Flexibilidade Metabólica: Como o Corpo se Adapta às Mudanças de Combustível

Flexibilidade metabólica refere-se à capacidade do corpo de alternar eficientemente entre fontes de energia, principalmente carboidratos e gorduras, dependendo da demanda energética e da disponibilidade de nutrientes [1,2].

Quando funcionando de forma ideal, esse sistema permite transições suaves entre os estados alimentado e em jejum. Porém, quando comprometida — condição conhecida como inflexibilidade metabólica — está associada à síndrome metabólica, obesidade, diabetes tipo 2 e até a um aumento de complicações pós-operatórias [1,3,2,4].

Diversos fatores do estilo de vida influenciam a flexibilidade metabólica, incluindo composição da dieta, frequência das refeições, atividade física e sedentarismo [1,3].

Definição e Mecanismos

Na essência, flexibilidade metabólica é a capacidade do corpo de adaptar a oxidação de substratos com base na disponibilidade de nutrientes e nas necessidades energéticas [3,5,6].

Esse processo depende da detecção eficiente, armazenamento e utilização de carboidratos e gorduras para manter o equilíbrio energético durante o exercício, jejum ou excesso calórico [1]. Órgãos-chave, como fígado, tecido adiposo e músculos esqueléticos, coordenam essa flexibilidade por meio da sinalização hormonal [1].

No nível molecular, a flexibilidade depende da atividade de enzimas metabólicas, fatores de transcrição e função mitocondrial [1]. Mudanças no quociente respiratório (QR) durante jejum ou dietas hipercalóricas demonstram como o corpo ajusta a utilização de diferentes macronutrientes [7].

Relevância Clínica e Determinantes

A redução da flexibilidade metabólica é uma característica comum em doenças metabólicas crônicas, como obesidade, resistência à insulina e diabetes tipo 2 [3,8].

Um estudo retrospectivo com 2.607 usuários do Lumen mostrou que indivíduos com maior IMC apresentavam menor eficiência na troca de CO₂ — um marcador de flexibilidade reduzida — indicando menor utilização de gordura em obesos [4].

O sedentarismo também é um determinante importante. Atividade física regular favorece a adaptabilidade metabólica, enquanto a inatividade prolongada provoca inflexibilidade, mesmo em indivíduos que atendem às recomendações de exercício [3].

Em um estudo com 585 pacientes submetidos a cirurgias, aqueles com melhor recuperação pós-operatória apresentaram oxidação de gordura significativamente maior durante o exercício, ressaltando que a flexibilidade metabólica influencia até os resultados cirúrgicos [2].

Dietas Cetogênicas Podem Melhorar a Flexibilidade Metabólica?

Sim! A dieta cetogênica (DC) — baixa em carboidratos, rica em gorduras e com proteína moderada — induz cetose, estado metabólico que imita o jejum, deslocando a principal fonte de energia do corpo da glicose para a gordura. Essa adaptação é fundamental para melhorar a flexibilidade metabólica.

Estudos mostram que a DC aumenta a capacidade do corpo de utilizar gordura como combustível, diminuindo a oxidação de carboidratos [9]. Para indivíduos com obesidade ou diabetes tipo 2, a DC também melhora marcadores metabólicos, como glicemia de jejum, HbA1c e triglicerídeos [10].

Estudos em animais corroboram esses achados: ratos em DC mantiveram a capacidade de síntese de glicogênio e produção de lactato em resposta à insulina — sinal de flexibilidade metabólica preservada — ao contrário dos que receberam dietas obesogênicas ricas em gordura e açúcar [11].

Flexibilidade Metabólica e Dietas Cetogênicas

Um ensaio clínico randomizado com 29 participantes com sobrepeso demonstrou que uma DC de manutenção de peso duplicou os níveis plasmáticos de β-hidroxibutirato (β-OH-B), reduziu a oxidação de carboidratos e aumentou a oxidação de lipídios, confirmando a mudança metabólica para utilização de gordura [9].

No entanto, sem perda de peso, o mesmo estudo não observou melhora na tolerância à glicose ou na sensibilidade à insulina [9].

Modelos animais mostram que a DC preserva a resposta muscular à insulina, enquanto dietas ricas em gordura e sacarose prejudicam essa função [11].

Impacto no Controle Glicêmico e Lipídico

As dietas cetogênicas demonstram melhoria consistente no controle glicêmico e perfil lipídico, especialmente em indivíduos com obesidade ou diabetes tipo 2.

Uma meta-análise de 14 ensaios clínicos randomizados mostrou que a DC reduziu significativamente a HbA1c (SMD -0,62) e a resistência à insulina (índice HOMA; SMD -0,29) em comparação com dietas pobres em gordura [6].

Outra meta-análise relatou redução de 1,29 mmol/L na glicemia de jejum, queda de 1,07% na HbA1c, redução de 0,72 mmol/L nos triglicerídeos e aumento do HDL [10].

Essas mudanças contribuem para otimizar a capacidade do corpo de gerenciar glicose e gordura, promovendo flexibilidade metabólica [7,8].

Controle de Peso e Síndrome Metabólica

A DC também é eficaz na redução de peso e na melhora de marcadores da síndrome metabólica.

Uma meta-análise mostrou que a DC promoveu perda de peso significativa (SMD -0,46), independentemente da presença de diabetes [6].

Em um estudo com 100 crianças com obesidade, quatro meses de DC resultaram em perda média de 6,45 kg e redução do IMC em 3,12 kg/m², além de melhora significativa na resistência à insulina e na prevalência da síndrome metabólica — que caiu três vezes [9].

Esses achados indicam que a DC pode restaurar a flexibilidade metabólica ao tratar seus principais determinantes: obesidade e resistência à insulina [10,11]. Aprenda mais sobre a dieta cetogênica aqui.

Referências

  1. Smith RL, et al. Metabolic Flexibility as an Adaptation to Energy Resources and Requirements in Health and Disease. Endocrine Reviews. 2018;39(4):489-517.

  2. Arina P, et al. Metabolic Flexibility as a Candidate Mechanism for the Development of Postoperative Morbidity. Anesthesia and Analgesia. 2025;140(2):341-353.

  3. Rynders CA, et al. Sedentary Behaviour Is a Key Determinant of Metabolic Inflexibility. J Physiol. 2017;595(8):2465-2476.

  4. Yeshurun S, et al. The Association of Macronutrient Consumption and BMI to Exhaled Carbon Dioxide in Lumen Users: Retrospective Real-World Study. JMIR mHealth uHealth. 2024;12:e45879.

  5. Terblanche JS, et al. Metabolic Flexibility in Insects: Patterns, Mechanisms, and Implications. Annu Rev Entomol. 2025;70:89-110.

  6. Huang W, et al. Research Progress of Metabolic Flexibility in Metabolic Diseases. Zhonghua Nei Ke Za Zhi. 2022;61:153-160.

  7. Begaye B, et al. Impaired Metabolic Flexibility to High-Fat Overfeeding Predicts Future Weight Gain in Healthy Adults. Diabetes. 2019;68:2020-2031.

  8. Aucouturier J, et al. Metabolic Flexibility and Obesity in Children and Youth. Obes Rev. 2010;11:819-827.

  9. Merovci A, et al. Effect of Weight-Maintaining Ketogenic Diet on Glycemic Control and Insulin Sensitivity in Obese T2D Subjects. BMJ Open Diabetes Res Care. 2024;12:e002150.

  10. Yuan X, et al. Effect of the Ketogenic Diet on Glycemic Control, Insulin Resistance, and Lipid Metabolism in Patients with T2DM: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutr Diabetes. 2020;10:1-14.

  11. Da Eira D, et al. Sucrose-Enriched and Carbohydrate-Free High-Fat Diets Distinctly Affect Substrate Metabolism in Oxidative and Glycolytic Muscles of Rats. Nutrients. 2024;16:1453.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que o remédio para diabetes não funciona igual para todo mundo?

Você já se perguntou por que algumas pessoas melhoram rápido com metformina, enquanto outras não veem tanto resultado — mesmo fazendo tudo “certo”?

A resposta pode estar no subtipo metabólico de cada pessoa. Nem todo diabetes tipo 2 é igual! O que os cientistas descobriram Estudo publicado em 2024 mostrou que o diabetes tipo 2 (e até o pré-diabetes) pode se manifestar de 4 formas diferentes, dependendo de qual mecanismo do corpo está mais alterado (Metwally et al., 2024):

1️⃣ Resistência à insulina muscular — o músculo não usa bem a glicose. 2️⃣ Resistência à insulina hepática — o fígado produz glicose em excesso. 3️⃣ Disfunção das células β — o pâncreas não produz insulina suficiente. 4️⃣ Deficiência de incretina — os hormônios intestinais não estimulam bem o pâncreas.

A maioria das pessoas com pré-diabetes ou diabetes tem um ou dois subtipos dominantes — por exemplo, resistência à insulina + disfunção da célula β. E é aí que está o problema: os tratamentos atuais geralmente são “iguais para todos”, mas cada subtipo responde melhor a terapias específicas.

Quem tem resistência à insulina costuma responder melhor a:

  • Exercício físico, voltado para o ganho de massa magra

  • Perda de peso

  • Metformina ou agonistas de GLP-1

  • Dietas com menos carboidratos e mais gordura boa

Já quem tem deficiência na secreção de insulina pode precisar de:

  • Sulfonilureias

  • Inibidores de DPP4

  • Insulina direta, dependendo da gravidade do caso

  • Refeições fracionadas, ricas em proteínas e fibras (carboidratos complexos), evitando a sobrecarga do pâncreas

Os pesquisadores mostraram que o formato da curva de glicose durante o Teste Oral de Tolerância à Glicose (OGTT) — ou até dados do monitor contínuo de glicose (CGM) — pode prever qual subtipo metabólico predomina em você!

O uso do CGM é muito interessante pois o aparelho grava centenas de pontos ao longo do tempo, criando uma espécie de “assinatura digital” da sua glicemia. E essa assinatura mostra se o problema é mais muscular, hepático ou do pâncreas. O modelo de inteligência artificial usado no estudo para tratar estes dados teve acurácia acima de 85–95% para identificar os subtipos — igual (ou até melhor) que exames de sangue complexos.

COMO IDENTIFICAR O SUBTIPO USANDO CGM

O estudo mostrou que a forma da curva de glicose durante um teste padronizado — como um OGTT (teste de tolerância à glicose) — pode revelar qual mecanismo fisiológico está mais alterado. Você pode reproduzir algo semelhante em casa usando um CGM, desde que padronize o teste. Faça um “mini-OGTT” caseiro:

  • Aplique o CGM.

  • Inicie em jejum (sem exercício ou café antes).

  • Ingira 75g de carboidratos simples (ex: 75g de glicose pura, ou 3 colheres de sopa de mel diluídas em água).

  • Meça a curva glicêmica durante 3 horas.

O CGM não mostra diretamente “se você é tipo IR muscular ou β-deficiente” — mas a forma dinâmica da curva dá fortes pistas sobre qual sistema está falhando primeiro. Com o tempo, softwares de IA (como o usado no estudo) devem automatizar isso.

Os pesquisadores, pensam em liberar o modelo de IA para outros grupos de investigação e, posteriormente, após validação, entrega de um aplicativo que possa ser usado na clínica. Por enquanto, profissionais que entendem de fisiologia (endócrinos, nutricionistas metabólicos ou cientistas de dados clínicos) já conseguem interpretar esses padrões de curva para adaptar dieta e tratamento ao seu subtipo. A observação do formato da curva permite a identificação do subtipo do paciente. Aprenda mais sobre prevenção e tratamento do diabetes aqui.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que o sabor da carne muda quando cozida?

Quando você cozinha carne acontece muito mais que “apenas” matar bactérias e deixar o músculo mais macio — processos químicos complexos transformam as proteínas, gorduras e açúcares presentes na carne, gerando novas moléculas voláteis (aromas) e destruindo outras. Essas reações são as responsáveis pelos cheiros e gostos que associamos a “carne assada”, “carne grelhada”, “carne queimada” ou “gosto rançoso”.

1) Desnaturação proteica: abrindo caixas de surpresa

Ao aquecer, as proteínas musculares (especialmente as proteínas miofibrilares) perdem sua estrutura 3D — ou seja, desnaturam. Isso expõe grupos de aminoácidos que estavam “enterrados” e permite que participem de reações químicas (por exemplo, com açúcares) ou se quebrem em fragmentos menores que podem volatilizar ou reagir formando novos aromas. A revisão de Zhang et al. mostra que a oxidação e modificação dessas proteínas alteram diretamente a composição de voláteis e, consequentemente, o perfil aromático da carne.

2) Oxidação de proteínas: gerando compostos que mudam o sabor

As proteínas não só se desnaturam — elas também podem oxidar (radicais livres atacam aminoácidos). A oxidação de aminoácidos como a metionina, fenilalanina ou lisina produz derivados que influenciam aroma (alguns agradáveis, outros desagradáveis). Além disso, a oxidação cria carbonilas e fragmentos peptídicos que alteram sensação de “umami” e textura, mudando a percepção geral do sabor. Quando a oxidação é excessiva, surgem off-flavors (sabores indesejáveis).

3) Oxidação de lipídios: o parceiro que define muito do aroma

As gorduras são uma das maiores fontes de voláteis aromáticos quando aquecidas. A oxidação de lipídios (gorduras) gera aldeídos, cetonas e ácidos voláteis que conferem notas amanteigadas, tostadas ou, em excesso, rançosas. Esses produtos de oxidação lipídica também reagem com produtos da degradação proteica (e com derivados da reação de Maillard), criando a complexidade aromática característica das carnes cozidas.

4) Reação de Maillard e Strecker: o “cheiro de churrasco”

Quando aminoácidos reagem com açúcares (sob calor) ocorre a reação de Maillard, gerando uma enorme variedade de compostos — pirazinas, furanos, tioles — que dão notas tostadas, caramelizadas e “carnudas”. A degradação de Strecker (reações derivadas da Maillard) transforma aminoácidos em aldeídos aroma-ativos que contribuem fortemente ao perfil final. Essas reações são a razão para o aroma único de carne grelhada ou assada.

5) Interações entre tudo isso — a mistura que você sente no prato

Importante: não é só uma reação isolada. Proteínas, lipídios e açúcares interagem: produtos de oxidação lipídica podem reagir com proteínas ou com intermediários da Maillard; proteínas oxidada podem reter ou liberar voláteis; metal-íons e pH influenciam quais rotas químicas prevalecem. O resultado é um cocktail de centenas de voláteis — alguns agradáveis, outros não — que o nosso olfato e paladar decodificam como “sabor da carne cozida”.

O que causa sabores ruins (off-flavors)?

  • Oxidação excessiva de lipídios → compostos rançosos (aldeídos como o decadienal).

  • Oxidação proteica intensa → perda de umami, amargor, notas metálicas.

  • Reações de Maillard muito fortes (temperaturas muito altas ou queimado) → notas amargas e queimadas.
    Fatores que aceleram isso: exposição ao oxigénio, luz, temperaturas altas por muito tempo, presença de metais (ferro, cobre) e armazenamento inadequado.

Dicas práticas para cozinhar e preservar o melhor sabor

  • Controle a temperatura: calor suficiente para Maillard (grelhar/selar) mas evitar queimar. Cozinhar devagar em cortes grossos preserva sucos e evita degradação excessiva.

  • Reduza oxigênio e metais: embalar a vácuo para conservação; usar panelas sem manchas de ferro/cobre; evitar manipular muito a gordura exposta.

  • Use antioxidantes naturais: marinadas com ervas (alecrim, tomilho), vinho, suco de limão e especiarias ajudam a reduzir oxidação. Estudos mostram que compostos fenólicos limitam oxidação proteica e lipídica.


  • Armazenamento correto: refrigeração adequada e evitar armazenamento longo em condições oxidantes.

  • Escolha do corte: carnes com equilíbrio de gordura e músculo (marbling) tendem a desenvolver aromas mais complexos e agradáveis ao cozinhar.

Quando você cozinha carne, está abrindo uma “caixa química”: proteínas se desnaturam e oxidam, gorduras se decompõem e reagem, e açúcares e aminoácidos fundem-se em reações que produzem centenas de compostos voláteis. A combinação e o equilíbrio dessas reações — não apenas uma única mudança — determinam se o sabor final será suculento e complexo ou “queimado”/rançoso. Com temperatura, tempo e alguns truques simples é possível maximizar os aromas bons e minimizar os indesejáveis.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/