<por Mariana Perozzi, em 12/12/06 para o ComCiência
Elas estão por toda parte. Bolos, sorvetes, batatas-fritas, salgadinhos industrializados, pipocas de microondas, margarinas e gorduras hidrogenadas. Mesmo produtos aparentemente “inofensivos”, como biscoito polvilho e bolacha maisena, carregam gorduras trans, cujo excesso eleva o nível de colesterol do organismo, favorecendo o aparecimento de doenças cardíacas. Na semana passada as autoridades sanitárias de New York proibiram o uso de gordura trans em seus restaurantes. Na Dinamarca essa gordura já foi banida há anos. Um dos poucos aliados dos consumidores para identificar a presença de gorduras trans nos alimentos é a rotulagem. Os fabricantes que ainda não declararam nos rótulos dos alimentos a quantidade dessas gorduras serão notificados até o final deste ano e, a partir de 2007, podem ser multados de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), A lei, que exige a adequada rotulagem dos alimentos com gordura trans, está em vigor desde agosto de 2006. No entanto, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), quinze dias depois da aprovação da lei, revelou que mais de um terço dos produtos ainda não exibiam essa informação em seus rótulos. O Idec avaliou 370 produtos e, desses, 139 ainda não cumpriam a lei. Os mais “omissos” eram os biscoitos wafer, com 64,3% das embalagens sem informações sobre trans. As gorduras trans são largamente utilizadas pela indústria de alimentos. Elas servem para realçar o sabor, melhorar a textura, crocância, consistência e aumentar o tempo de conservação de massas e produtos de confeitaria. São formadas durante o processo de hidrogenação industrial que transforma óleos vegetais líquidos em gordura sólida. Também se formam durante um processo de hidrogenação natural (ocorrido no rúmen de animais), estando presente em pequena quantidade no leite, por exemplo, com propriedades nutracêuticas reconhecidas. Segundo a professora Marisa Regitano d’Arce, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq/USP as gorduras trans “foram identificadas há mais de 30 anos, porém sempre se assumiu que eram metabolizadas como ácidos graxos saturados, tendo os mesmos efeitos danosos desses, ou seja, aumentam os níveis séricos das lipoproteínas LDL (conhecida como ‘colesterol ruim’)”. As gorduras saturadas eram, até então, consideradas as mais prejudiciais à saúde, sendo encontradas na gordura animal (carne, leite e manteiga). Na década passada, começaram a aparecer indícios nas pesquisas de que, além de aumentar os níveis da LDL, os ácidos graxos trans também reduziam os níveis de HDL, o “colesterol bom”. As margarinas foram um dos primeiros alvos na caça contra as trans. Por serem de origem vegetal, as margarinas surgiram como uma alternativa mais saudável que a manteiga, fonte de ácido graxo saturado. Descobriu-se, mais tarde, que a elevada quantidade de ácido graxo trans que continham colocava em jogo seu papel para a saúde humana. A indústria, para não perder espaço, começou a se adequar e hoje existem no mercado diversas marcas de margarina “livre de gorduras trans”, que utilizam gordura interesterificada. No processo de interesterificação química ou enzimática, os óleos vegetais são solidificados sem que tenham que ser hidrogenados e, portanto, sem que haja a formação de gordura trans. Outra alternativa usada pela indústria alimentícia são as frações saturadas de óleo de palma (dendê), que também não contém ácidos graxos trans. As tecnologias que substituem o uso das trans por outras substâncias menos prejudiciais à saúde naturalmente incorrem em um aumento de custos para a indústria, por demandarem adaptações de processos ou novos insumos e nem sempre os produtos finais apresentam as características de cremosidade ou textura desejados”, diz a professora da Esalq. Por isso, há uma constante necessidade de pesquisa de desenvolvimento. As trans podem ser substituídas em praticamente todas as aplicações, mas os novos ingredientes podem custar até 25% mais, exigindo a readequação das formulações dos alimentos. Embora não seja um caminho fácil, a indústria alimentícia vai ter que se adaptar, seja em função das exigências legais ou da pressão do mercado, pois esta é uma questão de saúde pública. Estudos indicam que, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares, a gordura trans também causa um aumento da produção dos hormônios pró-inflamatórios do corpo (prostaglandina E2) e inibição dos tipos anti-inflamatórios (prostaglandinas E1 e E3), fazendo com que o organismo fique mais vulnerável a condições inflamatórias. Adicionalmente, a presença de gorduras trans na membrana celular enfraquece sua estrutura e sua função protetora, permitindo que microorganismos patogênicos e substâncias químicas tóxicas penetrem na célula com mais facilidade, afetando o sistema imunológico. Embora a mídia venha alardeando as gorduras trans como uma das grandes vilãs para o bom funcionamento do coração, Marisa d’Arce acredita não haver razão para tanto alarmismo, pois se sabe que a dieta e a forma de vida das pessoas podem contornar vários problemas. “O problema é a somatória de fatores: vida sedentária, alto consumo de gordura, falta de fibras, de vitaminas e outros componentes de ação antioxidante ou anti-radicais livres na dieta, tabagismo, e por aí vai. Tudo depende da quantidade e freqüência”, diz.>