O que os micróbios do seu intestino realmente comem – e por que isso importa?

Nos bastidores do seu sistema digestivo, existe uma engrenagem microscópica essencial à sua saúde: o microbioma intestinal. Ele é composto por trilhões de microrganismos que trabalham para fazer o que seu corpo não consegue fazer sozinho — especialmente quando se trata da digestão de fibras.

Por que precisamos dos micróbios?

Nosso intestino não possui enzimas para quebrar certos tipos de carboidratos complexos, como as fibras alimentares. Esses compostos seguem praticamente intactos até o intestino grosso, onde entram em cena as bactérias intestinais. É ali que elas fermentam essas fibras, transformando-as em ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), como o butirato, que alimentam as células intestinais e fortalecem a barreira contra infecções.

Ou seja, o que você come alimenta também os micróbios que vivem em você — e isso tem implicações diretas na sua saúde imunológica, digestiva e até neurológica.

Prebióticos e probióticos: a dupla dinâmica

  • Prebióticos são fibras e compostos vegetais que servem como alimento para as bactérias benéficas. Exemplos: cebola, alho, grãos integrais, soja e banana verde.

  • Probióticos, por outro lado, já contêm microrganismos vivos — como os encontrados em iogurtes e alimentos fermentados.

A combinação dos dois pode promover uma microbiota mais diversa, funcional e protetora.

Quem são os protagonistas do microbioma?

Dois grupos bacterianos dominam o intestino humano: Firmicutes e Bacteroidetes. Ambos têm a capacidade de digerir fibras, mas os Bacteroidetes são particularmente versáteis. Eles possuem enzimas altamente especializadas que lhes permitem decompor uma variedade muito maior de carboidratos vegetais.

Alguns exemplos do poder dos Bacteroidetes:

  • Xiloglucanos: Açúcares complexos presentes em frutas e vegetais como alface, cebola e tomate. Os Bacteroidetes utilizam genes específicos chamados XyGULs para quebrá-los eficientemente.

  • Arabinoxilanos: Encontrados em grãos como trigo e centeio, esses compostos também são inacessíveis ao corpo humano sem ajuda bacteriana. Além disso, sua fermentação libera ácido ferúlico, uma molécula com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e neuroprotetoras.

Como os microrganismos digerem as fibras?

Os pesquisadores identificaram um sistema genético altamente coordenado chamado PULs (Polysaccharide Utilization Loci). Esse sistema é responsável por reconhecer, quebrar e importar carboidratos complexos. O processo ocorre em cinco etapas principais:

  1. Reconhecimento: A bactéria identifica o tipo de fibra.

  2. Iniciação: Enzimas clivam o polissacarídeo em pedaços menores.

  3. Importação: Os oligossacarídeos entram na célula bacteriana.

  4. Regulação: Esses pedaços sinalizam quais genes devem ser ativados.

  5. Despolimerização: Finalmente, os açúcares são convertidos em unidades simples e aproveitados.

Esse mecanismo é tão específico que diferentes PULs são ativados conforme o tipo de fibra presente — quase como se cada grupo de micróbios tivesse uma chave para cada tipo de cadeado vegetal.

Como alimentar bem o seu microbioma?

Embora cada pessoa tenha uma microbiota única, há consenso de que dietas ricas em fibras diversas ajudam a nutrir uma microbiota mais saudável. Exemplos de alimentos ricos em fibras prebióticas incluem:

  • Cebola, alho e alho-poró

  • Alcachofra

  • Grãos integrais (aveia, cevada, centeio)

  • Leguminosas (feijão, lentilha, soja)

  • Frutas como maçã e banana verde

Ao incluir esses alimentos no dia a dia, você não está apenas se alimentando — está construindo um ecossistema intestinal mais forte, diversificado e funcional. Aprenda muito mais no curso de modulação intestinal.

Seu bem-estar depende, em grande parte, da saúde do seu microbioma. Ao priorizar alimentos ricos em fibras e prebióticos, você fortalece a base da sua digestão, imunidade e até mesmo da saúde mental. Afinal, um intestino bem nutrido é uma das chaves para um corpo equilibrado. Precisa de ajuda? Marque sua consulta de nutrição.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Como a Fibra Alimentar Influencia o Cérebro e o Humor?

A conexão entre o intestino e o cérebro está longe de ser meramente digestiva. A revisão científica de La Torre, Verbeke, & Daillie (2021) investiga de forma abrangente como a fibra alimentar, por meio de mecanismos dependentes e independentes da microbiota intestinal, pode modular processos afetivos (como humor e ansiedade) e cognitivos (como memória e atenção).

Fatores que contribuem para a atividade do eixo intestino-cérebro (Hou et al., 2022).

Sistema Imunológico: A Ponte Entre Inflamação e Emoções

O sistema imunológico desempenha um papel crítico na regulação do humor e da cognição. Quando ativado — seja por infecções ou por desafios como vacinação — o corpo libera citocinas inflamatórias (IL-6, TNF-α, etc.) que afetam negativamente o humor, aumentando o risco de sintomas como ansiedade e tristeza, mesmo sem sinais de doença física.

Numerosos estudos correlacionam níveis elevados dessas citocinas com sintomas depressivos e declínio cognitivo, especialmente em pacientes com depressão maior (TDM). Ao contrário, medicamentos estabilizadores do humor, antidepressivos e antipsicóticos mostram efeitos anti-inflamatórios, sugerindo que a inflamação pode ser um alvo terapêutico para melhorar a saúde mental.

AGCC: Subprodutos da Fermentação Intestinal que Atuam no Sistema Imunológico

Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como butirato, propionato e acetato, são produzidos pela fermentação da fibra pela microbiota intestinal. Eles exercem forte ação imunomoduladora, reduzindo a inflamação por meio da ativação de receptores como FFAR2/3 e inibição da desacetilação de histonas (HDACs).

Destaques:

  • Butirato é o mais potente: promove células T reguladoras (Treg), aumenta IL-10 (anti-inflamatória) e reduz IL-6, IL-12, IFN-γ e IL-2.

  • Em animais, dietas ricas em fibras fermentáveis reduziram citocinas inflamatórias cerebrais e sistêmicas.

  • Em humanos, fibras prebióticas reduzem marcadores inflamatórios.

Barreira Intestinal: A Linha de Defesa que Também Afeta o Cérebro

A integridade da barreira intestinal evita que toxinas entrem na corrente sanguínea. Quando essa barreira é comprometida, substâncias pró-inflamatórias invadem o corpo, aumentando a inflamação sistêmica e afetando o humor e a cognição.

AGCC fortalecem a barreira intestinal:

  • Butirato e outros AGCC aumentam a formação de junções estreitas entre células intestinais, diminuem a permeabilidade e reduzem a inflamação induzida por estresse.

  • Alguns ensaios clínicos em humanos (com prebióticos como inulina e GOS) sugerem melhorias na função da barreira intestinal e efeitos anti-inflamatórios, mas os resultados são ainda heterogêneos.

Hipertensão: Um Elo Entre Pressão Arterial, Emoções e AGCC

A hipertensão está fortemente associada à piora da função cognitiva e maior prevalência de transtornos de humor. Estudos sugerem que o controle da pressão arterial pode retardar o declínio cognitivo, mas os efeitos sobre o humor ainda são inconclusivos.

A relação com a fibra:

  • AGCC como butirato, propionato e acetato demonstraram reduzir a pressão arterial em modelos animais.

  • Pacientes hipertensos têm menos bactérias produtoras de butirato, o que sugere uma conexão causal.

  • Em humanos, a maior ingestão de fibras se associa a menor pressão arterial, mas é necessário esclarecer se isso se deve aos AGCC.

BDNF: O Fator de Crescimento que Liga Intestino e Cérebro

O BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) é crucial para a neuroplasticidade, memória e saúde emocional. A revisão aponta que:

  • A fibra alimentar pode aumentar o BDNF por meio da modulação da microbiota (especialmente Bifidobacterium e Lactobacillus).

  • Ensaios em animais mostram que simbióticos (probióticos + fibras) elevam os níveis de BDNF e melhoram a cognição.

  • Em humanos, o consumo de pão de centeio (rico em fibras fermentáveis) aumentou os níveis de BDNF, embora a relação com SCFAs não tenha sido diretamente avaliada.

Efeitos Diretos da Fibra no Sistema Imunológico

Embora a maioria dos efeitos da fibra passe pela fermentação microbiana, alguns tipos de fibra exercem ação direta sobre o sistema imune:

  • A celulose, pouco fermentável, reduziu inflamação em camundongos mesmo sem aumentar SCFAs.

  • Os β-glucanos, encontrados em aveia e cevada, ativam receptores imunes e mostram promissor potencial antialérgico — mas seus efeitos sobre cognição e humor ainda precisam ser explorados.

Colesterol: Nutriente Neuronal com Implicações Emocionais

Embora essencial para a função neuronal, o colesterol elevado (especialmente LDL) está ligado à depressão, enquanto o HDL parece protetor.

  • A fibra solúvel, como pectina e β-glucano, reduz o colesterol por inibir sua reabsorção intestinal.

  • Essa redução pode ter efeito indireto no humor e cognição via menor inflamação e menor risco cardiovascular.

  • O impacto das estatinas (redutores de colesterol) sobre o humor é controverso: alguns estudos apontam melhora, outros piora.

Conclusão: Fibra é Muito Mais do que "Intestino Feliz"

A revisão de La Torre et al. mostra que fibras alimentares — especialmente as fermentáveis — influenciam diretamente a função cerebral, afetando humor e cognição por meio de:

  • Redução da inflamação sistêmica e cerebral

  • Fortalecimento da barreira intestinal

  • Modulação da microbiota intestinal

  • Aumento da produção de SCFAs

  • Elevação dos níveis de BDNF

  • Melhora da pressão arterial e do perfil lipídico

Implicações para o Futuro

A compreensão desses mecanismos abre caminho para nutrição personalizada, voltada para a saúde mental. Incorporar fibras fermentáveis (como inulina, FOS, GOS, β-glucanos) à dieta pode representar uma estratégia acessível e natural para manter o equilíbrio emocional e cognitivo — especialmente em tempos de estresse crônico e envelhecimento populacional.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Envelhecer com autismo: qual é a relação com a doença de Alzheimer?

Pesquisas indicam diversas conexões e sintomas sobrepostos entre autismo e doença de Alzheimer. Por exemplo, um estudo encontrou sobreposição significativa em comportamentos característicos do transtorno do espectro autista (TEA) e sintomas comportamentais e psiquiátricos em adultos com doença de Alzheimer e demências relacionadas. Isso sugere que comportamentos semelhantes ao TEA podem se manifestar em idosos com comprometimento cognitivo neurodegenerativo, indicando uma potencial expressão comportamental compartilhada ao longo da vida [1].

Avaliação de 142 idosos com comprometimento cognitivo revelaram que comportamentos característicos de TEA podem surgir de novo no contexto da demência degenerativa. Participantes com mais sintomas de autismo demonstraram idade mais precoce no início do comprometimento cognitivo assim como maior gravidade dos sintomas de demência [2].

A metilação anormal do gene da apolipoproteína E (APOE), já associada à doença de Alzheimer, tem também sido associada ao TEA. Um estudo envolvendo 62 pacientes pediátricos com TEA encontrou uma metilação significativamente maior da APOE em comparação com controles saudáveis, sugerindo mecanismos sobrepostos entre o TEA e a doença de Alzheimer [3]. Outros genes associados ao autismo (como o CHD8, SHANK3, etc.) também estão sendo estudados em relação à neurodegeneração.

Contudo, uma investigação de randomização (aleatorização) mendeliana, que explorou a relação causal entre a responsabilidade genética para o TDAH e o TEA na doença de Alzheimer, encontrou evidências limitadas sugerindo um efeito causal da responsabilidade genética para o TEA na doença de Alzheimer. Ou seja, embora possa haver fatores genéticos compartilhados, eles não se traduzem necessariamente em uma relação causal direta [4]. Lembrando que existem outros fatores de risco para o Alzheimer, fora a genética, incluindo disfunção mitocondrial, estresse oxidativo, neuroinflamação, glicação.

A análise de dados do Medicaid e do Medicare de 2011 a 2019 mostrou que a doença de Alzheimer e demências relacionadas são prevalentes entre adultos autistas. A prevalência aumentou de 2,09% em 2011 para 8,11% em 2019, com uma idade média de início de 59,3 anos [5]. Ou seja, as intervenções preventivas precisam começar cedo, uma vez que as alterações cerebrais que levam ao Alzheimer podem começar entre 15 e 30 anos antes do diagnóstico.

Um estudo de caso-controle constatou que adultos com TEA têm aproximadamente 2,6 vezes mais probabilidade de serem diagnosticados com demência de início precoce em comparação com a população em geral. Isso destaca um risco maior de demência em indivíduos com TEA, particularmente aqueles com deficiência intelectual concomitante [6]. O estilo de vida da família precisa ser o mais saudável possível, com atividade física, alimentação saudável, caseira, rica em antioxidantes e componentes antiinflamatórias, com pouco açúcar e suplementação adequada.

Pacientes com demência semântica exibiram comportamentos semelhantes aos observados no TEA, como estereotipia e comprometimento social. O estudo constatou que esses comportamentos aumentaram significativamente após o início da demência, sugerindo semelhanças sintomáticas entre a demência semântica e o TEA [7]. Demência semântica é uma forma de demência frontotemporal (DFT) que afeta principalmente a capacidade da pessoa de compreender ou expressar significados de palavras, objetos e conceitos — ou seja, o conhecimento semântico.

Movimentos estereotipados, comuns no autismo, também foram observados em pacientes com demência frontotemporal. Pacientes com DFT exibiram mais movimentos estereotipados em comparação com aqueles com doença de Alzheimer, indicando uma potencial ligação fisiopatológica entre esses transtornos [8].

Envelhecer com autismo

Pessoas autistas estão vivendo mais, e isso levanta questões importantes:

  • Como é o envelhecimento cognitivo em pessoas com TEA?

  • Elas têm de fato mais chance de desenvolver demência?

  • Como reconhecer Alzheimer em alguém com autismo que já tem dificuldades cognitivas/comunicativas?

Desafios no diagnóstico: Alzheimer em pessoas autistas

É muito difícil diagnosticar Alzheimer em alguém com autismo, especialmente se:

  • A pessoa tem autismo severo ou não verbal

  • Já apresenta déficits cognitivos ou funcionais desde cedo

Mudanças sutis de memória, linguagem ou comportamento podem passar despercebidas, pois podem ser confundidas com características do próprio autismo.

O que observar com o envelhecimento no autismo

Fique atento a:

  • Mudança repentina de rotina ou comportamentos

  • Perda de habilidades já adquiridas

  • Desorientação em lugares familiares

  • Dificuldade crescente com atividades diárias

Esses podem ser sinais de demência, e vale buscar avaliação com neurologista ou geriatra experiente em TEA.

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Referências

1) EK Rhodus et al. Comparison of behaviors characteristic of autism spectrum disorder behaviors and behavioral and psychiatric symptoms of dementia. Aging & mental health (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33222510/

2) EK Rhodus et al. Behaviors Characteristic of Autism Spectrum Disorder in a Geriatric Cohort With Mild Cognitive Impairment or Early Dementia. Alzheimer disease and associated disorders (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31517641/

3) Z Hu et al. APOE hypermethylation is associated with autism spectrum disorder in a Chinese population. Experimental and therapeutic medicine (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29844799/

4) P Pagoni et al. Exploring the causal effects of genetic liability to ADHD and Autism on Alzheimer's disease. Translational psychiatry (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36182936/

5) S Tewolde et al. Epidemiology of Alzheimer Disease and Related Dementia Among Medicare and Medicaid Enrolled Autistic Adults, 2011-2019. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40166852/

6) G Vivanti et al. The prevalence and incidence of early-onset dementia among adults with autism spectrum disorder. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34378867/

7) S Sakuta et al. Clinical features of behavioral symptoms in patients with semantic dementia: Does semantic dementia cause autistic traits?. PloS one (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33600474/

8) MF Mendez et al. Stereotypical movements and frontotemporal dementia. Movement disorders : official journal of the Movement Disorder Society (2005). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15786492/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/