Como os aminoácidos de cadeia ramificada podem atrapalhar a insulina?

Você toma whey e sua glicemia sobe? Pode acontecer. O whey é rico em aminoácidos de cadeia ramificada (Branch chain aminoacids ou BCAA) que são insulinêmicos.

São três aminoácidos os aminoácidos de cadeia ramificada: leucina, isoleucina e valina, muito famosos entre praticantes de musculação. No mundo fitness, costumam ser lembrados por ajudar na recuperação muscular. O problema é que quando estão em excesso no sangue, eles podem estar ligados à resistência à insulina, um passo importante no caminho para o diabetes tipo 2.

O papel dos BCAAs no corpo

No nosso organismo, os BCAAs não ficam “parados” — eles entram em um processo chamado catabolismo, ou seja, são quebrados e transformados em outras moléculas que viram energia no ciclo de Krebs (a “usina” de energia das nossas células).

Para isso, duas enzimas são muito importantes:

  • BCAT: dá o primeiro passo na quebra dos BCAAs.

  • BCKD: continua o trabalho, transformando os resíduos em compostos que entram no ciclo energético.

Se esse sistema funciona bem, tudo certo. Mas, quando o catabolismo fica lento ou ineficiente, os BCAAs e seus derivados (chamados BCKAs) se acumulam no sangue. E aí começa o problema…

Esse excesso ativa uma via no corpo chamada mTOR, que é ótima para estimular crescimento muscular, mas… em excesso, ela também atrapalha a ação da insulina. É como se a insulina estivesse tentando abrir a porta da célula para o açúcar entrar, mas o cadeado estivesse enferrujado.

Além disso, alguns subprodutos dos BCAAs, como o 3-HIB, aumentam a entrada de gordura nas células musculares. Isso gera um ambiente “tóxico” para a insulina, dificultando ainda mais seu trabalho.

O que acontece na prática

  • Menos glicose entra nas células (especialmente nos músculos).

  • O açúcar começa a se acumular no sangue.

  • O corpo responde produzindo mais insulina.

  • Com o tempo, isso pode evoluir para resistência à insulina e até diabetes tipo 2.

Dá para evitar?

Sim! Alguns hábitos ajudam a manter o equilíbrio:

  • Dieta equilibrada: excesso de proteína (especialmente de origem animal) pode elevar BCAAs no sangue.

  • Atividade física regular: ajuda a usar mais BCAAs e glicose como energia.

  • Sono e controle do estresse: hormônios do estresse afetam a forma como o corpo lida com a insulina.

Os BCAAs não são vilões — eles são essenciais para a vida e importantes para a saúde muscular. Mas, como tudo no corpo, o segredo está no equilíbrio. Quando o metabolismo deles não funciona direito, eles podem se transformar de aliados da performance em “inimigos” da insulina.

No exame metabolômico, o metabolismo de BCAA pode ser avaliado observando tanto os próprios aminoácidos (leucina, isoleucina, valina) quanto os metabólitos derivados do seu catabolismo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Antioxidantes em fumantes: o que realmente funciona (e o que não funciona)

O artigo “Antioxidants in smokers” (Astori et al., 2021) faz um balanço amplo sobre como o tabagismo altera o equilíbrio redox, quais antioxidantes ficam reduzidos no sangue de fumantes, e o que se sabe sobre intervenções com dieta e suplementos. O estado pró-oxidante e inflamatório induzido pela fumaça é sistêmico e persistente. Mas antioxidantes ajudam? Fazem bem ou mal?

Por que fumar aumenta o estresse oxidativo?

A fumaça de cigarro contém radicais livres e oxidantes em grande quantidade, que esgotam defesas endógenas (p.ex., glutationa) e danificam lipídios, proteínas e DNA. Biomarcadores de dano oxidativo e inflamação ficam elevados mesmo fora do pulmão.

Fumantes geralmente apresentam níveis plasmáticos mais baixos de vitamina C, tocoferóis (vitamina E), carotenoides (β-caroteno, licopeno, β-criptoxantina, luteína/zeaxantina) e selênio, junto com glutationa (GSH) reduzida e maior razão de marcadores oxidativos. Esses déficits sustentam a hipótese de que aumentar a ingestão dietética de antioxidantes pode ser particularmente benéfico para essa população.

Estudos prospectivos grandes (p.ex., EPIC) associam maior consumo de frutas/vegetais a menor mortalidade por DCV e redução modesta do risco de alguns cânceres. Em fumantes cada +100 g/dia de frutas e vegetais se associou a ~15% menos risco de carcinoma escamoso de pulmão. Os efeitos não foram consistentes para outros subtipos de câncer.

O artigo enfatiza que os antioxidantes dos alimentos funcionam melhor do que os das cápsulas, pelos efeitos aditivos/sinérgicos de fitoquímicos na matriz alimentar, além de hormese (estímulos leves pró-oxidantes da planta que induzem vias citoprotetoras como Nrf2).

Suplementos isolados (e seus problemas)

Ensaios randomizados e meta-análises em fumantes falharam em mostrar benefícios consistentes de vitaminas isoladas; em alguns casos houve prejuízo.

β-caroteno em altas doses: aumentou a incidência de câncer de pulmão e a mortalidade em fumantes/heavily exposed (ATBC: risco relativo de câncer de pulmão ≈1,16; CARET: RR ≈1,28; também ↑ mortalidade total). Evitar altas doses em fumantes é consenso. O review também recomenda cautela com retinol (vitamina A) e luteína em altas doses para fumantes, pela possibilidade de efeitos adversos ou nulos.

Resumo prático: Comida colorida no prato ajuda; cápsula isolada em dose alta pode atrapalhar.

Quão longe isso vai? O tamanho do benefício

Mesmo com adesão a dieta rica em antioxidantes, o benefício é modesto e não compensa integralmente o estresse oxidativo do cigarro. Os autores são claros: cessar o tabagismo traz o maior ganho (inclusive com melhora de GSH em 12 meses em quem para). Reduzir o consumo também reduz parte do risco, mas não zera.

Mecanismos por trás dos efeitos da dieta

  • Aumento de antioxidantes circulantes (vitamina C, carotenoides etc.) após dietas ricas em frutas/vegetais foi observado, mas sem mudanças consistentes em biomarcadores de dano em estudos curtos/pequenos — possivelmente por doses, duração, seleção da amostra e endpoints.

  • Dietas a base de vegetais ativam programas citoprotetores (enzimas antioxidantes, chaperonas, proteínas mitocondriais) — efeito orquestrado, não replicável por 1 nutriente isolado.

Recomendações acionáveis (baseadas no review)

  1. Prioridade absoluta: parar de fumar. É a maneira mais eficaz de reduzir estresse oxidativo e risco de doenças relacionadas ao tabaco.

  2. Alimentação colorida, como um “arco-íris”, diariamente:

    • Alvo populacional citado: ~9 porções/dia (4 de frutas, 5 de vegetais em uma dieta de 2000 kcal), adaptando ao contexto local.

    • Foque em cítricos, folhas verdes, tomate, cenoura/batata-doce, frutas laranja/vermelhas para variar carotenoides e vitamina C, além de oleaginosas/óleos para tocoferóis.

  3. Evitar altas doses de β-caroteno (e retinol) em fumantes. Ensaios ATBC e CARET mostraram aumento de risco de câncer de pulmão e de mortalidade; em fumantes, não suplementar altas doses desses compostos é prudente.

  4. Suplementos só quando houver indicação clínica (deficiência documentada, má absorção, necessidades específicas), preferindo doses próximas à RDA e avaliação profissional; não espere “neutralizar” o cigarro com cápsulas.

  5. Estilo de vida que reduz o estresse oxidativo: controlar peso, glicemia e colesterol e praticar exercício regular (um desafio pró-oxidante leve que induz adaptação benéfica). Não existe “antioxidante milagroso” que desfaça o dano do cigarro.

Limitações e lacunas que o artigo destaca

  • Heterogeneidade dos estudos (populações, doses, duração, biomarcadores) limita conclusões fortes sobre “o” padrão ideal para fumantes.

  • Ensaios de curto prazo podem subestimar efeitos em desfechos duros (câncer, DCV).

  • Precisamos de estudos mais longos e específicos para fumantes, medindo biomarcadores validados (p.ex., razão GSH/GSSG) e eventos clínicos.

E a N-acetil cisteína (NAC)?

A N-acetilcisteína (NAC) tem um papel central na bioquímica antioxidante, e sua relação com a glutationa é fundamental para entender seus efeitos terapêuticos em fumantes.

A glutationa (GSH) é um dos antioxidantes mais importantes do corpo, presente em praticamente todas as células. Ela protege contra o estresse oxidativo, neutralizando radicais livres e detoxificando substâncias tóxicas.

A síntese de glutationa depende de três aminoácidos: glutamato, cisteína e glicina. A cisteína é frequentemente o aminoácido limitante (menos presente na dieta), ou seja, o fator que mais limita a produção de glutationa no organismo. O suplemento NAC atua como fonte de cisteína, aumentando a disponibilidade desse aminoácido e, consequentemente, promovendo a síntese endógena de glutationa.

Um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, realizado no Brasil, avaliou a eficácia e segurança da NAC como tratamento adjunto para a cessação do tabagismo. O estudo envolveu 34 pacientes com transtorno de uso de tabaco, que foram randomizados para receber NAC ou placebo, além de tratamento de primeira linha, durante 12 semanas (Machado et al., 2020).

Os pacientes tratados com NAC apresentam uma redução significativa nos níveis de sTNF-R2 entre a linha de base e a semana 12. Ou seja, a inflamação diminui. Também reduz risco cardiovascular, como apontado pela melhoria nos índices de risco de Castelli I e II, colesterol total e LDL, sugerindo um efeito positivo sobre o perfil lipídico e o risco cardiovascular.

Embora o NAC não reduza sintomas de abstinência, seus efeitos anti-inflamatórios e sobre o perfil lipídico indicam um potencial terapêutico adicional.

Lembre: Parar de fumar continua sendo o maior “antioxidante” que você pode oferecer ao seu corpo.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O Microbioma Intestinal e o Segredo para um Envelhecimento Saudável

À medida que envelhecemos, nosso corpo passa por transformações silenciosas, muitas delas ligadas à saúde intestinal. O microbioma intestinal, esse ecossistema de trilhões de microrganismos que habitam nosso trato digestivo, emerge como um protagonista essencial para a saúde imunológica e a prevenção de doenças crônicas associadas à idade. Pesquisas recentes mostram que a manutenção do equilíbrio microbiano e da barreira intestinal pode ser a chave para um envelhecimento saudável.

O Microbioma Intestinal: Guardião da Saúde

O microbioma intestinal não só auxilia na digestão e produção de vitaminas, mas também desempenha papel crucial na regulação do sistema imunológico. Ele mantém a barreira intestinal, que age como um filtro, permitindo a passagem de nutrientes e bloqueando toxinas e microrganismos nocivos.

Com o envelhecimento, há uma perda de diversidade microbiana e de espécies benéficas, como Akkermansia muciniphila, comprometendo a barreira intestinal e favorecendo a inflamação sistêmica.

Permeabilidade Intestinal e Inflammaging

O fenômeno do “leaky gut” (permeabilidade intestinal aumentada) permite que toxinas bacterianas, como lipopolissacarídeos (LPS), entrem na circulação sanguínea. Isso ativa o sistema imunológico de forma crônica, gerando o estado inflamatório conhecido como inflammaging, associado a doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, neurodegenerativas e autoimunes (Escalante et al., 2024).

Paralelamente, ocorre a imunossenes­cência, ou envelhecimento do sistema imunológico, tornando o organismo mais vulnerável a infecções e reduzindo a capacidade de resposta a vacinas.

Interconexão: Microbioma, Barreiras e Envelhecimento

Pesquisas convergem para uma tríade interdependente:

  1. Envelhecimento do microbioma → redução da diversidade e perda de microrganismos benéficos.

  2. Dano à barreira intestinal → aumento da permeabilidade e translocação de endotoxinas.

  3. Inflammaging e imunossenes­cência → inflamação crônica e declínio imunológico, favorecendo doenças associadas à idade.

Esse ciclo vicioso reforça a importância de estratégias que possam restaurar o equilíbrio intestinal.

Aliados do Envelhecimento Saudável

Aprenda algumas intervenções nutricionais que podem modular o microbioma e reduzir a inflamação:

  • Resistant Starch (amido resistente): fibras que escapam da digestão no intestino delgado, fermentando no cólon e produzindo ácidos graxos de cadeia curta, que reduzem a inflamação e melhoram a saúde intestinal.

  • Proteínas resistentes: proteínas que não são completamente digeridas no intestino delgado e chegam intactas ou parcialmente digeridas ao cólon, onde podem interagir com a microbiota. Assim como o amido resistente, elas podem atuar como substrato prebiótico, promovendo a produção de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) e modulando a inflamação.

    Alguns exemplos estudados incluem:

    1. Proteínas de leguminosas

      • Feijão, lentilha, grão-de-bico.

      • Contêm proteínas que resistem parcialmente à digestão enzimática.

    2. Proteínas do ovo

      • Albumina de ovo pode formar agregados resistentes após aquecimento.

    3. Proteínas de soja

      • Isoflavonas e certos componentes proteicos da soja podem resistir à digestão.

  • Probióticos: microrganismos vivos que reforçam as bactérias benéficas do intestino, fortalecem a barreira intestinal e modulam a resposta imunológica. É a “cereja do bolo”. Não adianta comer mal e suplementar probiótico.

Estratégias Práticas para um Microbioma Saudável

Para manter a saúde intestinal com o passar dos anos, algumas medidas podem ser aplicadas:

  • Dieta a base de plantas, rica em fibras, frutas, vegetais e alimentos fermentados.

  • Baixo consumo de alimentos ultraprocessados.

  • Evitação de medicamentos sem necessidade, como antiinflamatórios e antibióticos. Sempre consulte um médico antes do uso de qualquer fármaco.

  • Suplementação ou consumo regular de probióticos para reforçar bactérias benéficas.

  • Ingestão de amidos e proteínas resistentes, presentes em alimentos como batata cozida e resfriada, feijão, lentilha e grãos integrais.

  • Redução de fatores que comprometem a barreira intestinal, como estresse crônico, sedentarismo e consumo excessivo de alimentos ultraprocessados.

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