A intolerância ao exercício não é uma doença em si – refere-se antes ao conjunto de sintomas que manifestam-se quando alguém sente fadiga intensa, dores musculares prolongadas ou recuperação lenta após atividades físicas. Esse fenômeno pode ocorrer devido a variantes genéticas que afetam desde a produção de energia e a resistência muscular até a capacidade cardiorrespiratória durante o exercício.
Durante infecções ou determinadas doenças, a condição pode originar dificuldades em executar tarefas simples do dia-a-dia, ou pode manifestar-se de forma mais leve noutras. Alguns pacientes também relatam cãibras ou tonturas.
Algumas infeções, incluindo Covid-19, podem provocar ou agravar os sintomas desta condição. Muitas pessoas, mesmo após recuperação da Covid-19, sofreram uma redução drástica da capacidade aeróbica, mostrada durante testes de esforço. Fadiga extrema, falta de ar, tonturas e hiper-ventilação durante o exercício foram relatados (Singh et al., 2021).
Vários tipos de infecções podem causar danos nas pequenas fibras nervosas que regulam os vasos sanguíneos, e que também têm funções importantes nos sistemas cardiovascular e gastrointestinal. Mesmo com dificuldades, aconselha-se que os pacientes voltem a se exercitar dentro dos limites das suas capacidades, mesmo que seja em períodos curtos.
Um diagnóstico difícil
Infelizmente, a intolerância ao exercício físico pode ser uma condição difícil de diagnosticar. Para avaliar a condição de pacientes com obstrução laríngea induzida pelo exercício, os pacientes correm uma esteira, com um tubo flexível, equipado com uma pequena câmara, inserido pelo nariz que vai até à parte de trás da garganta. Através da câmara é possível verificar o nível de estreitamento das vias respiratórias e aconselhar o tratamento adequado.
Outros métodos podem incluir a inserção de cateteres nas veias do pescoço com ligação ao coração, o que permite avaliar o fluxo sanguíneo à medida que os pacientes se exercitam. Os dados obtidos podem permitir diagnosticar insuficiência cardíaca ou níveis demasiado altos de pressão arterial nas artérias pulmonares. Mas quem quer passar por testes invasivos como estes? Ao final, cada pessoa deverá modificar atividades e rotinas e voltar às atividades, na medida do possível.
Pacientes mais comprometidos precisaram fazer mais adaptações às rotinas, como sentar-se para preparar alimentos ou dobrar a roupa, usar o apoio de um banco para tomar banho ou pedir a ajuda de alguém para carregar objetos pesados.
Genética e intolerância ao exercício
Aqui estão alguns fatores genéticos e mecanismos que podem contribuir para essa intolerância:
1. Genética e Metabolismo Energético
Mitocôndrias: As mitocôndrias são responsáveis pela produção de energia celular. Alterações genéticas que afetam a função mitocondrial, como mutações em genes mitocondriais, podem levar a uma produção deficiente de energia e, consequentemente, à fadiga muscular. Indivíduos com essas variantes podem sofrer de intolerância ao exercício, pois suas células não conseguem gerar ATP (a molécula de energia) de maneira eficiente.
Gene PDHA1: Esse gene codifica uma subunidade da piruvato desidrogenase, essencial para a entrada do piruvato no ciclo de Krebs. Deficiências podem causar problemas na produção de energia.
Gene CPT2: Envolvido na Deficiência de Carnitina Palmitoiltransferase II, essencial para a oxidação de ácidos graxos na mitocôndria. A falta desse gene compromete a produção de energia a partir das gorduras, causando fadiga precoce e intolerância ao exercício.
Gene MT-ND1 (e outros genes mitocondriais): Afeta a função das mitocôndrias na cadeia de transporte de elétrons. Mutações mitocondriais, como as observadas na miopatia mitocondrial, afetam diretamente a eficiência na produção de ATP.
Desordens Metabólicas: Algumas pessoas têm mutações (como a do gene PYGM) que afetam a metabolização de carboidratos, gorduras e proteínas, como é o caso de condições como a Doença de McArdle (deficiência de glicogênio fosforilase) ou deficiência de carnitina. Essas condições dificultam a geração de energia a partir de fontes alimentares durante o exercício.
2. Genética e Capacidade Cardiovascular
VO2 Máximo e Capacidade Aeróbica: A capacidade cardiorrespiratória, medida pelo VO2 máximo, depende da genética e do treinamento. Variantes em genes relacionados ao transporte de oxigênio, como aqueles que afetam a hemoglobina e o número de capilares, podem reduzir a eficiência do transporte de oxigênio para os músculos, o que limita a resistência ao exercício.
Gene ACTN3: Responsável pela codificação da proteína alfa-actinina-3, que é importante para fibras musculares de contração rápida. A deficiência em ACTN3 (genótipo XX) está relacionada a menor performance em exercícios de alta intensidade e pode contribuir para uma menor resistência.
Gene EPAS1: Também conhecido como gene HIF2A, está envolvido na resposta à hipóxia e adaptação à altitude. Variantes desse gene afetam a capacidade do corpo de transportar e utilizar oxigênio, influenciando a performance e resistência ao exercício.
Pressão Arterial e Frequência Cardíaca: Variantes em genes que regulam a pressão arterial e a resposta do sistema nervoso simpático (como o gene ACE, da enzima conversora de angiotensina) podem tornar o exercício desconfortável para algumas pessoas, especialmente atividades de alta intensidade.
Gene ACE (Enzima Conversora de Angiotensina): Variantes desse gene, especialmente o alelo I, estão associadas com uma menor eficiência cardiorrespiratória em atividades intensas, enquanto o alelo D está associado a uma maior eficiência em esportes de força.
3. Genética e Composição Muscular
Tipo de Fibras Musculares: Os músculos são compostos por fibras de contração rápida (mais explosivas, mas com menos resistência) e fibras de contração lenta (mais resistentes, mas com menos explosão). A proporção desses tipos de fibras tem uma base genética, e pessoas com mais fibras de contração rápida podem ter maior dificuldade em atividades de resistência, o que pode causar sensação de intolerância durante exercícios prolongados.
Gene ACTN3: Como mencionado, esse gene também influencia a composição das fibras musculares. Pessoas com a mutação que inativa a produção da alfa-actinina-3 tendem a ter mais fibras de contração lenta, o que pode limitar a tolerância a atividades que exigem força explosiva.
Gene MSTN (Miostatina): Regula o crescimento muscular. Variantes que diminuem a atividade da miostatina estão associadas a maior massa muscular, mas também podem afetar a composição de fibras musculares e a resistência.
4. Inflamação e Recuperação Muscular
Recuperação Pós-Exercício: Algumas variantes genéticas afetam a capacidade do corpo de se recuperar após o exercício. Genes como o IL6, que regula a resposta inflamatória, podem influenciar o nível de inflamação muscular e o tempo de recuperação. Pessoas com variantes que aumentam a inflamação tendem a sentir mais dor e fadiga após o exercício, reduzindo sua tolerância.
Gene IL6 (Interleucina 6): Regula a resposta inflamatória e é um dos marcadores chave no processo inflamatório pós-exercício. Variantes do IL6 estão associadas a uma maior resposta inflamatória e a maior dor muscular pós-exercício.
Gene TNF (Fator de Necrose Tumoral): Também envolvido na resposta inflamatória, variantes desse gene podem aumentar a inflamação muscular e afetar o tempo de recuperação após o exercício, causando maior fadiga.
Gene CRP (Proteína C-Reativa): Variantes em CRP influenciam os níveis de inflamação sistêmica. Níveis elevados de CRP após o exercício podem indicar uma recuperação mais lenta e maior intolerância à atividade física intensa.
Gene NOS2 (óxido nítrico sintase 2): responsável pela produção de óxido nítrico, um mediador biológico utilizado pelo sistema nervoso, sistema imunológico e vasos sanguíneos. Pessoas portadoras do alelo A do polimorfismo rs2248814 do gene NOS2, leva a redução da eficiência enzimática e consequente redução da função do sistema imunológico, intolerância ao exercício, fadiga e alterações gastrointestinais.
5. Condições Genéticas e Intolerância ao Exercício
Miopatias Metabólicas e Hereditárias: Certas doenças hereditárias, como a fibromialgia, a doença de Pompe, e a miopatia mitocondrial, podem causar intolerância significativa ao exercício, sendo caracterizadas por cansaço excessivo, fraqueza muscular e dificuldade para realizar atividades físicas rotineiras.
Gene RYR1 (Receptor de Ryanodina 1): Mutação nesse gene está associada com a Miopatia Central Core e a Hipertermia Maligna. Essas condições podem causar intolerância ao exercício por meio de fraqueza muscular e suscetibilidade a alterações no cálcio celular durante a contração muscular.
Gene GAA (Alfa-Glicosidase Ácida): Envolvido na Doença de Pompe, uma doença de armazenamento de glicogênio. Deficiências em GAA levam ao acúmulo de glicogênio nos músculos, causando fraqueza muscular e fadiga intensa.
Gene SCN4A: Relacionado a distúrbios de canal de sódio muscular, como a miotonia congênita e a paralisia periódica hipercalêmica, que podem levar a espasmos musculares, fadiga e intolerância ao exercício.
Síndrome da Fadiga Crônica (SFC): Embora a causa exata seja desconhecida, há indícios de que fatores genéticos relacionados ao sistema imunológico e ao metabolismo energético desempenhem um papel na predisposição para essa condição, que é caracterizada por intolerância ao exercício e fadiga persistente.
Como a Genética Pode Ajudar a Gerenciar a Intolerância ao Exercício?
Conhecer a própria predisposição genética pode ajudar a:
Ajustar os Treinos: Pessoas com maior predisposição genética à intolerância ao exercício podem se beneficiar de rotinas de treino com menor intensidade e mais tempo de recuperação.
Adaptar a Alimentação: Para algumas condições metabólicas, como deficiências enzimáticas, ajustar a dieta pode melhorar a resposta ao exercício.
Suplementação e Medicamentos: Em casos de miopatias, alguns tratamentos específicos podem ser prescritos para melhorar a energia muscular e a recuperação.
A intolerância ao exercício, portanto, pode estar ligada a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, que afetam o metabolismo energético, a composição muscular e a capacidade de recuperação, sendo uma área de estudo importante para a medicina esportiva e para o entendimento de doenças metabólicas e hereditárias.