O diabetes tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune crônica com liberação insuficiente de insulina devido à destruição das células β pancreáticas, resultando em hiperglicemia. Os autoanticorpos das ilhotas que se desenvolvem como resultado de danos às células β incluem autoanticorpos contra insulina (IAA), antígeno 2 associado ao insulinoma (IA-2), descarboxilase do ácido glutâmico (GAD), transportador de zinco 8 (ZnT8) e anticorpos contra as células das ilhotas (ICA).
Nas últimas décadas, a incidência de DM1 aumentou dramaticamente, especialmente em crianças pequenas e em idade pré-escolar, impondo um enorme fardo económico ao sistema de saúde global. A predisposição genética e os fatores ambientais são os principais fatores de risco que influenciam o início do DM1.
Os primeiros genes de suscetibilidade a serem identificados foram os antígenos leucocitários humanos (HLA), responsáveis por até 50% dos casos de diabetes tipo 1. Os haplótipos de suscetibilidade mais correlacionados ao DM1 são os haplótipos DR3.DQ2 e DR4.DQ8.
Estudos de associação genômica ampla (GWAS) detectaram mais de 50 loci não-HLA associados ao risco de desenvolvimento de DM1 [5]. Loci HLA e não HLA (PTPN22, CTLA4, IL2RA e INS) concordam com a herdabilidade do DM1, em aproximadamente 80% dos casos. O gene da insulina (INS) é o fator genético mais forte correlacionado ao DM1, que pode afetar a reatividade imunológica à insulina.
Além da genética, vários estudos demonstraram o papel fundamental do ambiente como desencadeador em diferentes momentos do curso da doença. Agentes infecciosos, fatores dietéticos ou outros agentes ambientais, incluindo fatores psicossociais, podem desencadear ou proteger do DM1 indivíduos geneticamente suscetíveis.
Prevenção do diabetes tipo 1
Tal como acontece com muitas outras doenças crônicas e não transmissíveis, a prevenção consiste em três níveis de intervenção: prevenção primária, que visa evitar o desenvolvimento de autoimunidade; prevenção secundária, visando limitar a destruição das células β após a soroconversão; e, por fim, a prevenção terciária, que se concentra na prevenção das complicações clínicas da DM1, com o objetivo principal de retardar pelo menos o seu início, preservando assim a função residual das células β pancreáticas.
Prevenção Primária
A prevenção primária deve começar desde a gravidez. Um estudo de coorte prospectivo na Dinamarca analisou a associação entre a exposição pré-natal ao glúten e o risco de DM1 na prole. A alta ingestão de glúten durante a gravidez parece estar correlacionada com um risco elevado de a prole desenvolver DM1. Mulheres com sobrepeso/obesas podem ser mais sensíveis à ingestão de glúten do que mulheres mais jovens ou com peso normal.
O mecanismo que poderá ser responsável por este efeito não é conhecido, mas pode incluir o aumento da inflamação e uma interação complexa entre dieta, desenvolvimento imunológico, microbiota e permeabilidade intestinal. Assim, a prevenção do excesso de peso e da obesidade em mulheres em idade reprodutiva pode contribuir para uma diminuição da incidência de DM1.
Além disso, a infecção materna durante a gravidez é considerada um fator de risco para o desenvolvimento de DM1. Uma meta-análise baseada em estudos realizados na Finlândia e na Suécia mostrou que a infecção gestacional materna está associada a um aumento de 32% nas chances de DM1 ou autoimunidade de ilhotas na prole. Em particular, a infecção por enterovírus durante a gravidez aumentou o risco de DM1 na prole em até 54%.
Os fatores de proteção pré-natais para o desenvolvimento de autoimunidade incluem a ingestão materna de vitamina D, a redução no consumo de glúten e o controle do peso.
Ao nascimento, descobriu-se que o leite materno contém várias moléculas bioativas antiinflamatórias, como imunoglobulinas, adipocinas, oligossacarídeos, insulina, lactoferrina, lisozima, citocinas, que retardam o aparecimento do DM1 em bebês.
O consumo adequado de ácidos graxos ômega-3 na gestação e infância também é muito importante. Um estudo duplo-cego controlado por placebo de suplementação de ácidos graxos ômega 3 com ácido docosahexaenóico (DHA), mostrou redução da autoimunidade das células das ilhotas em bebês com risco aumentado de desenvolver DM1.
Dentro dos fatores ambientais, as infecções virais têm papel predominante na patogênese do DM1 em crianças com risco genético elevado. Uma infecção viral pode causar citólise de células β ou desencadear indiretamente a autoimunidade progressiva do diabetes. Por esse motivo, as vacinas podem ser uma das estratégias no caminho para a prevenção primária do DM1, como uma vacina contra sorotipos enterovirais.
Cuidar do intestino também é importante. A microbiota intestinal tem um papel fundamental na patogênese do DM1, afetando a permeabilidade intestinal, o mimetismo molecular e modulando o sistema imunológico inato e adaptativo. O butirato, um ácido graxo de cadeia curta, é bem conhecido por seu papel na manutenção da integridade epitelial intestinal e na promoção de respostas antiinflamatórias. Aprenda a tratar o intestino aqui.
Prevenção Secundária
A prevenção secundária inclui diversas estratégias terapêuticas que são implementadas durante os estágios 1 e 2 do DM1, quando o processo autoimune já foi estabelecido.Nesta fase, a população de células β-pancreáticas ainda é minimamente afetada, permitindo um controle glicêmico ideal, embora alterações metabólicas possam ser evidenciadas após testes de tolerância à glicose oral (TOTG) e intravenoso (TTGIV).
O principal objetivo das terapias de prevenção secundária é limitar, conter e interromper o processo autoimune, prolongando a duração dos estágios 1 e 2 do DM1 e prevenindo o início da fase clínica do diabetes. As terapias de prevenção secundária podem atuar em duas frentes: a primeira baseia-se na indução de imunotolerância aos autoantígenos, enquanto a segunda consiste em uma função imunomoduladora para bloquear os mecanismos e células de autoimunidade.
Vários estudos tentaram a prevenção secundária com a administração precoce de insulina exógena injetável ou intranasal. Contudo, estes estudos não foram bem sucedidos. Outros medicamentos também não tiveram o efeito esperado. Atualmente, a única terapêutica bem sucedida na prevenção secundária e terciária é a dieta cetogênica. Fiz uma entrevista com a nutricionista diabética Yvonne Reuter que você encontra mais abaixo.
Prevenção Terciária
No momento do diagnóstico, mais de 80% da massa das células β pancreáticas já foi destruída por células T CD4+ e CD8+ específicas, bem como por células B. Por isso, diabéticos tipo 1 acabam necessitando do uso da insulina exógena vitalícia.
Desta forma, a prevenção terciária inclui diversas estratégias, com o objetivo principal de preservar as células β residuais, reduzindo assim a necessidade de insulina exógena e retardando o aparecimento de complicações.
O uso de imonomoduladores, anticorpos (como golimumab), agonistas do receptor GLP-1 parecem melhorar o metabolismo e reduzir a necessidade de insulina. Contudo, a principal estratégia de controle é a dieta cetogênica.
Yvonne Reuter é uma nutricionista, diabética tipo 1 em uso de insulina. Nesta entrevista contou-me como conseguiu controlar o peso, a compulsão alimentar e reduzir a necessidade do hormônio com a dieta cetogênica: