A deficiência da enzima diaminoxidase (DAO) tem sido estudada recentemente por sua possível conexão com sintomas neurológicos, incluindo o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). A DAO é responsável por degradar a histamina no organismo — uma substância envolvida em processos inflamatórios, digestivos e neuroquímicos. Quando há baixa atividade dessa enzima, o excesso de histamina pode afetar o sistema nervoso central, contribuindo para alterações de humor, impulsividade, dificuldade de concentração e distúrbios do sono — sintomas frequentemente associados ao TDAH.
Reações envolvendo histamina podem ocorrer por deficiência ou redução na atividade da enzima diamina oxidase (DAO), excesso de consumo de alimentos contendo histaminas, uso de medicamentos que liberam histaminas (antiinflamatórios não esteroidais, antibióticos, analgésicos opioides, antidepressivos iMAOs, bloqueadores H2, contraceptivos orais), alterações na microbiota intestinal com excesso de Lactobacillus e bifidobacterias produtoras de histamina, doenças que aumentam a liberação de histamina (rinites, asma, doenças autoimunes, doenças hepáticas), alterações hormonais (como na menopausa), estresse físico e emocional, poluição ambiental.
A deficiência da enzima DAO pode se dar por questões genéticas (polimorfismos de DAO ou AOC1), doenças intestinais (doença celíaca, doença de Crohn, colite ulcerativa levam a redução n a produção de DAO), desequilíbrios na microbiota intestinal.
Um estudo piloto publicado no Journal of Clinical Medicine investigou a prevalência de variantes do gene AOC1 (Amino Oxidase Copper Containing 1) em 303 crianças e adolescentes com diagnóstico de TDAH. Esse gene está relacionado à metabolização de aminas biogênicas, como a histamina, e tem um papel importante no sistema imunológico e na resposta inflamatória. Alterações genéticas influenciam a atividade da enzima DAO.
Os resultados mostraram que 78,8% dos participantes possuíam pelo menos um alelo disfuncional. Embora não tenha sido encontrada uma relação direta entre a gravidade do TDAH e a deficiência de DAO, algumas variantes genéticas foram associadas a comorbidades médicas significativas e a disfunções cognitivas, especialmente na memória de trabalho. Além disso, 82% dos pacientes DAO-deficientes também apresentam doenças alérgicas. Crianças com mutações no AOC1 pontuam 8–12 pontos a menos em testes de memória de trabalho (Blasco-Fontecilla et al., 2024).
Além disso, uma revisão publicada no Journal of Clinical Medicine destacou que a desregulação da histamina, particularmente em indivíduos com deficiência de DAO, pode contribuir para a sobreposição entre TDAH e alergias. Essa revisão sugere que a deficiência da enzima DAO pode estar envolvida no desenvolvimento e na gravidade do TDAH (Blasco-Fontecilla, 2023).
Por que a deficiência de DAO piora os sintomas de TDAH?
Sem a DAO a histamina, que deveria ter sido degradada no intestino, cai na corrente sanguínea. A enzima DAO é produzida principalmente pelas células da mucosa intestinal e atua quebrando a histamina presente em alimentos como queijos envelhecidos (parmesão, gouda, cheddar, brie, camembert), iogurtes, kerfir, chucrute (repolho fermentado), missô, shoyu (molho de soja), picles, carnes curadas e processadas (salames, presunto, salsicha, bacon), peixes não frescos, especialmente os enlatados, frutos do mar (camarão, lagosta, moluscos), bebidas alcoólicas (vinho tinto, cerveja, champanhe), kombucha, tempeh. Quando a histamina não é degradada e extrapola os limites do sistema digestivo, começa a afetar diretamente o cérebro, a cognição e o comportamento.
Na corrente sanguínea a histamina ativa mastócitos, inflama a microglia e desregula a dopamina e a norepinefrina — neurotransmissores essenciais para o foco e o controle de impulsos. Com isso, surgem mais sintomas de impulsividade, desatenção, perda de foco, brain fog (confusão mental).
Como avaliar?
Na vigência de suspeita de intolerância à histamina temos algumas opções:
Teste genético para variantes dos genes AOC1 e DAO
Níveis séricos de histamina e atividade de DAO
Paciente com alteração genética em heterozigose nos genes AOC1 e DAO (maior chance de baixa produção de DAO)
Quando há alteração na enzima DAO, além da exclusão permanente de alimentos contendo histaminas, há a possibilidade de suplementação da enzima DAO exógena (como DAOfood® ou manipulados). Vimos, entretanto, que mesmo pessoas sem alterações genéticas podem produzir menos DAO ou liberar mais histaminas. Uma questão importante é olhar o intestino. Também é importante considerar deficiências nutricionais, uma vez que vários nutrientes são cofatores para a síntese de DAO.
A histamina pode ser metabolizada por diferentes vias (Hrubisko et al., 2021)
Outro gene que pode afetar a metabolização da histamina é o MAO que dá origem a enzima monamina oxidase. A MAO ajuda na conversão da N-metilhistamina em 1-Metilimidazol-4-acético ácido, facilitando a eliminação do composto. Medicamentos inibidores da MAO (IMAO) podem interferir nesse metabolismo, levando a níveis elevados de histamina e potenciais efeitos colaterais, como aumento da resposta inflamatória e reações alérgicas exacerbadas. Podemos pensar na avaliação dos genes:
MAOA rs6323 (G/T polimorfismo de nucleotídeo único – SNP).
A variante G está associada a uma maior atividade enzimática da MAO-A, podendo resultar em uma degradação mais rápida da histamina. Também está associada a menos impulsividade, agressividade e maior controle emocional. É importante lembrar que MAO também degrada neurotransmissores.
A variante T está associada a menor atividade, podendo levar ao acúmulo de histamina e maior predisposição a reações adversas. Pode aumentar a reatividade emocional. Vários estudos associam esta variante a maior risco de TDAH e transtornos de humor.
MAOB rs1799836 (A/G SNP)
A variante G está associada a uma atividade reduzida da MAO-B, o que pode diminuir a degradação da histamina e aumentar sua concentração no plasma. Pode estar relacionado a impulsividade e comportamento compulsivo.
A variante G está associada a maior atividade da MAO-B, maior facilidade na degradação da histamina e maior estabilidade emocional. Claro, não é simples interpretar tudo isso com base em poucos genes. Nosso metabolismo é complexo e nossa genética também.
Ter intolerância à histamina é diferente de ter uma reação alérgica pontual. Quando a maioria das pessoas tem uma reação alérgica, elas podem tomar um anti-histamínico e obterão alívio de seus sintomas. Já na intolerância crônica à histamina, precisamos de outras estratégias.
E quando não passa?
Reações alérgicas que não passam nem com a medicação, podem ser ocasionada pela síndrome de ativação de mastócitos (MCAS). Nesta síndrome, os mastócitos estão apenas superativos (não tanto quanto na doença rara mastocitose) sendo ativados quando não deveriam estar.
Os mastócitos são tipos específicos de glóbulos brancos do sistema imunológico que são encontrados nos tecidos mucosos e epiteliais de todo o corpo - exemplos incluem pele, intestino e pulmões. Eles criam barreiras entre você e o ambiente externo. Os mastócitos são a primeira linha de defesa do seu corpo contra intrusos estranhos como vírus, patógenos, alérgenos e bactérias.
Quando você entra em contato com um intruso estranho, seus mastócitos liberam substâncias químicas que enviam mensagens por todo o corpo. Essas mensagens dizem ao seu corpo como reagir. Existem muitos tipos diferentes de substâncias químicas que os mastócitos liberam, mas dois dos mais comuns são a serotonina e a histamina.
A serotonina é um neurotransmissor que regula o humor e o comportamento, ajuda na digestão e no sono e contribui para o vício e a motivação. A histamina é um neurotransmissor que regula processos como a secreção de ácido gástrico, inflamação e regulação da vasodilatação. Nos casos mais graves, isso pode levar à anafilaxia (dificuldade respiratória, queda da pressão arterial, inchaço, coceira, urticária), que é perigosa e pode levar à morte; no entanto, muitos outros sintomas menos graves podem ocorrer.
Para testar o MCAS, médicos podem solicitar a análise de marcadores específicos para os mastócitos, incluindo:
Triptase e cromogranina A no soro
Prostaglandina D2, histamina e heparina no plasma
Prostaglandina D2, 2,3-Dinor-11beta-prostaglandina F2 alfa, Histamina, N-metilhistamina e leucotrieno E4 na urina
Infelizmente, estes exames são caros e não estão sempre disponíveis.
Não há cura para o MCAS. Também não existe um modelo único quando se trata de tratar o MCAS. Muitos indivíduos com MCAS podem estar experimentando outras condições, como síndrome do ovário policístico (SOP), infecções crônicas como lyme, síndrome de taquicardia ortostática postural (POTS) ou doença autoimune, por exemplo. É por isso que é crucial trabalhar com seu médico para minimizar complicações em seu plano de tratamento.
O primeiro passo é identificar os gatilhos e trabalhar com meus pacientes para evitá-los. Por exemplo, exclusão de alimentos ricos em histaminas e alergênicos. Alimentos fritos e grelhados mostram um aumento nos níveis de histamina, enquanto alimentos fervidos diminuem ou não influenciam os níveis de histamina. A segunda etapa o uso de suplementos de DAO e outros histabilizadores de mastócitos (como vitamina C, quercetina) e que ajudam a eliminação de histamina (como NAC). A correção de carências nutricionais também é fundamental. A deficiência de vitamina D, por exemplo, é muito comum e piora a imunidade.
A bromelaína, enzimas encontradas no abacaxi, compete com a histamina para se ligarem aos receptores de histamina nas células. Isso pode ajudar a reduzir os sintomas do MCAS. Também vale a pena considerar suplementos que melhoram a qualidade intestinal. Meu favorito é o butirato, que apoia o sistema imunológico e reduz os sintomas provenientes dos mastócitos.
Embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para comprovar a relação entre alergias, MCAS, deficiência de DAO e TDAH, alguns estudos preliminares indicam que o tratamento adequado ajuda a aliviar sintomas. Isto é importante para melhor ajuste das terapias e também medicações (não só antialérgicas, mas também psicoestimulantes).