Envelhecer com autismo: qual é a relação com a doença de Alzheimer?

Pesquisas indicam diversas conexões e sintomas sobrepostos entre autismo e doença de Alzheimer. Por exemplo, um estudo encontrou sobreposição significativa em comportamentos característicos do transtorno do espectro autista (TEA) e sintomas comportamentais e psiquiátricos em adultos com doença de Alzheimer e demências relacionadas. Isso sugere que comportamentos semelhantes ao TEA podem se manifestar em idosos com comprometimento cognitivo neurodegenerativo, indicando uma potencial expressão comportamental compartilhada ao longo da vida [1].

Avaliação de 142 idosos com comprometimento cognitivo revelaram que comportamentos característicos de TEA podem surgir de novo no contexto da demência degenerativa. Participantes com mais sintomas de autismo demonstraram idade mais precoce no início do comprometimento cognitivo assim como maior gravidade dos sintomas de demência [2].

A metilação anormal do gene da apolipoproteína E (APOE), já associada à doença de Alzheimer, tem também sido associada ao TEA. Um estudo envolvendo 62 pacientes pediátricos com TEA encontrou uma metilação significativamente maior da APOE em comparação com controles saudáveis, sugerindo mecanismos sobrepostos entre o TEA e a doença de Alzheimer [3]. Outros genes associados ao autismo (como o CHD8, SHANK3, etc.) também estão sendo estudados em relação à neurodegeneração.

Contudo, uma investigação de randomização (aleatorização) mendeliana, que explorou a relação causal entre a responsabilidade genética para o TDAH e o TEA na doença de Alzheimer, encontrou evidências limitadas sugerindo um efeito causal da responsabilidade genética para o TEA na doença de Alzheimer. Ou seja, embora possa haver fatores genéticos compartilhados, eles não se traduzem necessariamente em uma relação causal direta [4]. Lembrando que existem outros fatores de risco para o Alzheimer, fora a genética, incluindo disfunção mitocondrial, estresse oxidativo, neuroinflamação, glicação.

A análise de dados do Medicaid e do Medicare de 2011 a 2019 mostrou que a doença de Alzheimer e demências relacionadas são prevalentes entre adultos autistas. A prevalência aumentou de 2,09% em 2011 para 8,11% em 2019, com uma idade média de início de 59,3 anos [5]. Ou seja, as intervenções preventivas precisam começar cedo, uma vez que as alterações cerebrais que levam ao Alzheimer podem começar entre 15 e 30 anos antes do diagnóstico.

Um estudo de caso-controle constatou que adultos com TEA têm aproximadamente 2,6 vezes mais probabilidade de serem diagnosticados com demência de início precoce em comparação com a população em geral. Isso destaca um risco maior de demência em indivíduos com TEA, particularmente aqueles com deficiência intelectual concomitante [6]. O estilo de vida da família precisa ser o mais saudável possível, com atividade física, alimentação saudável, caseira, rica em antioxidantes e componentes antiinflamatórias, com pouco açúcar e suplementação adequada.

Pacientes com demência semântica exibiram comportamentos semelhantes aos observados no TEA, como estereotipia e comprometimento social. O estudo constatou que esses comportamentos aumentaram significativamente após o início da demência, sugerindo semelhanças sintomáticas entre a demência semântica e o TEA [7]. Demência semântica é uma forma de demência frontotemporal (DFT) que afeta principalmente a capacidade da pessoa de compreender ou expressar significados de palavras, objetos e conceitos — ou seja, o conhecimento semântico.

Movimentos estereotipados, comuns no autismo, também foram observados em pacientes com demência frontotemporal. Pacientes com DFT exibiram mais movimentos estereotipados em comparação com aqueles com doença de Alzheimer, indicando uma potencial ligação fisiopatológica entre esses transtornos [8].

Envelhecer com autismo

Pessoas autistas estão vivendo mais, e isso levanta questões importantes:

  • Como é o envelhecimento cognitivo em pessoas com TEA?

  • Elas têm de fato mais chance de desenvolver demência?

  • Como reconhecer Alzheimer em alguém com autismo que já tem dificuldades cognitivas/comunicativas?

Desafios no diagnóstico: Alzheimer em pessoas autistas

É muito difícil diagnosticar Alzheimer em alguém com autismo, especialmente se:

  • A pessoa tem autismo severo ou não verbal

  • Já apresenta déficits cognitivos ou funcionais desde cedo

Mudanças sutis de memória, linguagem ou comportamento podem passar despercebidas, pois podem ser confundidas com características do próprio autismo.

O que observar com o envelhecimento no autismo

Fique atento a:

  • Mudança repentina de rotina ou comportamentos

  • Perda de habilidades já adquiridas

  • Desorientação em lugares familiares

  • Dificuldade crescente com atividades diárias

Esses podem ser sinais de demência, e vale buscar avaliação com neurologista ou geriatra experiente em TEA.

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Referências

1) EK Rhodus et al. Comparison of behaviors characteristic of autism spectrum disorder behaviors and behavioral and psychiatric symptoms of dementia. Aging & mental health (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33222510/

2) EK Rhodus et al. Behaviors Characteristic of Autism Spectrum Disorder in a Geriatric Cohort With Mild Cognitive Impairment or Early Dementia. Alzheimer disease and associated disorders (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31517641/

3) Z Hu et al. APOE hypermethylation is associated with autism spectrum disorder in a Chinese population. Experimental and therapeutic medicine (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29844799/

4) P Pagoni et al. Exploring the causal effects of genetic liability to ADHD and Autism on Alzheimer's disease. Translational psychiatry (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36182936/

5) S Tewolde et al. Epidemiology of Alzheimer Disease and Related Dementia Among Medicare and Medicaid Enrolled Autistic Adults, 2011-2019. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40166852/

6) G Vivanti et al. The prevalence and incidence of early-onset dementia among adults with autism spectrum disorder. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34378867/

7) S Sakuta et al. Clinical features of behavioral symptoms in patients with semantic dementia: Does semantic dementia cause autistic traits?. PloS one (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33600474/

8) MF Mendez et al. Stereotypical movements and frontotemporal dementia. Movement disorders : official journal of the Movement Disorder Society (2005). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15786492/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Teoria da mente e autismo

A Teoria da Mente (ToM) é um conceito fundamental para entender as interações sociais e a comunicação humana, e sua relação com o autismo é um campo de estudo importante.

O que é a Teoria da Mente?

A Teoria da Mente é a capacidade cognitiva de atribuir estados mentais — crenças, intenções, desejos, emoções e conhecimentos — a si mesmo e aos outros. Em termos mais simples, é a habilidade de entender que outras pessoas têm pensamentos e sentimentos diferentes dos nossos, e que esses pensamentos e sentimentos influenciam o comportamento delas.

Essa habilidade é crucial para:

  • Empatia: Compreender e se conectar com os sentimentos alheios.

  • Comunicação eficaz: Adaptar a forma de se expressar e interpretar o que os outros dizem, incluindo ironias, sarcasmos e significados implícitos.

  • Resolução de conflitos: Prever as intenções dos outros e navegar em situações sociais complexas.

  • Jogos sociais: Entender as regras não ditas das interações.

Teoria da Mente e Autismo

Nos debates contemporâneos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a Teoria da Mente tem sido um dos principais focos para explicar algumas das características centrais do autismo. A hipótese é que indivíduos no espectro autista podem apresentar um déficit na Teoria da Mente, o que torna a compreensão dos estados mentais alheios mais desafiadora. Essa dificuldade é, por vezes, chamada de "cegueira mental".

As manifestações desse déficit podem incluir:

  • Interpretação literal: Dificuldade em compreender metáforas, ironias, sarcasmos e duplos sentidos. A pessoa com autismo tende a interpretar as coisas exatamente como são ditas.

  • Dificuldade com jogos sociais: Problemas para entender as regras implícitas das interações sociais e para participar de brincadeiras de faz-de-conta.

  • Problemas de empatia: Embora não signifique ausência de empatia, pode haver dificuldade em reconhecer e reagir adequadamente às emoções dos outros, o que por vezes é confundido com falta de interesse ou arrogância.

  • Incapacidade de prever o comportamento alheio: Dificuldade em antecipar como outras pessoas podem reagir em determinadas situações, baseando-se em seus pensamentos ou sentimentos.

  • Dificuldade em expressar as próprias emoções: Além de reconhecer as emoções alheias, pode haver um desafio em expressar as próprias emoções de forma compreensível para os outros.

Baron-Cohen é um psicólogo e pesquisador influente no campo do autismo. É atualmente diretor do Centro de Pesquisa do Autismo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Ele foi um dos primeiros a propor que pessoas autistas podem ter dificuldades em inferir pensamentos e emoções dos outros — habilidade que vimos ser conhecida como "teoria da mente". Desenvolveu a teoria de que indivíduos com autismo tendem a ser mais "sistematizadores" do que "empatizadores", o que ajuda a explicar certos padrões cognitivos característicos.

No contexto do trabalho de Baron-Cohen, a empatia é dividida em dois componentes principais, que se relacionam com a teoria da mente:

Empatia Cognitiva: É o elemento de reconhecimento – a capacidade de reconhecer o que alguém está pensando ou sentindo, inferindo a partir de sua expressão facial, linguagem corporal, tom de voz ou contexto. É essencialmente a capacidade de "ler a mente" de outra pessoa.

Empatia Afetiva: É a resposta emocional apropriada ao estado mental de outra pessoa, ou seja, ter uma reação emocional adequada ao que o outro está sentindo, como o desejo de aliviar o sofrimento de alguém.

Para o pesquisador, os cérebros autistas se desenvolvem de forma diferente, não necessariamente desordenada. As habilidades de sistematização (análise e compreensão de sistemas regidos por regras, reconhecimento de padrões) são frequentemente melhores em pessoas autistas do que em pessoas não autistas e são um grande trunfo.

De toda forma, dificuldades na Teoria da Mente podem levar a mal-entendidos em ambientes sociais, prejudicando a formação de amizades, relacionamentos familiares e a integração social de forma geral.

Mas, a Teoria da Mente é uma habilidade que pode ser desenvolvida e aprimorada. Estratégias e abordagens terapêuticas são utilizadas para auxiliar no desenvolvimento dessa capacidade em indivíduos com autismo, como:

  • Treinamento de Reconhecimento de Emoções: Utilização de recursos visuais (cartões, aplicativos) para ensinar as emoções básicas e suas expressões faciais.

  • Modelagem de Comportamento: Demonstrar e praticar comportamentos sociais adequados em diferentes situações.

  • Jogos de Simulação e Histórias Sociais: Criar cenários e narrativas que ajudem a criança a compreender diferentes perspectivas e consequências de ações.

  • Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCC): Abordagens que visam aprimorar habilidades sociais e de comunicação.

  • Brincadeiras de faz-de-conta: Estimular a criança a assumir diferentes papéis e a criar mundos de fantasia para desenvolver a compreensão de outras perspectivas.

O objetivo dessas intervenções é promover uma melhor integração social, aumentar a autonomia e reduzir a frustração em situações sociais complexas, capacitando o indivíduo a navegar de forma mais eficaz no mundo social.

A relação entre a Teoria da Mente e o autismo destaca a importância de compreender as particularidades do funcionamento cognitivo no TEA para desenvolver estratégias de suporte eficazes.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Gestação saudável para um bebê saudável

O artigo Prenatal Nutritional Factors and Neurodevelopmental Disorders: A Narrative Review (Cernigliaro et al., 2024) revisa como fatores nutricionais pré-concepcionais e pré-natais influenciam o desenvolvimento cerebral fetal e sua relação com transtornos neurodesenvolvimentais (como TEA e TDAH). Destaca a relevância de nutrientes, padrões dietéticos, exposições ambientais (ex.: metais pesados) e mecanimos epigenéticos.

Dietas balanceadas, ricas em proteínas e micronutrientes, correlacionam-se com melhor desenvolvimento motor e resolutivo em crianças até 3 anos; padrões pobres em ferro refletem em piores desempenhos durante a gestação. Por outro lado, dietas desequilibradas (especialmente as ricas em alimentos ultraprocessados) associam-se a maior risco de transtornos do neurodesenvolvimento.

O neurodesenvolvimento fetal é um processo altamente ordenado e sensível, que ocorre desde a concepção até os primeiros anos de vida. Ele envolve várias fases críticas:

1. Neurulação (3ª a 4ª semana gestacional)

Formação do tubo neural, estrutura que dará origem ao cérebro e à medula espinhal.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ácido fólico (vitamina B9): Previne defeitos do tubo neural (como espinha bífida e anencefalia).

    • Vitamina B12: Cofator para metilação do DNA, atua em conjunto com o folato.

    • Zinco: Participa na divisão celular e diferenciação neural.

Deficiências nessa fase têm consequências estruturais graves e irreversíveis.

2. Proliferação neural (5ª a 20ª semana gestacional)

Multiplicação de células neurais (neuroblastos) na zona ventricular.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ferro: Essencial para a síntese de neurotransmissores e divisão celular.

    • Ácido docosahexaenoico (DHA, um tipo de ômega-3): Estimula crescimento celular e plasticidade.

    • Proteínas: Fundamentais para a síntese de novas células.

3. Migração neuronal (12ª a 24ª semana)

As células nervosas recém-formadas se deslocam para suas posições finais no cérebro.

  • Nutrientes essenciais:

    • Iodo: Fundamental para hormônios tireoidianos, que regulam o ritmo da migração.

    • Colina: Regula genes associados à migração e diferenciação.

    • Vitamina A: Atua na sinalização celular (ácido retinoico).

4. Diferenciação e sinaptogênese (final do 2º trimestre até pós-nascimento)

Neurônios se especializam (ex: motores, sensoriais) e formam sinapses (conexões).

  • Nutrientes essenciais:

    • Colina e DHA: Importantes para formação e estabilidade das membranas sinápticas.

    • Ferro e zinco: Cofatores para enzimas envolvidas na neurotransmissão.

    • Vitamina C: Cofator na síntese de dopamina e colágeno (estrutura cerebral).

5. Mielinização (a partir do 3º trimestre e continua até 2 anos pós-natal)

Formação da bainha de mielina, que isola os axônios e aumenta a velocidade dos impulsos nervosos.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ácidos graxos poli-insaturados (DHA, ARA): Componentes estruturais da mielina.

    • Colina: Precursor da esfingomielina.

    • Vitamina B12 e ferro: Necessários para a síntese de mielina.

Após a gestação o cuidado continua pois o cérebro do bebê continua a desenvolver-se de forma acelerada, exigindo muitos estímulos, amor e uma gama de nutrientes.

Além da deficiência de micro e macronutrientes, outros fatores podem afetar o neurodesenvolvimento, incluindo genética, doenças maternas, infecções, uso de medicamentos, exposições tóxicas. Estes fatores afetam a programação fetal.

Fatores de risco ambientais

Exposição pré-natal a toxinas (álcool, chumbo, mercúrio, pesticidas, fumaça de tabaco, BPA, etc.) agrava o risco de atrasos neurodesenvolvimentais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/