A relação entre os desequilíbrios da microbiota intestinal (disbiose) e a esclerose múltipla (EM) é um campo de pesquisa em crescente desenvolvimento, e estudos sugerem que a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento e a progressão da doença.
O que é a microbiota intestinal?
A microbiota intestinal refere-se ao conjunto de microorganismos, como bactérias, vírus e fungos, que habitam nosso trato gastrointestinal. Existem entre 10 e 100 trilhões de microorganismos no corpo humano e 70% deles residem no intestino. Esses microrganismos desempenham papéis cruciais na digestão, no metabolismo e na modulação do sistema imunológico.
A microbiota intestinal e a esclerose múltipla
Pesquisas recentes indicam que a composição da microbiota intestinal pode ter um impacto significativo na resposta imunológica e na inflamação, ambos fatores essenciais na esclerose múltipla. Algumas descobertas sugerem que uma microbiota intestinal desequilibrada (disbiose) pode estar associada ao desenvolvimento de doenças autoimunes, como a EM.
Como a microbiota pode influenciar a esclerose múltipla?
1) Modulação do Sistema Imunológico: A microbiota intestinal tem um papel fundamental na regulação da resposta imunológica. Bactérias benéficas podem ajudar a controlar a inflamação e evitar que o sistema imunológico ataque as células saudáveis, como ocorre na EM. Por outro lado, um desequilíbrio na microbiota intestinal pode resultar em uma ativação excessiva do sistema imunológico, contribuindo para a inflamação no cérebro e na medula espinhal, característica da esclerose múltipla. É importante lembrar que 80% das células imunes estão no intestino, constituindo o tecido linfático associado ao intestino ou GALT.
2) Disbiose e Doenças Autoimunes: Estudos têm mostrado que indivíduos com esclerose múltipla frequentemente apresentam uma microbiota intestinal alterada, com menor diversidade de microrganismos e predominância de algumas cepas bacterianas associadas à inflamação. A presença de certos microrganismos pode, teoricamente, desencadear ou agravar as respostas autoimunes, que são a base da EM.
3) Impacto nos Tratamentos: Há também a hipótese de que a microbiota intestinal pode influenciar a resposta a tratamentos da EM. Isso ocorre porque a microbiota pode afetar a absorção de medicamentos ou até mesmo a eficácia dos tratamentos imunossupressores.
Embora a pesquisa esteja ainda em estágio inicial, algumas intervenções, como a modulação da microbiota por meio de dieta, probióticos ou até transplante de microbiota fecal, estão sendo investigadas como formas de melhorar os sintomas da esclerose múltipla ou reduzir a progressão da doença.
No estudo "Gut bacteria from multiple sclerosis patients modulate human T cells and exacerbate symptoms in mouse models", os pesquisadores observaram vários desequilíbrios na microbiota intestinal de pacientes com esclerose múltipla (EM) que desempenham um papel na modulação das respostas imunes e na exacerbação dos sintomas da EM em modelos murinos. Os principais desequilíbrios identificados incluíram:
1. Alterações na Composição da Microbiota Intestinal:
Pacientes com EM apresentaram uma redução na diversidade da microbiota intestinal em comparação com indivíduos saudáveis. Isso é uma característica da disbiose, que se refere ao desequilíbrio na comunidade microbiana.
Grupos bacterianos específicos, como Firmicutes e Bacteroidetes, mostraram mudanças significativas nos pacientes com EM. Em particular, foi observada uma diminuição de Firmicutes e um aumento de Bacteroidetes. Esse desequilíbrio na proporção desses filos pode contribuir para alterações no sistema imunológico.
2. Redução de Bactérias Benéficas:
Algumas bactérias benéficas, conhecidas por promover a tolerância imunológica e a função das células T regulatórias (Tregs), como Faecalibacterium prausnitzii, estavam menos abundantes em pacientes com EM. Essas bactérias desempenham um papel fundamental na manutenção de um sistema imunológico equilibrado e na prevenção de doenças autoimunes.
As bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), que ajudam a regular as respostas imunes e promovem a produção de citocinas anti-inflamatórias, também estavam sub-representadas.
3. Aumento de Micróbios Patogênicos:
Algumas bactérias patogênicas, conhecidas por induzir respostas inflamatórias, estavam mais abundantes em pacientes com EM. Esses microrganismos podem impulsionar a diferenciação de células Th17, que estão implicadas na patogênese da EM e de outras doenças autoimunes.
A microbiota intestinal dos pacientes com EM também influenciava a diferenciação das células T helper 17 (Th17), que desempenham um papel crucial na promoção da inflamação na EM.
4. Impacto na Ativação de Células T e Inflamação:
A microbiota intestinal desequilibrada dos pacientes com EM promoveu a ativação de células T pró-inflamatórias, especialmente as células Th17, enquanto reduzia a geração de células T regulatórias (Tregs). As Tregs normalmente trabalham para suprimir a inflamação e manter a homeostase imunológica.
A microbiota dos pacientes com EM também influenciou a produção de citocinas que ampliaram ainda mais as respostas inflamatórias, contribuindo para a exacerbação dos sintomas em modelos murinos de EM.
5. Exacerbação dos Sintomas em Modelos Murinos:
Quando a microbiota intestinal de pacientes com EM foi transferida para modelos murinos livres de germes, esses camundongos desenvolveram sintomas mais graves de encefalomielite autoimune experimental (EAE), que é um modelo amplamente utilizado para estudar a EM em camundongos. Isso sugere que os desequilíbrios na microbiota intestinal de pacientes com EM podem contribuir para a progressão da doença, amplificando as respostas imunes e a inflamação.
Akkermansia e Parabacteroides no Estudo:
No estudo, Akkermansia muciniphila e Parabacteroides distasonis foram destacados como dois microrganismos importantes relacionados aos desequilíbrios observados na microbiota intestinal de pacientes com EM.
Akkermansia muciniphila: Essa bactéria é conhecida por sua capacidade de degradar muco, que forma uma camada protetora no intestino. Ela tem sido associada a benefícios para a saúde intestinal e à regulação do sistema imunológico. A pesquisa sugeriu que Akkermansia pode desempenhar um papel importante na manutenção da integridade da barreira intestinal e na modulação de respostas inflamatórias. Em pacientes com EM, essa bactéria estava em menor abundância, o que pode ter contribuído para a disbiose e o aumento da inflamação.
Parabacteroides distasonis: Essa bactéria também tem sido associada a efeitos benéficos no sistema imunológico. No contexto da EM, Parabacteroides foi encontrado em maiores quantidades em modelos que exacerbavam a doença. Isso sugere que o aumento de Parabacteroides pode estar relacionado a respostas inflamatórias mais fortes e à promoção de células Th17, que são uma característica da EM.
Conclusão:
Os desequilíbrios principais encontrados na microbiota intestinal dos pacientes com EM envolvem uma redução de bactérias benéficas, um aumento de espécies patogênicas e uma mudança para uma resposta imune pró-inflamatória. Essas alterações foram associadas à exacerbação dos sintomas em modelos murinos de EM. A Akkermansia e o Parabacteroides desempenham papéis significativos nesses desequilíbrios, com sua abundância ou escassez impactando diretamente as respostas imunes e a inflamação, contribuindo para o agravamento da EM.
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Se a disbiose não é tratada, há aumento de permeabilidade intestinal e aumento da neuroinflamação. Por outro lado, um cérebro mais inflamada gera mais substâncias inflamatórias e hormônios de estresse que prejudicam ainda mais a microbiota, em um ciclo vicioso.