Terapia transpessoal na compulsão alimentar

A terapia transpessoal aplicada à compulsão alimentar propõe uma abordagem mais integrativa, que vai além dos aspectos cognitivos e comportamentais do transtorno, incluindo também dimensões emocionais, espirituais e existenciais da experiência humana. Ela reconhece que o comportamento alimentar compulsivo pode estar ligado não só a traumas ou desregulação emocional, mas também a um vazio existencial, desconexão interior ou busca por sentido e pertencimento.

Como funciona a terapia transpessoal na compulsão alimentar:

1. Integração de corpo, mente, emoções e espírito:

  • Trabalha a compulsão como um sintoma de desalinhamento interior.

  • Incentiva o resgate da autenticidade e da autoconsciência, favorecendo o autoconhecimento profundo.

2. Ferramentas e técnicas comuns:

  • Meditação e mindfulness com foco existencial ou espiritual.

  • Respiração consciente (breathwork) para acessar conteúdos inconscientes e liberar tensões emocionais.

  • Visualizações guiadas para trabalhar a autoimagem, o relacionamento com o corpo e feridas emocionais.

  • Trabalho com arquétipos e símbolos (baseado em Jung e psicologia profunda).

  • Constelações familiares e trabalho com ancestralidade, quando se identifica uma repetição transgeracional de padrões.

  • Diálogo interno (ex.: com a “parte faminta” ou a “parte controladora” da pessoa).

3. Foco em significado e reconexão:

  • Incentiva a investigação sobre o que a fome representa (fome de amor, de pertencimento, de expressão?).

  • Trabalha com autoaceitação radical e a superação da vergonha, frequentemente associada a comportamentos compulsivos.

  • Pode incluir práticas de espiritualidade laica ou religiosa, conforme a crença da pessoa.

4. Ambiente terapêutico:

  • O terapeuta transpessoal atua mais como um facilitador da jornada interior do que como alguém que aplica técnicas padronizadas.

  • A relação terapêutica é baseada em presença compassiva, escuta profunda e acolhimento não julgador.

Evidência científica:

Embora a terapia transpessoal tenha menos evidências empíricas formais comparada a abordagens como a TCC ou TCD, há estudos qualitativos e relatos clínicos que indicam benefícios significativos na redução da compulsão alimentar, aumento do bem-estar e transformação do relacionamento com o corpo e a comida.

Ela costuma ser mais indicada como complementar a outras abordagens (como TCC ou TCD), especialmente em pessoas que relatam questões existenciais profundas, histórico de traumas complexos ou desejo de um trabalho mais holístico.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Mindfulness como tratamento da compulsão alimentar

Um estudo publicado em 2025 atualizou e ampliou significativamente a revisão de 2015 feita por Godfrey et al., avaliando o impacto de intervenções baseadas em mindfulness (IBMs) no tratamento da compulsão alimentar. Esta nova análise incluiu 54 estudos — quase três vezes mais do que a revisão anterior — refletindo o crescimento substancial do interesse e da produção científica na área ao longo da última década.

Principais Descobertas

Comparação com Grupos de Controle Não-Psicológicos

As intervenções baseadas em mindfulness mostraram efeitos moderados a grandes na redução da compulsão alimentar quando comparadas com condições de controle não-psicológicas (por exemplo, lista de espera ou ausência de tratamento). O tamanho do efeito foi expressivo:

  • Hedge’s g = -0,65 no pós-tratamento

  • Hedge’s g = -0,71 no seguimento

Isso indica que as IBMs são substancialmente mais eficazes do que a ausência de intervenção para reduzir comportamentos de compulsão alimentar (Liu et al., 2025).

Comparação com Intervenções Psicológicas Ativas

Quando comparadas a tratamentos psicológicos bem estabelecidos — como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) — as IBMs não demonstraram superioridade:

  • Hedge’s g = -0,05 no pós-tratamento

  • Hedge’s g = 0,13 no seguimento

Esses resultados sugerem que, embora as IBMs sejam benéficas, elas não superam abordagens clínicas consolidadas como a TCC. De toda forma, como a TCC leva a remissão 30% dos pacientes apenas, precisamos de um leque de opções, como acompanhamento nutricional, mindfulness, medicamentos etc.

Terapia Comportamental Dialética (TCD)

Entre os diferentes tipos de IBMs avaliados, as intervenções inspiradas na Terapia Comportamental Dialética (TCD) destacaram-se. Esses programas demonstraram os maiores tamanhos de efeito na redução da compulsão alimentar, sugerindo que a TCD adaptada para este fim pode ser particularmente eficaz.

A TCD visa a compreensão de visões opostas sobre comportamentos alimentares desordenados e seu uso na redução de sofrimento. Treina atenção plena (mindfulness), tolerância ao sofrimento, regulação emocional, eficácia interpressoal.

Foco Específico na Compulsão Alimentar

Os estudos que focaram especificamente na compulsão alimentar como desfecho primário apresentaram efeitos significativamente maiores do que aqueles em que a compulsão era apenas um desfecho secundário. Isso reforça a importância de uma abordagem direcionada no desenho de intervenções.

Métodos de Entrega Inovadores

Nos estudos mais recentes, há uma tendência crescente de uso de formatos autoajuda e componentes tecnológicos, como aplicativos móveis e plataformas online. Tais formatos têm o potencial de aumentar o acesso e a disseminação dessas intervenções, especialmente em contextos com recursos limitados.

Aspectos Metodológicos

A revisão seguiu as diretrizes PRISMA para revisões sistemáticas e usou a ferramenta de Avaliação da Qualidade do Projeto EPHPP (Effective Public Health Practice Project) para avaliar a qualidade metodológica dos estudos incluídos.

As análises meta-analíticas utilizaram modelos de efeitos aleatórios, apropriados para lidar com a heterogeneidade dos métodos e populações envolvidas nos diferentes estudos.

Direções Futuras

Os autores recomendam:

  • A realização de ensaios clínicos randomizados mais robustos, que comparem diretamente IBMs com outras intervenções psicológicas bem estabelecidas.

  • A avaliação do impacto de diferentes tipos de IBMs, como MBSR (Mindfulness-Based Stress Reduction), MB-EAT (Mindfulness-Based Eating Awareness Training) e DBT.

  • Estudos com períodos de acompanhamento mais longos, para avaliar a manutenção dos efeitos ao longo do tempo.

  • Uma maior inclusão de populações diversas, como homens e indivíduos de diferentes origens étnicas, para melhorar a generalização dos resultados.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Os Bastidores da Saciedade: Como Corpo, Mente e Ambiente Moldam o Apetite

O artigo "Insights into the constellating drivers of satiety impacting dietary patterns and lifestyle", publicado na revista Frontiers in Nutrition em setembro de 2022, oferece uma análise abrangente dos múltiplos fatores que influenciam a saciedade e, consequentemente, os padrões alimentares e o estilo de vida.

🧠 Fatores Internos que Influenciam a Saciedade

A saciedade é regulada por uma complexa rede de sinais fisiológicos e psicológicos. Fatores internos como genética, idade, sexo, composição corporal, metabolismo, sinais gastrointestinais, microbiota intestinal e ritmos circadianos desempenham papéis cruciais na determinação da sensação de saciedade. Por exemplo, a taxa de esvaziamento gástrico e os hormônios intestinais influenciam diretamente o tempo que uma pessoa permanece saciada após uma refeição.

Mecanismos Fisiológicos da Saciedade

A saciedade é uma resposta homeostática complexa, cujo objetivo central é modular a ingestão energética de acordo com as necessidades do corpo. Essa regulação é mediada por sistemas neuroendócrinos e digestivos que sinalizam ao cérebro o status energético atual.

  • Sinais gastrointestinais: Hormônios como a grelina (que estimula o apetite) e a leptina e peptídeo YY (que promovem a saciedade) têm papéis cruciais. A sensibilidade a esses hormônios pode variar individualmente, impactando padrões alimentares.

  • Esvaziamento gástrico: Alimentos ricos em fibra e proteína tendem a retardar o esvaziamento do estômago, prolongando a sensação de saciedade.

  • Metabolismo de substratos: O tipo de macronutriente ingerido influencia o quociente respiratório (QR), que, por sua vez, afeta a percepção de saciedade. Dietas ricas em gordura, por exemplo, têm um impacto menor sobre o QR comparado às dietas ricas em carboidratos.

Fatores Genéticos e Neurocomportamentais

A variabilidade genética pode influenciar o modo como cada indivíduo responde aos estímulos de saciedade:

  • Sensibilidade oral: A densidade e responsividade dos receptores gustativos modulam a experiência sensorial da alimentação, o que afeta tanto o prazer alimentar quanto a saciedade pós-refeição.

  • Traços de personalidade: Pessoas com altos níveis de neuroticismo ou baixos níveis de conscienciosidade tendem a comer de forma mais impulsiva ou emocional, suprimindo os sinais fisiológicos de saciedade.

  • Vulnerabilidade psicológica: Fatores como ansiedade e estresse crônico elevam o cortisol, que por sua vez reduz a percepção de saciedade e aumenta a ingestão calórica, especialmente de alimentos hipercalóricos.

Fatores Externos e Comportamentais

Além dos fatores internos, elementos externos como ambiente alimentar, comportamento alimentar, padrões de sono e cronotipo (preferência por atividades matutinas ou noturnas) também afetam a saciedade. Estudos indicam que indivíduos com cronotipo noturno tendem a ter padrões alimentares menos saudáveis e maior propensão ao consumo de alimentos energéticos no período noturno, o que pode impactar negativamente a regulação da saciedade.

Ambiente Alimentar e Estilo de Vida

A saciedade também é moldada pelo contexto social e ambiental:

  • Ambiente obesogênico: A exposição constante a alimentos ultraprocessados, publicidade e disponibilidade alimentar a qualquer hora compromete os mecanismos naturais de saciedade.

  • Comportamento alimentar: Comer com distração (por exemplo, assistindo TV) reduz a consciência do ato de comer, dificultando o reconhecimento da plenitude.

  • Padrões de sono e cronotipo: Dormir pouco ou ter cronotipo vespertino está associado a alterações hormonais que afetam negativamente os sinais de saciedade e favorecem o consumo de alimentos no período noturno.

Interação entre Fatores e Implicações para a Saúde

O artigo destaca que a saciedade não é determinada por um único fator isolado, mas sim pela interação entre múltiplos elementos fisiológicos, psicológicos e comportamentais. Por exemplo, a combinação de fatores metabólicos (como o quociente respiratório e o tipo de substrato energético utilizado), sensibilidade oral, traços de personalidade (como agradabilidade, conscienciosidade e neuroticismo) e comportamentos alimentares (como comer emocional ou externo) são determinantes importantes para explicar as respostas individuais de saciedade.

Compreender essas interações é essencial para desenvolver estratégias personalizadas de intervenção nutricional e promover escolhas alimentares mais saudáveis, contribuindo para a prevenção de distúrbios alimentares e doenças relacionadas à alimentação.

Existe plasticidade, ou seja, a possibilidade de modulação desse sistema ao longo do tempo:

  • Treinamento comportamental: Intervenções de “mindful eating” ou atenção plena ao comer têm mostrado eficácia em restaurar a percepção de saciedade.

  • Intervenções nutricionais personalizadas: Dietas que respeitam a individualidade metabólica, psicológica e sensorial são mais eficazes a longo prazo do que abordagens padronizadas.

  • Papel da microbiota intestinal: Novas evidências mostram que certos perfis de microbiota estão associados a maior produção de metabólitos como SCFAs (ácidos graxos de cadeia curta), que aumentam a liberação de hormônios de saciedade.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/