Papel do estrogênio no lipedema

O lipedema é uma condição dolorosa caracterizada pelo acúmulo bilateral e desproporcional de gordura subcutânea, principalmente na parte inferior do corpo, afetando cerca de 11% da população feminina. Acredita-se que o início da patofisiologia do lipedema ocorra durante períodos de flutuação hormonal, como puberdade, gravidez ou menopausa. Embora a identificação e caracterização do lipedema tenham melhorado e compreenda-se mais sobre a genética do lipedema, a etiologia subjacente da doença ainda não está totalmente elucidada.

O estrogênio, um hormônio chave na regulação do metabolismo lipídico e de glicose dos adipócitos, bem como na distribuição de gordura corporal feminina, é postulado como um fator contributivo na patofisiologia do lipedema.

O tecido adiposo é crucial para o metabolismo energético e homeostase, e os receptores de estrogênio (ERs, principalmente ERα e ERβ) desempenham papéis centrais em sua regulação. Estrogênios modulam diretamente as funções do tecido adiposo por meio da interação com esses receptores, influenciando processos como a diferenciação de adipócitos, armazenamento de lipídios e liberação de adipocinas. A atividade dos ERs também está ligada à distribuição de gordura corporal, com impacto na saúde metabólica.

Estudos mostram que a deficiência de estrogênio ou alterações nos ERs estão associadas à obesidade, resistência à insulina e inflamação. Em mulheres, a menopausa – marcada pela redução dos níveis de estrogênio – contribui para mudanças na distribuição de gordura, aumentando o risco de doenças metabólicas. Além disso, os ERs desempenham papéis distintos no tecido adiposo branco e marrom, regulando o equilíbrio entre armazenamento de energia e termogênese. A desregulação do acúmulo de gordura via sinalização do estrogênio provavelmente ocorre por dois mecanismos:

Alteração na distribuição dos receptores de estrogênio nos adipócitos (relação ERα/ERβ) e subsequente sinalização metabólica.

  • O ERα é o receptor mais amplamente estudado e geralmente associado a efeitos protetores na regulação metabólica. Está ligado ao aumento da sensibilidade à insulina, à redução do armazenamento excessivo de gordura e à melhora da homeostase energética.

  • Uma menor expressão ou atividade do ERα pode contribuir para o acúmulo de gordura subcutânea, típico do lipedema.

  • O ERβ é mais expresso no tecido adiposo subcutâneo, onde regula o equilíbrio metabólico. Uma superexpressão ou ativação excessiva do ERβ pode promover o aumento de gordura subcutânea e a hipertrofia dos adipócitos, características centrais do lipedema.

  • A relação entre ERα e ERβ afeta a distribuição de gordura corporal. Um predomínio de ERα está associado à redução da gordura visceral, enquanto o ERβ parece desempenhar um papel na regulação da gordura subcutânea. Além disso, pode limitar a ação lipolítica (quebra de gordura) mediada pelo ERα, contribuindo para o acúmulo localizado de gordura resistente.

  • Os receptores de estrogênio nos adipócitos do lipedema estão distribuídos de forma mais concentrada nas áreas afetadas, o que pode promover o acúmulo de gordura, especialmente durante períodos de alterações hormonais, como a puberdade, gravidez ou menopausa.

  • O lipedema pode ser influenciado por um desequilíbrio entre os receptores ERα e ERβ, com a redução da atividade do ERα (responsável pela lipólise e homeostase inflamatória) e/ou a superexpressão do ERβ (promotora de crescimento de adipócitos subcutâneos).

2) Aumento da liberação de enzimas esteroidogênicas produzidas pelos adipócitos, levando a um aumento na liberação paracrina de estrogênio.

O tecido adiposo não é apenas um depósito de energia, mas também atua como um órgão endócrino capaz de produzir hormônios e enzimas envolvidas na esteroidogênese, ou seja, na síntese de hormônios esteroides, como o estrogênio e o cortisol. No contexto do lipedema, alterações na produção e atividade dessas enzimas podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento e progressão da condição.

Enzimas Esteroidogênicas no Tecido Adiposo

  1. Aromatase (CYP19A1):

    • A aromatase é uma enzima esteroidogênica essencial no tecido adiposo que converte andrógenos (como testosterona e androstenediona) em estrogênios (como estradiol e estrona).

    • No lipedema, a atividade aumentada da aromatase pode levar a um ambiente rico em estrogênio no tecido adiposo subcutâneo, favorecendo:

      • Proliferação de adipócitos.

      • Acúmulo de gordura localizada.

      • Inflamação crônica, agravando o quadro.

  2. 11β-HSD1 (Hidroxiesteroide Desidrogenase Tipo 1):

    • Essa enzima converte cortisona inativa em cortisol ativo no tecido adiposo, aumentando a disponibilidade local de cortisol.

    • Níveis elevados de 11β-HSD1 no lipedema podem:

      • Promover a hipertrofia de adipócitos.

      • Estimular o acúmulo de gordura.

      • Exacerbar inflamação e disfunção metabólica no tecido adiposo.

A gordura do lipedema tem uma característica mais "fibrosa" e densa do que a gordura comum, e isso está relacionado com a ação do estrogênio na formação de novos adipócitos e na alteração da estrutura do tecido adiposo.

Essas alterações podem resultar em:

  • Aumento da ativação do receptor ativado por proliferador de peroxissoma gama (PPARγ).

  • Entrada de ácidos graxos livres nos adipócitos.

  • Aumento da captação de glicose.

  • Angiogênese.

  • Diminuição da lipólise (queima de gordura), biogênese e função mitocondrial.

Anticoncepcionais orais podem conter estrogênio, exacerbando os sintomas do lipedema nas mulheres predispostas. Converse com seu ginecologista sobre métodos contraceptivos alternativos.

Suplementação para mulheres com lipedema e alterações estrogênicas

1. Antioxidantes e Anti-inflamatórios Naturais

O lipedema está associado a processos inflamatórios crônicos. Suplementos que reduzem a inflamação podem ser úteis:

  • Ômega-3 (óleo de peixe ou óleo de krill): Ajuda a reduzir a inflamação sistêmica.

  • Curcumina (derivada da cúrcuma): Um potente anti-inflamatório natural.

  • Vitamina E: Ajuda a melhorar a circulação e tem propriedades antioxidantes.

  • Quercetina: Um flavonoide com propriedades anti-inflamatórias que pode reduzir o inchaço.

2. Suplementos para o Sistema Linfático

O sistema linfático pode estar comprometido no lipedema:

  • Gotu Kola (Centella Asiatica): Pode ajudar a melhorar a circulação linfática e reduzir edemas.

  • Bromelaína: Uma enzima encontrada no abacaxi, que auxilia no controle do inchaço e da inflamação.

  • Extrato de Castanha-da-Índia: Ajuda na circulação venosa e pode reduzir o inchaço.

3. Suplementos para Regulação Hormonal

Como o lipedema é frequentemente exacerbado por alterações nos níveis de estrogênio, especialmente em fases como puberdade, gravidez e menopausa, alguns suplementos podem ajudar:

  • Magnésio: Auxilia no equilíbrio hormonal e no relaxamento muscular.

  • Vitamina D: Essencial para o equilíbrio hormonal e saúde óssea.

  • DIM (Diindolilmetano): Um composto encontrado em vegetais crucíferos (como brócolis) que ajuda a metabolizar o estrogênio de forma mais eficiente.

  • Ácido Fólico e Vitaminas do Complexo B: Suporte à saúde hormonal e ao metabolismo de neurotransmissores.

4. Suplementos para Saúde Vascular

Problemas vasculares são comuns no lipedema:

  • Picnogenol (extrato de casca de pinheiro): Ajuda a melhorar a elasticidade vascular e reduz inflamação.

  • Coenzima Q10: Melhora a circulação e fornece suporte energético celular.

5. Suplementos para Controle de Peso e Saúde Metabólica

Embora o lipedema não esteja diretamente relacionado à obesidade, manter um peso saudável pode ajudar a controlar os sintomas:

  • Berberina: Pode ajudar a melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir inflamações.

  • Probióticos: Suportam a saúde intestinal, o que pode impactar positivamente o metabolismo.

APOSTILA NUTRIÇÃO NO LIPEDEMA

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Uso da bromelina no tratamento do lipedema

A bromelina, um conjunto de enzimas proteolíticas extraídas do abacaxi, tem sido explorada como uma abordagem complementar para o tratamento do lipedema devido às suas propriedades anti-inflamatórias, fibrinolíticas e de melhoria da circulação linfática. Embora não seja uma cura, ela pode ajudar a aliviar alguns dos sintomas associados ao lipedema.

Mecanismos e benefícios do uso da bromelina no lipedema

1. Propriedades Anti-Inflamatórias

  • A bromelina reduz a produção de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-6, que estão associadas à inflamação crônica presente no lipedema.

  • Essa ação anti-inflamatória pode aliviar a dor e o desconforto nas áreas afetadas.

2. Ação Fibrinolítica

  • No lipedema, o tecido adiposo afetado pode apresentar fibrose, dificultando a drenagem linfática e piorando o quadro clínico.

  • A bromelina auxilia na quebra de fibrina e outros componentes que contribuem para a rigidez do tecido, promovendo uma maior elasticidade.

3. Melhora da Circulação Linfática e Vascular

  • A bromelina promove a circulação sanguínea e linfática, reduzindo o acúmulo de fluidos e aliviando o edema.

  • Também ajuda a prevenir a formação de coágulos sanguíneos, promovendo a saúde vascular.

4. Redução de Hematomas

  • Pacientes com lipedema frequentemente relatam tendência a hematomas devido à fragilidade capilar. A bromelina pode ajudar a reduzir hematomas e melhorar a recuperação dos tecidos.

5. Potencial de Redução da Dor

  • Estudos indicam que a bromelina pode atuar como um analgésico natural, reduzindo a dor associada ao lipedema.

Modo de Uso

  • Formas de consumo: A bromelina é geralmente administrada por via oral, na forma de cápsulas ou comprimidos, ou através do consumo de alimentos ricos nessa enzima, como o abacaxi.

  • Dosagem: Não há uma dosagem padrão para o tratamento de lipedema, mas doses de 500mg/dia, duas vezes ao dia são comuns em estudos de outras condições inflamatórias.

  • Precauções: Não deve ser usada por pessoas com distúrbios de coagulação, alergias ao abacaxi ou em uso de anticoagulantes.

Embora a bromelina tenha propriedades promissoras para o manejo de sintomas como dor e inflamação no lipedema, a suplementação deve ser acompanhada de dieta cetogênica antiinflamatória, atividade física e drenagem linfática para maior efeito. Aprenda mais na apostila NUTRIÇÃO NO LIPEDEMA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Dieta cetogênica no tratamento do lipedema

Escala de lipedema

A Escala de Lipedema é uma ferramenta utilizada para classificar a gravidade e a progressão do lipedema, com foco na apresentação clínica, distribuição de gordura e sintomas associados. Ela ajuda a entender a extensão da condição e a orientar estratégias de tratamento. A escala geralmente inclui os seguintes estágios:

Estágio 1: Estágio Inicial

  • Textura da pele: Pele lisa com superfície uniforme.

  • Depósitos de gordura: Simétricos e macios, geralmente começando nas coxas, quadris ou braços superiores.

  • Dor e sensibilidade: Mínima ou ocasional sensibilidade ao toque.

  • Inchaço: Pode aparecer após longos períodos de pé ou no final do dia, mas desaparece com descanso.

Fonte: Lipedema Foundation

Estágio 2: Estágio Intermediário

  • Textura da pele: Aparência irregular ou com covinhas, semelhante à celulite.

  • Depósitos de gordura: Aumentam e tornam-se mais pronunciados, frequentemente formando nódulos ou caroços sob a pele.

  • Dor e sensibilidade: Dor persistente ou sensibilidade, especialmente ao pressionar a área.

  • Inchaço: Torna-se mais consistente e menos provável de desaparecer durante a noite.

  • Alterações na pele: Sinais iniciais de pele espessada ou fibrose podem aparecer.

Estágio 2 - Lipedema Foundation

Estágio 3: Estágio Avançado

  • Textura da pele: Pele endurecida, espessada ou fibrosada.

  • Depósitos de gordura: Massas grandes e irregulares de gordura, particularmente ao redor dos joelhos, coxas e quadris; podem restringir os movimentos.

  • Dor e sensibilidade: Dor crônica e sensibilidade aumentada.

  • Inchaço: Persistente e pronunciado; pode levar a problemas de mobilidade.

  • Alterações na pele: Fibrose significativa e possíveis alterações de cor na pele.

Estágio 3 - Lipedema Foundation

Estágio 4: Estágio de Lipo-Linfedema

  • Textura da pele: Espessamento e endurecimento severos, com possíveis dobras de pele e ulcerações.

  • Depósitos de gordura: Acúmulo maciço e irregular de gordura, causando deformidades e limitações físicas significativas.

  • Dor e sensibilidade: Dor severa e sensibilidade extrema.

  • Inchaço: Linfedema coexistente, com retenção de líquidos agravando a condição.

  • Alterações na pele: Fibrose pronunciada, descoloração e risco de infecções (por exemplo, celulite).

Estágio 4 - Lipdema Foundation

Tratamento:

  • Estágios iniciais: Foco em mudanças no estilo de vida, fisioterapia, drenagem linfática, terapias de compressão e intervenções dietéticas, como uso de suplementos (bromelina, magnésio, ômega-3 etc) e a dieta cetogênica.

  • Estágios intermediários/avançados: Além das medidas anteriores, pode incluir opções cirúrgicas (lipoaspiração).

Mecanismos que explicam os benefícios da dieta cetogênica para o tratamento do lipedema

A dieta cetogênica (DC) tem demonstrado benefícios potenciais no tratamento do lipedema devido ao seu impacto em vias metabólicas, inflamatórias e linfáticas. O lipedema é caracterizado por acúmulo anormal de gordura, inflamação e disfunção linfática. Abaixo estão os principais mecanismos pelos quais a DC pode ajudar:

1. Redução da Inflamação Crônica

  • A DC é pobre em carboidratos, reduzindo os níveis de glicose no sangue e os picos de insulina. Isso diminui a produção de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-alfa e IL-6, que geralmente estão elevadas no lipedema.

  • Os corpos cetônicos, como o beta-hidroxibutirato (BHB), possuem efeitos anti-inflamatórios diretos, inibindo o inflamassoma NLRP3 e promovendo uma resposta imunológica mais saudável.

2. Melhora da Sensibilidade à Insulina

  • Muitas pessoas com lipedema apresentam resistência à insulina, que agrava o armazenamento de gordura e a inflamação. Ao reduzir a ingestão de carboidratos, a DC diminui a secreção de insulina, melhorando a sensibilidade à insulina e reduzindo a lipogênese (acúmulo de gordura).

3. Modulação da Atividade Hormonal

  • A gordura do lipedema é sensível a hormônios, particularmente ao estrogênio. A DC pode influenciar a regulação hormonal, reduzindo o acúmulo desproporcional de gordura e a inflamação hormonal.

4. Suporte à Função Linfática

  • A cetose melhora a função mitocondrial e a eficiência energética, o que pode beneficiar a saúde dos vasos linfáticos e a regulação de fluidos. Isso é crucial, pois a disfunção linfática é uma característica marcante do lipedema.

  • A redução da inflamação sistêmica também pode aliviar a congestão linfática, melhorando o fluxo linfático.

5. Perda de Peso e Gordura

  • Embora a gordura do lipedema seja resistente à perda de peso convencional, a DC afeta de forma diferente a gordura visceral e subcutânea. A cetose promove a oxidação da gordura, podendo ajudar a reduzir os depósitos desproporcionais de gordura no lipedema.

6. Redução de Dor e Edema

  • Muitas pessoas com lipedema enfrentam dor e inchaço. A DC pode reduzir a retenção de líquidos ao diminuir os níveis de insulina e aumentar a excreção de sódio e água, aliviando o edema.

  • As propriedades anti-inflamatórias da dieta também podem reduzir diretamente a dor.

7. Melhora na Qualidade de Vida

  • Ao abordar os problemas sistêmicos associados ao lipedema (inflamação, resistência à insulina e disfunção linfática), a DC pode melhorar a mobilidade, reduzir a fadiga e aumentar o bem-estar geral.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/