INTOLERÂNCIA AO GLUTAMATO NO AUTISMO

O glutamato é um aminoácido não essencial que ocorre naturalmente em muitos alimentos, como carnes, queijos, tomates e cogumelos. Também é usado como realçador de sabor na forma do glutamato monossódico (GMS), muito comum em alimentos processados.

Quando ingerido, o glutamato é metabolizado principalmente no trato gastrointestinal e serve como fonte de energia para as células intestinais. Pouco do glutamato alimentar atravessa a barreira hematoencefálica (a barreira que protege o cérebro), então seu impacto direto no cérebro é limitado.

Há também dois tipos de glutamato que devemos conhecer. O primeiro é o glutamato ligado, que está ligado a uma proteína inteira, o que significa que é mais fácil de digerir e absorver lentamente. Depois, há o glutamato livre, que não está ligado a outros aminoácidos e acredita-se que seja absorvido em nossos corpos muito mais rapidamente.

O glutamato dos alimentos saudáveis está ligado e parece ser bom para indivíduos saudáveis, especialmente por não atravessar a barreira hematoencefálica. Esta barreira é um revestimento que protege o cérebro de coisas com as quais não deveria estar em contato. Se você tem um revestimento intestinal saudável e uma barreira sanguínea saudável no cérebro, provavelmente tolera muito bem o GMS, pois não chegará a lugares em seu corpo onde não deveria ir.

No entanto, como as crianças com autismo tendem a ter intestino permeável e baixos níveis crônicos de inflamação, elas podem ser extremamente sensíveis ao glutamato. Ser sensível ao glutamato é referido na comunidade científica como disfunção do glutamato. Se corpo não consegue lidar com ele corretamente, alguns problemas podem surgir. 

Por exemplo, a disfunção do glutamato está correlacionada com deficiências cognitivas. Também há evidências substanciais de que a disfunção do glutamato e o autismo estão diretamente relacionados. Parece que as crianças com autismo têm níveis mais elevados de neurotensina, o que intensifica a sinalização do glutamato no organismo, causando uma maior sensibilidade. Constatou-se ainda que indivíduos com autismo apresentam anormalidades específicas nos receptores de glutamato do tipo AMPA e na forma como o glutamato é transportado em seu cérebro, o que pode estar diretamente relacionado à expressão dos sintomas autistas. Por outro lado, os níveis de GABA ficam baixos.

Alguns genes podem influenciar como o corpo e o cérebro processam o glutamato, e variações neles podem estar associadas a uma menor tolerância ou maior sensibilidade ao glutamato, especialmente em relação à sua ação no sistema nervoso. Vou listar alguns dos principais genes relacionados:

Genes Associados à Menor Tolerância ao Glutamato

a) GRIN2A e GRIN2B

  • O que fazem: Codificam subunidades dos receptores NMDA, que são receptores importantes para o glutamato no cérebro.

  • Impacto: Variações nesses genes podem alterar a sensibilidade dos neurônios ao glutamato, podendo aumentar a excitotoxicidade e o risco de disfunções cognitivas ou neurológicas.

b) SLC1A2 (EAAT2)

  • O que faz: Codifica um transportador responsável pela captação do glutamato do espaço extracelular para dentro dos astrócitos, ajudando a regular os níveis de glutamato no cérebro.

  • Impacto: Polimorfismos que reduzem a função deste transportador podem levar ao acúmulo de glutamato extracelular, aumentando o risco de excitotoxicidade e sintomas neurológicos.

c) GLS (Glutaminase)

  • O que faz: Enzima que converte glutamina em glutamato dentro das células.

  • Impacto: Alterações genéticas podem afetar a produção local de glutamato, contribuindo para desequilíbrios na neurotransmissão.

d) GAD1

  • O que faz: Codifica a enzima ácido glutâmico descarboxilase, que converte glutamato em GABA (principal neurotransmissor inibitório).

  • Impacto: Variações podem diminuir a conversão de glutamato em GABA, causando um desequilíbrio excitatório-inibitório e maior sensibilidade ao glutamato.

e) CBS (Cistationina beta-sintase)

  • Relacionamento indireto: Embora não atue diretamente no metabolismo do glutamato, a disfunção da CBS afeta o metabolismo do enxofre e a produção de antioxidantes como glutationa, que protegem contra danos causados pelo excesso de glutamato.

Implicações Clínicas

  • Doenças relacionadas: Variações nesses genes estão associadas a condições como epilepsia, transtornos do espectro autista, esquizofrenia e outras desordens neuropsiquiátricas, onde a regulação do glutamato é crucial.

  • Tolerância ao glutamato alimentar: Ainda é pouco claro se essas variações genéticas afetam diretamente a tolerância ao glutamato da dieta, mas elas podem influenciar a sensibilidade geral do sistema nervoso a níveis elevados de glutamato.

Juntamente com os fatores genéticos e as influências ambientais, evidências crescentes sugerem uma associação entre o início e a progressão do TEA e uma variedade de sistemas neurotransmissores cerebrais, como acetilcolina (ACh), dopamina, serotonina, glutamato, ácido γ-aminobutírico e histamina (HA). Acredita-se que a neurotransmissão alterada histaminérgica e colinérgica desempenhe um papel crucial no fenótipo comportamental relacionado ao TEA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Aplicações da metabolômica no autismo

Crianças com TEA apresentam dificuldades nas interações sociais, linguagem e interesses ou comportamentos restritos ou repetitivos. Mesmo com tratamento, apenas 20% vivem de forma independente na vida adulta após um diagnóstico de TEA na infância.

Estudo publicado na revista Communications Biology utilizou a metabolômica em recém-nascidos para identificar marcadores que possam prever a ocorrência do transtorno do espectro autista (TEA), facilitar o diagnóstico e individualizar o tratamento.

Biomarcadores para TEA

Biomarcadores são indicadores biológicos mensuráveis que fornecem informações sobre processos normais do organismo, doenças ou a resposta a um tratamento. Enquanto na genômica avalia-se genes, na metabolômica avalia-se metabólitos - molécula pequena (< ~1.500 Da), intermediária ou produto final do metabolismo celular, podendo ser detectada e quantificada.

Pesquisas anteriores identificaram marcadores metabólicos e bioquímicos para TEA em crianças e adultos, variando conforme idade, sexo e gravidade dos sintomas. Muitos desses marcadores estão envolvidos na estrutura e função do cérebro, sistema imunológico, sistema nervoso autônomo e microbioma. No entanto, nenhum fator genético ou ambiental isolado explica todos os casos de TEA em crianças.

Os genes não atuam de forma isolada, sendo que as interações poligênicas e gene-ambiente são os principais contribuintes para o desenvolvimento do TEA.

O modelo CDR

O modelo de resposta ao perigo celular (CDR) descreve vias metabólicas que conectam estressores ambientais e genéticos a alterações no desenvolvimento e ao TEA. A CDR se propaga do ponto de impacto do estressor para fora, seguindo mudanças nos sistemas metabólico, inflamatório, autonômico, endócrino e neurológico.

O TEA é mais provável de se desenvolver a partir da CDR quando os estressores atuam durante a vida intrauterina ou no início da infância. Isso afeta quatro áreas envolvidas na CDR: mitocôndrias, estresse oxidativo, imunidade inata e microbiomas. O trifosfato de adenosina extracelular (eATP) é o regulador fundamental em todas as vias da CDR.

ATP como molécula sinalizadora

O ATP é a moeda energética de toda a vida na Terra. Cerca de 90% do ATP é produzido nas mitocôndrias intracelulares e utilizado em todas as vias metabólicas.

Fora da célula, o eATP atua como molécula de informação, ligando-se a receptores purinérgicos para sinalizar perigo, metabolismo alterado e induzir a CDR. É uma das moléculas sinalizadoras mais potentes conhecidas, capaz de se ligar a receptores presentes em todas as células do corpo.

A sequência inicia-se com a ativação da imunidade inata, passando por respostas agudas localizadas e podendo evoluir para respostas sistêmicas, com possível impacto no neurodesenvolvimento humano.

ATP no metabolismo do TEA

Alterações no metabolismo de purinas e na sinalização purinérgica em resposta ao ATP foram identificadas em estudos experimentais e humanos, e confirmadas por análises multi-ômicas. O eATP é fundamental para diversos aspectos do desenvolvimento neurológico alterados no TEA, como ativação de mastócitos e micróglia, sensibilização neuronal e neuroplasticidade.

As mitocôndrias, responsáveis pela geração de ATP, processam dados, fornecem alertas precoces e iniciam respostas rápidas às mudanças ambientais. Elas executam cerca de 800 reações metabólicas, mais da metade reguladas pelo ATP e seus derivados. A disfunção mitocondrial crônica no TEA prejudica vias metabólicas e expressão gênica, interrompendo o curso normal do neurodesenvolvimento.

O que o estudo mostrou?

Usando métodos clássicos de metabolômica e redes avançadas, pesquisadores analisaram 205 recém-nascidos “pré-ASD” e 53 crianças de 5 anos com ASD. Foram identificadas 14 vias bioquímicas que explicam cerca de 80 % dos impactos metabólicos — e essas alterações convergem em moléculas de stress fisiológico (como lactato, glicerol, colesterol e ceramidas), enquanto as defesas anti-inflamatórias e antioxidantes (glutationa, CoQ10, vitaminas B, entre outros) estiveram reduzidas.

Recém-nascidos dos grupos pré-TEA e de desenvolvimento típico (DT) não apresentaram diferenças na exposição a fatores ambientais durante a gestação e primeira infância. Cerca de 50% das crianças pré-TEA apresentaram regressão do desenvolvimento em algum momento, contra 2% no grupo DT. A idade média de diagnóstico do TEA foi de 3,3 anos.

No grupo TEA, alguns metabólitos — incluindo moléculas de estresse e a purina 7-metilguanina — estavam aumentados no nascimento e continuaram a aumentar até os 5 anos. Houve também alterações em lipídios complexos, antioxidantes, neurotransmissores como dopamina, e vitaminas. Usando seis ou sete biomarcadores, foi possível distinguir pré-TEA de DT com 75% de acurácia ao nascimento e 90% aos 5 anos.

Mecanismos potenciais do TEA

As mudanças mais relevantes afetaram grupos específicos de lipídios complexos, com destaque para ceramidas, que podem causar morte celular e perda de função mitocondrial. A perda de correlações negativas entre ceramidas e purinas leva ao acúmulo dessas substâncias, resultando em disfunção mitocondrial e apoptose celular.

Esse processo reduz a atividade anti-inflamatória, reservas antioxidantes e aumenta a resposta ao estresse, piorando com a idade. A repetida ativação da CDR pode levar a danos oxidativos nas membranas celulares, reduzindo a função mitocondrial e atrasando respostas a estressores ambientais.

O estudo confirma que o TEA está associado a perfis metabólicos distintos dos observados em crianças com desenvolvimento típico, variando com idade, sexo e gravidade. A falha na reversão normal da rede de purinas pode impedir a mudança da rede GABAérgica de excitatória para inibitória, resultando em excesso de sinalização excitatória no TEA. Isso pode explicar a necessidade de rotina rígida em crianças com TEA para evitar ansiedade causada por mudanças inesperadas.

Pesquisas futuras poderão usar esses achados para desenvolver ferramentas de triagem para identificar precocemente recém-nascidos e bebês com risco de TEA, possibilitando intervenção precoce e melhores resultados clínicos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolômica das ceramidas na doença de Alzheimer

A metabolômica das ceramidas é uma área da metabolômica focada no estudo das ceramidas, que são uma classe de lipídios complexos envolvidos em diversas funções biológicas, incluindo a regulação da integridade da membrana celular, a sinalização celular e a apoptose (morte celular programada).

Aspectos principais da metabolômica das ceramidas:

  1. Identificação e quantificação – Técnicas como espectrometria de massas (MS) acoplada à cromatografia líquida de alta eficiência (LC-MS) são utilizadas para detectar diferentes tipos de ceramidas e seus metabólitos.

  2. Papel fisiológico e patológico – As ceramidas estão envolvidas em doenças metabólicas (como diabetes tipo 2), cardiovasculares, neurodegenerativas e câncer.

  3. Interação com vias metabólicas – Elas fazem parte do metabolismo dos esfingolipídios, regulando processos inflamatórios, resistência à insulina e estresse oxidativo.

  4. Biomarcadores – O perfil de ceramidas pode servir como biomarcador para diversas doenças, sendo usado para diagnóstico e prognóstico.

  5. Efeito da dieta e estilo de vida – O consumo de gorduras específicas e o exercício físico podem modular os níveis de ceramidas no organismo.

Estudo das ceramidas no Alzheimer

O papel da metabolômica da ceramida na compreensão da doença de Alzheimer (DA) é significativo, pois destaca o envolvimento do metabolismo dos esfingolipídeos na patogênese da doença.

As ceramidas estão implicadas na apoptose neuronal, particularmente por meio de mecanismos que envolvem estresse oxidativo e acúmulo de β-amiloide (Aβ). Níveis elevados de ceramida podem aumentar a produção de Aβ ao estabilizar a β-secretase, levando a um ciclo de retroalimentação que exacerba o dano neuronal [1].

Alterações no metabolismo da ceramida contribuem para a disfunção mitocondrial, comprometimento da autofagia e interrupção da homeostase neuronal, todos críticos na progressão da DA. Essa desregulação está ligada às características fisiopatológicas gerais da DA, incluindo declínio cognitivo e morte celular [2].

Estudos multiômicos recentes caracterizaram a via ceramida/esfingomielina como um alvo terapêutico. Essas análises identificaram variantes genéticas e alterações metabólicas associadas ao metabolismo da ceramida que se correlacionam com características de imagem em pacientes com DA, sugerindo potenciais caminhos para o tratamento [3].

A compreensão da metabolômica da ceramida abre possibilidades para intervenções terapêuticas que visam modular os níveis ou vias de ceramida. Por exemplo, agentes que influenciam o metabolismo dos esfingolipídeos podem ajudar a aliviar os comprometimentos cognitivos associados à DA [3].

Em resumo, a metabolômica da ceramida fornece insights sobre as vias bioquímicas envolvidas na doença de Alzheimer, destacando seu potencial como alvo para estratégias terapêuticas.

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Referências

1) M Jazvinšćak Jembrek et al. Ceramides in Alzheimer's Disease: Key Mediators of Neuronal Apoptosis Induced by Oxidative Stress and Aβ Accumulation. Oxidative medicine and cellular longevity (2015). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26090071/

2) MR Chowdhury et al. Diverse Roles of Ceramide in the Progression and Pathogenesis of Alzheimer's Disease. Biomedicines (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36009503/

3) P Baloni et al. Multi-Omic analyses characterize the ceramide/sphingomyelin pathway as a therapeutic target in Alzheimer's disease. Communications biology (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36209301/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/