Distúrbios no metabolismo dos ácidos orgânicos em bebês

Os ácidos orgânicos são produtos intermediários do catabolismo ou degradação de vários aminoácidos por meio de múltiplas vias bioquímicas para produção de energia. Vitaminas ou cofatores são frequentemente elementos essenciais em tais vias de degradação e metabolismo dos ácidos orgânicos. Os OAs que resultam de defeitos enzimáticos nessas vias podem ser identificados em fluidos corporais utilizando técnicas de cromatografia gasosa-espectrometria de massas (GC/MS).

Alterações genéticas que afetam o metabolismo de aminoácidos podem levar ao acúmulo de substratos/metabólitos, resultando nas manifestações clínicas dos erros inatos do metabolismo. Mais de 65 ácidos orgânicos que aumentam o risco de acidemias ou acidúrias já foram identificados. Os clássicos referem-se aos erros inatos mais comuns, como doença da urina de xarope de bordo, acidemias (ou acidúrias) isovaléricas, propiônicas e metilmalônicas.

Os sintomas iniciais incluem vômito, atraso no neurodesenvolvimento, doença hepática, neutropenia, trombocitopenia, osteomalácia, letargia, hipotonia, convulsões, ataxia e coma. A avaliação genética ao nascer é muito importante.

Além disso, os ácidos orgânicos no soro, urina ou líquido cefalorraquidiano podem ser diagnosticados por cromatografia gasosa e espectrometria de massa. Coletivamente, mais de 100 ácidos orgânicos podem ser identificados em quantidades anormais na urina. Estes testes também podem ser usados para avaliar a eficiência na produção de energia mitocondrial, metabolismo de neurotransmissores, deficiências funcionais de vitaminas, minerais e aminoácidos, desequilíbrios metabólicos, toxicidade durante períodos de descompensação metabólica. Quanto mais precoce a detecção mais satisfatórios os resultados dos tratamentos.

Visão geral do metabolismo de ácidos orgânicos. Os nomes das enzimas são representados em itálico e as deficiências enzimáticas intramitocondriais correspondentes são mostradas nas formas de estrelas vermelhas. A linha verde representa a membrana mitocondrial. MSUD, doença da urina de xarope de bordo; IBDD, deficiência de isobutiril-CoA desidrogenase; HIBCHD, deficiência de β-hidroxibutiril-CoA desidrogenase; MMSDHD, deficiência de metilmalonato semialdeído desidrogenase; DLDD, deficiência de diidrolipoamida desidrogenase; MCCD, deficiência de β-metilcrotonilCoA carboxilase; MGCA, acidúria β-metilglutacônica; HMGCLD, deficiência de HMG-CoA liase; GCDH, deficiência de glutaril-CoA desidrogenase (Ramsay et al., 2018)

São muitos os distúrbios de ácidos orgânicos:

  • Acidemia isovalérica: primeiro distúrbio de ácido orgânico identificado. Doença autossômica recessiva, devido a mutações no gene IVD, localizado no cromossomo 15. Caracteriza-se por encefalopatia episódica aguda, odor característico de pés suados em bebês. Causada pelo acúmulo de ácido isovalérico não conjugado devido a defeito na isovaleril-CoA desidrogenase. A forma neonatal aguda é a mais comum e apresenta-se como episódio de cetoacidose metabólica fulminante, acompanhada de letargia, recusa alimentar, vômitos, insuficiência da medula óssea, hiperamonemia, encefalopatia. Em bebês que sobrevivem, o desenvolvimento neurocognitivo costuma ser alcançado em 62% das crianças. A forma crônica intermitente apresenta-se mais tarde na infância, com menor mortalidade e acompanhada de atraso no desenvolvimento, com ou sem episódios recorrentes de cetoacidose durante períodos de estresse catabólico. O tratamento é a restrição de proteína para redução dos níveis de amônia, juntamente com a suplementação de glicina e/ou carnitina para promover a síntese e excreção de conjugados menos tóxicos.

  • Acidemia propiônica: uma das alterações metabólicas mais graves, comuns e potencialmente fatais. Doença autossômica recessiva causada por mutações dos genes PCCA e PCCB no cromossomo 13. A forma neonatal ocorre nos primeiros dias de vida, começando com cetoacidose, recusa alimentar, vômitos. Progride para encefalopatia, letargia, convulsões, coma e morte. A de início tardio se desenvolve cronicamente e se apresenta com episódios recorrentes de cetoacidose, mas com regressão do neurodesenvolvimento, intolerância a proteínas, vômitos crônicos, falha no desenvolvimento e hipotonia. Resultado no neurodesenvolvimento é geralmente ruim, com 70% das crianças afetadas apresentando déficit cognitivo, distúrbios do desenvolvimento motor e de linguagem. Pode ser comorbido com TEA e TDAH. Níveis elevados de ácidos 3-hidroxiporopiônico e 2-metilcítrico são comuns. O tratamento envolve uso de fórmulas sem aminoácidos propiogênicos valina, isoleucina, metionina e treonina. A restrição de ácidos graxos de cadeia ímpar, outro precursor de ácido propiônico, também pode ser necessária. A suplementação de carnitina é recomendada. O uso de antibióticos reduz a produção de ácido propiônico intestinal.

  • Acidúrias metilmalônicas (MMA): Associado a mutações em genes como MMUT (mais comuns), MMAA, MMAB, MCEE e MMADHC, resultando em fenótipos que levam a defeitos no metabolismo de B12, sem resposta à suplementação. Outros subtipos de MMA podem ser responsivos à B12 (Mut, Cbl). Os distúrbios MMA são causados pela atividade deficiente de metilmalonil-CoA mutase e/ou PCC, enzimas da via catabólica do propionil-CoA, levando ao acúmulo de ácido propiônico ou metilmalônico. A forma aguda/neonatal é a mais comum e se apresenta nos primeiros dias de vida com cetoacidose com risco de vida, hiperamonemia, hiperglicinemia, hipoglicemia, vômitos, dificuldade respiratória, letargia, hipotonia, hipotermia, neutropenia e trombocitopenia. As manifestações a longo prazo mais comuns são o atraso no neurodesenvolvimento. Podem ocorrer lesões agudas dos gânglios da base cerebrais. Nefrite, pancreaite, osteoporose e comprometimento imune também são comuns. O tratamento envolve a mesma abordagem para acidúria propiônica + suplementação de B12 em casos responsivos.

O objetivo do gerenciamento nutricional destas e outras acidemias é reduzir o acúmulo de metabólitos tóxicos, fornecer nutrientes adequados para manutenção do crescimento e desenvolvimento normais, manter as concentrações plasmáticas normais de aminoácidos e prevenir o catabolismo.

Fórmulas nutricionais específicas que restringem aminoácidos propiogênicos, uplementos como levocarnitina (que se liga a metabólitos tóxicos de acil-CoA), medicamentos eliminadores de nitrogênio (durante hiperamonemia), biotina (cofator para uso em acidúria propiônica) e hidroxicobalamina (cofator em determinadas MMA).

Sabe-se que grande parte da patologia em distúrbios do metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada é causada por dano oxidativo por espécies reativas de oxigênio (ROS). Pesquisas contínuas são necessárias para identificar terapias adicionais, com foco particular em possíveis tratamentos direcionadas para disfunção mitocondrial e o dano oxidativo associado visto nos distúrbios dos ácidos orgânicos.

Além disso, o microbioma intestinal desempenha um papel fundamental na quantidade de aminoácidos de cadeia ramificada absorvidos. Portanto, os tratamentos para disbiose do microbioma intestinal podem desempenhar um papel cada vez maior no gerenciamento de distúrbios de ácidos orgânicos. Poucos estudos foram publicados sobre a relação entre o microbioma e as manifestações clínicas de ácidos orgânicos, o que abre a possibilidade de probióticos terapêuticos específicos serem usados no futuro para ajudar a gerenciar os distúrbios metabólicos.

A maioria das pessoas com distúrbios é afetada por manifestações neurodesenvolvimentais, mais comumente déficit cognitivo e atrasos no desenvolvimento de habilidades motoras grossas, finas e de linguagem. O TDAH e o TEA tornam o modelo clínico de saúde comportamental integrada importante para melhores resultados a longo prazo e adesão ao tratamento.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolômica no metabolismo da fenilalanina

A análise metabolômica do metabolismo da fenilalanina avalia a conversão da fenilalanina em seus metabólitos, incluindo tirosina e derivados da via da catecolamina. Essa análise é crucial para detectar deficiências enzimáticas, problemas no metabolismo de neurotransmissores e possíveis desbalanços metabólicos.

Interpretação de exame metabolômico

O exame metabolômico que avalia a fenilalanina é geralmente realizado para investigar distúrbios metabólicos, especialmente a fenilcetonúria (PKU) e outras doenças relacionadas ao metabolismo dos aminoácidos. Esse exame pode medir os níveis de fenilalanina no sangue, urina ou plasma, permitindo o diagnóstico precoce e o monitoramento de doenças metabólicas. No exame abaixo foi feita a análise urinária do metabolismo da fenilalanina.

Interpretação dos Resultados

  1. Fenilalanina (Baixa - 11.1 L)

    A fenilalanina está abaixo do intervalo de referência (11.7 - 73.7 nmol/mg creatinina), sugerindo uma possível deficiência na ingestão de proteínas, absorção intestinal ou metabolismo acelerado. Outra hipótese é um aumento da conversão para tirosina, embora o resultado de tirosina (<DL) indique o contrário.

  2. Fenilacético Ácido (Normal - 4.5)

    Produto da degradação da fenilalanina pela via alternativa (aldéhyde desidrogenase). Dentro da faixa, sugerindo que essa via não está hiperativada.

  3. Tirosina (Abaixo do Limite de Detecção - <DL)

    A ausência detectável de tirosina pode indicar um problema na conversão da fenilalanina em tirosina, possivelmente devido a uma deficiência na fenilalanina hidroxilase (PAH) ou cofatores como BH4.

  4. Ácido Homovanílico (Abaixo do Limite de Detecção - <DL)

    Produto do metabolismo da dopamina, dependente de magnésio, B2 e monoamina oxidase. Uma baixa quantidade pode indicar uma deficiência de cofatores ou uma baixa síntese de dopamina.

  5. Ácido Vanilmandélico (Elevado - 26.2 H)

    Metabólito final da noradrenalina e adrenalina, geralmente elevado em estados de hiperatividade adrenérgica ou estresse metabólico. Pode estar relacionado a disfunções na regulação da dopamina-noradrenalina.

  6. Ácido 4-Hidroxifenilpirúvico (Normal - 141.5)

    Intermediário no metabolismo da tirosina, dentro do intervalo de referência.

  7. Ácido Homogentísico (Normal - 104.3)

    Metabólito da tirosina, dentro do intervalo de referência.

Importância Clínica e Aplicações

  • Diagnóstico de Erros Inatos do Metabolismo: A deficiência da fenilalanina hidroxilase leva à fenilcetonúria (PKU), enquanto problemas na via da tirosina podem estar ligados a tirosinemias.

  • Neurotransmissores e Função Cerebral: Deficiências na conversão para dopamina e serotonina podem estar associadas a depressão, fadiga e transtornos neurológicos.

  • Estresse Metabólico e Adrenal: O aumento do ácido vanilmandélico pode indicar hiperatividade adrenérgica, comum em estresse crônico.

  • Nutrição e Suplementação: Deficiências de cofatores como BH4, magnésio e vitaminas do complexo B podem comprometer essas vias metabólicas.

Os resultados sugerem um possível déficit na conversão da fenilalanina em tirosina e um aumento no metabolismo adrenérgico. Avaliações adicionais, como testes genéticos e de cofatores, podem ser úteis para entender melhor o quadro. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição de precisão.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que tantos metabólitos urinários são expressos em relação à quantidade de creatinina?

O exame abaixo mostra metabólitos microbianos excretados pela urina. Na referência observamos que a concentração é expressa em miligramas de creatinina. Por quê?

Muitos metabólitos são avaliados em relação aos miligramas (mg) de creatinina para padronizar a excreção urinária e corrigir variações na diluição da urina. Isso é especialmente útil em exames que utilizam amostras pontuais de urina (em vez de coletas de 24 horas).

Por que metabólitos são frequentente expressos em mg de creatinina?

  1. Correção da Diluição Urinária

    A concentração dos metabólitos na urina pode variar devido à hidratação do indivíduo. Expressar a quantidade do metabólito em relação à creatinina ajuda a minimizar essas variações.

  2. Indicador de Taxa de Filtração Renal

    A creatinina é excretada na urina de forma relativamente constante (dependendo da massa muscular), o que a torna um bom marcador para normalização.

  3. Facilidade na Interpretação Clínica

    Ao ajustar pela creatinina, os valores dos metabólitos refletem melhor sua produção e eliminação real pelo organismo, permitindo comparações mais precisas entre diferentes indivíduos e momentos do dia.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/