funciona bem é fundamental para o bem-estar físico e mental, para a prevenção do câncer de cólon e também da depressão. Um estudo envolvendo 3.362 adultos com idades entre 18 e 55 anos constatou que indivíduos com depressão apresentavam um risco significativamente maior de constipação. A associação foi mais forte em homens em comparação com mulheres [1].

Outro estudo utilizando dados da Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição (NHANES) de 2005 a 2010 constatou que a constipação estava significativamente associada à depressão grave [2].

A análise de 4.562 adultos da NHANES de 2009 a 2010 mostrou ainda que a constipação estava associada à depressão de qualquer gravidade (leve, moderada e grave). A associação foi mais forte em homens do que em mulheres [3].

Um estudo de randomização mendeliana bidirecional confirmou uma relação causal entre depressão e constipação crônica. Não foram encontradas evidências de causalidade reversa [4]. Outro estudo utilizando randomização mendeliana constatou que a depressão geneticamente prevista estava associada a um risco aumentado de constipação[5].

Impacto na Qualidade de Vida

A gravidade da depressão intermediou a relação entre a gravidade da constipação e a qualidade de vida relacionada à saúde mental em pacientes constipados. O tratamento da depressão pode melhorar a qualidade de vida desses pacientes [6].

Os estudos demonstram consistentemente uma associação significativa entre constipação e depressão, com a depressão aumentando o risco de constipação. Essa relação é particularmente pronunciada em homens e em diferentes graus de depressão. Recomenda-se o rastreamento regular de depressão em pacientes com constipação para prevenir a deterioração de sua condição.

Referências

1) P Adibi et al. Relationship between Depression and Constipation: Results from a Large Cross-sectional Study in Adults. The Korean journal of gastroenterology = Taehan Sohwagi Hakhoe chi (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36004635/

2) P Wang et al. Association between constipation and major depression in adult Americans: evidence from NHANES 2005-2010. Frontiers in psychiatry (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37654986/

3) Y Wang et al. Constipation is associated with depression of any severity, but not with suicidal ideation: insights from a large cross-sectional study. International journal of colorectal disease (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37713119/

4) Z He et al. Can depression lead to chronic constipation, or does chronic constipation worsen depression? NHANES 2005-2010 and bidirectional mendelian randomization analyses. BMC gastroenterology (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39390366/

5) T Liu et al. Causal relationships between psychological disorders and functional gastrointestinal disorders: a bidirectional two-sample Mendelian randomization study. European journal of gastroenterology & hepatology (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38973539/

6) JJ Albiani et al. Impact of depression and anxiety on the quality of life of constipated patients. Journal of clinical psychology in medical settings (2012). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22581107/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Microbiota e influência no peso corporal

A microbiota intestinal contribui para a regulação da homeostase energética e tem sido associada tanto ao excesso de peso corporal e acúmulo de massa gorda (sobrepeso, obesidade) quanto à perda de peso, fraqueza, atrofia muscular e depleção de gordura (ou seja, caquexia).

A figura abaixo traz as principais áreas cerebrais envolvidas na alimentação homeostática (núcleo arqueado, núcleo paraventricular e hipotálamo lateral) e hedônica (área tegmental ventral, núcleo accumbens, estriado e córtex pré-frontal).

ARC (núcleo arqueado), PVN (núcleo paraventricular), LH (hipotálamo lateral), VTA (área tegmental ventral), NA (núcleo accumbens), estriado e PFC (córtex pré-frontal) - Hul et al., 2024

Efeito dos microorganismos e metabólitos intestinais no contexto da obesidade e comorbidades relacionadas

As bactérias intestinais podem se transformar, decompor e produzir compostos, resultando em uma infinidade de metabólitos microbianos, como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), ácidos biliares (AB), lipídios bioativos, aminoácidos (AA), indóis e vitaminas. Acredita-se que o microbioma humano produza ou processe mais de 55.000 compostos diferentes, muitos dos quais podem modular a fisiologia e a fisiopatologia do hospedeiro de alguma forma. Para tanto, as bactérias usam substâncias prebióticas, incluindo polissacarídeos não-amiláceos, amido resistente, oligossacarídeos resistentes (XOS, GOS, FOS, POS, dextrinas resistentes) e polifenóis.

Fibras prebióticas alteram a composição e/ou a atividade da microbiota intestinal, com produção de AGCC e outros metabólitos que são usados no cólon ou no fígado, afetando suas funções. Metabólitos podem se ligar e ativar receptores acoplados à proteína G, levando à produção de hormônios intestinais, regulando beneficamente a homeostase energética e a função da barreira intestinal.

Funções e efeitos das enterosinas (moléculas derivadas no intestino) e que conseguem modular neurônios entéricos, diminuindo a motilidade duodenal para (i) reduzir a absorção de glicose e (ii) restaurar o eixo intestino-cérebro-periferia e a sensibilidade à insulina durante o dia (Hul et al., 2024)

Nutrição de nova geração: integrando o microbioma nas recomendações alimentares

O microbioma — o conjunto de micro‑organismos que habitam o intestino — funciona como um mediador importante da forma como a alimentação afeta o organismo: metabolismo, imunidade, integridade intestinal, entre outros.

A dieta fornece substratos (por exemplo fibras alimentares, polifenóis, outros micronutrientes) que são metabolizados pelo microbioma, produzindo metabólitos (como ácidos gordos de cadeia curta) que têm efeitos fisiológicos no hospedeiro.

O microbioma, por sua vez, modula digestão, absorção, imunidade, homeostase metabólica e barreira intestinal — o que significa que a “qualidade” da microbiota pode influenciar como o indivíduo responde à alimentação. Assim, as recomendações dietéticas devem levar em consideração a ciência do microbioma.

O que comemos, como comemos, com quem comemos, tudo importa. Além de vegetais ricos em fibras e polifenóis, devemos levar em conta o contexto individual (histórico alimentar, genética, estilo de vida) e o microbioma próprio que tornam cada pessoa um “ecosistema” distinto.

O microbioma e a dieta não são respostas mágicas a tudo, mas sem eles funcionando bem, a saúde é sim afetada. Lembrar que existem outros fatores (genética, ambiente, estilo de vida) que devem ser levados em consideração.

Modulação intestinal (curso online): https://bit.ly/disbiose-at

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Elevação de BCAA e risco de diabetes

Aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) circulam no plasma como aminoácidos livres e são reabsorvidos por praticamente todos os tecidos através de transportadores específicos. Os BCAAs são aminoácidos essenciais (leucina, valina e isoleucina) abundantes n os tecidos corporais.

Em nível celular, os BCAAs servem como (i) blocos de construção diretos ou doadores de nitrogênio para a proteossíntese; (ii) substrato energético/anaplerótico, sendo degradados eventualmente até os produtos glicogênicos (propionil-CoA e succinil-CoA) e cetogênicos (acetil-CoA e acetoacetato) finais e oxidados; ou (iii) sinais nutricionais via ativação de mTOR.

Os BCAAs compartilham as duas primeiras etapas enzimáticas catabólicas. A primeira é a transaminação catalisada pela aminotransferase de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAT), onde ocorre a desaminação e o resíduo de aminoácido é transferido para o α-cetoglutarato para eventualmente formar glutamato/glutamina. O produto da reação é um análogo cetônico dos respectivos BCAAs, ou seja, ácido graxo de cadeia ramificada, α-ceto-isocaproato, α-ceto-β-metilvalerato ou ceto-isovalerato, que podem ser avaliados em exames metabolômicos.

Avaliação metabolômica urinária de BCAA (Branched-chain aminoacids) e seus metabólitos - resultados normais

Uma etapa adicional em direção à oxidação final é uma descarboxilação oxidativa catalisada por um complexo de α-ceto-desidrogenase de cadeia ramificada (BCKDH). A descarboxilação oxidativa é uma reação irreversível, altamente regulada e acoplada à redução de NADH. Os produtos da descarboxilação são isovaleril-CoA, isobutiril-CoA e α-metil-butiril-CoA.

Esses substratos, consequentemente, sofrem uma série de reações mitocondriais de desidrogenase para, eventualmente, formar os produtos finais de degradação acetoacetato, acetil-CoA e propionil-CoA. É importante ressaltar que, em cada etapa catabólica a jusante do BCKDH, os intermediários de oxidação podem ser usados ​​para anaplerose (reabastecimento do ciclo de Krebs), síntese de ácidos graxos ou colesterol.

Os BCAAs, principalmente a leucina, sinalizam para o complexo mTOR (alvo mecanístico/mamífero da rapamicina). Trata-se de uma serina-treonina quinase sensora de nutrientes conservada evolutivamente, com dois complexos principais: mTORC1, responsável pela transição do anabolismo para o catabolismo celular por meio do controle do estado metabólico; e mTORC2, cujos alvos a jusante controlam a sobrevivência celular, a proliferação e a dinâmica do citoesqueleto. O complexo é um sistema integrador onde convergem muitos sinais metabólicos, tanto nutricionais quanto hormonais.

Os principais alvos de fosforilação do mTORC são a serina quinase p70S6 1 (S6K1) e a 4EBP1 (proteína de ligação 1 para o fator de iniciação eucariótico 4E) [15], que atuam como reguladores da atividade transcricional, levando a muitos processos anabólicos, incluindo síntese proteica, inibição da autofagia e crescimento celular. É importante notar que a S6K1 fosforilada inativa o substrato do receptor de insulina (IRS) e regula negativamente a atividade da cascata de insulina, diminuindo a captação de substrato dependente de insulina no momento da abundância de BCAA.

BCAAs Circulantes Associados à Resistência à Insulina

A associação entre níveis elevados de BCAAs circulantes e resistência à insulina foi descrita há mais de cinquenta anos. Os níveis periféricos de BCAA predizem o risco de diabetes incidente até doze anos antes de sua manifestação e intervenção no estilo de vida [1] [2] [3] [4]. Essa associação foi observada em diversas populações humanas, incluindo indivíduos dinamarqueses e pacientes com pré-diabetes, diabetes recém-diagnosticado e DM2 pós-medicação [1] [5].

Elevação de BCAA e seus metabólitos prejudicam o metabolismo da glicose em vários tecidos (Li et al., 2023)

No músculo, BCAA e seus metabólitos suprimem a cascata de sinalização insulínica, a captação de glicose e a síntese de glicogênio muscular, gerando acúmulo de lipídios no tecido. Por outro lado, a queda de um metabólito denominado BAIBA reduz a termogênese e exacerba a esteatose hepática e a resistência insulínica [6].

A microbiota intestinal também desempenha um papel significativo no metabolismo dos BCAA e sua relação com a resistência à insulina [1] [3]. Em indivíduos resistentes à insulina, o microbioma intestinal apresenta um potencial biossintético enriquecido para BCAA e uma carência de genes para transportadores bacterianos de entrada desses aminoácidos [1].

Bactérias intestinais específicas, como Prevotella copri e Bacteroides vulgatus, foram identificadas como fatores-chave na associação entre a biossíntese de BCAA e a resistência à insulina [1]. Um estudo em camundongos demonstrou que P. copri pode induzir resistência à insulina, agravar a intolerância à glicose e aumentar os níveis circulantes de BCAA [1].

A Staphylococcus aureus expressando acetolactato sintase (ALS), uma enzima da biossíntese de BCAA, foi identificada como causa de resistência à insulina associada ao diabetes tipo 2 em uma população do sul da China [5]. Aumentos na quantidade de S. aureus nas fezes foram encontrados em pacientes com pré-diabetes, diabetes recém-diagnosticado e diabetes tipo 2 pós-medicação, especialmente neste último grupo [5].

A modulação dietética direcionada ao metabolismo de BCAA pela microbiota intestinal pode ser uma abordagem promissora para a prevenção e o tratamento de condições relacionadas à resistência à insulina [3]. Por exemplo, um extrato aquoso de folha de amoreira demonstrou aliviar o diabetes tipo 2 em camundongos por meio da modulação do co-metabolismo de BCAA entre a microbiota intestinal e o hospedeiro [4].

Referências

1) HK Pedersen et al. Human gut microbes impact host serum metabolome and insulin sensitivity. Nature (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27409811/

2) Z Bloomgarden et al. Diabetes and branched-chain amino acids: What is the link?. Journal of diabetes (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29369529/

3) J Gojda et al. Gut Microbiota as the Link between Elevated BCAA Serum Levels and Insulin Resistance. Biomolecules (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34680047/

4) XX Zheng et al. Mulberry leaf water extract alleviates type 2 diabetes in mice via modulating gut microbiota-host co-metabolism of branched-chain amino acid. Phytotherapy research : PTR (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37013717/

5) T Liang et al. Gut microbiota-driven BCAA biosynthesis via Staphylococcus aureus -expressed acetolactate synthase impairs glycemic control in type 2 diabetes in South China. Microbiological research (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40138872/

6) N Li et al.. BCAA dysmetabolism in the host and gut microbiome, a key player in the development of obesity and T2DM. Medicine in Microecology (2023). https://doi.org/10.1016/j.medmic.2023.100078

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/