Xenobióticos aumentam o risco de TDAH e autismo?

Xenobiótico é o nome dado às substâncias químicas que são estranhas a um organismo ou sistema — ou seja, não são produzidas naturalmente (ou não se esperaria que estivessem presentes) no organismo ou no ambiente biológico em que se encontram. Na ciência ambiental e toxicológica, o termo é usado para referir poluentes, fármacos, aditivos industriais, etc., muitas vezes sintetizados pelo homem e que podem ter impacto ecológico ou em saúde.

A palavra xenobiótico vem do grego e é formada por três partes principais:

  • xénos (ξένος) → “estrangeiro”, “estranho”, “de fora”;

  • bíos (βίος) → “vida”;

  • -ico → sufixo latino e grego usado para formar adjetivos, com o sentido de “relativo a”.

Assim, xenobiótico = “relativo a algo estranho à vida” ou, mais precisamente, “substância estranha a um sistema biológico”.

As substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas (PFAS) são um grupo de substâncias químicas sintéticas persistentes, amplamente utilizadas em revestimentos industriais, embalagens, repelentes e que se acumulam no ambiente e nos organismos humanos. São resistentes à degradação natural e bioacumulam-se - características típicas de xenobióticos.

Há crescente interesse em entender se a exposição a PFAS — especialmente em fases precoces da vida — pode influenciar o desenvolvimento neuropsiquiátrico, nomeadamente TDAH e ASD.

Evidência epidemiológica

Alguns estudos indicam que a exposição pré‑natal ou na infância a certos PFAS pode estar associada a maior risco ou maior gravidade de TDAH ou ASD. Por exemplo: exposição pré‑natal a Perfluorooctanoic acid (PFOA) associou‑se a maior probabilidade de ASD e de TDAH em crianças (Skogheim et al., 2021)

No entanto, os resultados não são uniformes: em alguns estudos não se encontrou associação significativa ou até se observaram associações inversas (ou protecção aparente) para alguns PFAS e determinados outcomes (Shin et al., 2020).

A literatura aponta para efeitos potencialmente modestos, com grandes variações entre estudos (diferenças nas substâncias PFAS investigadas, janelas temporais de exposição, metodologias, populações).

Um estudo com gestantes mediu PFAS maternos e examinou traços de autismo em crianças, encontrando para algumas substâncias uma associação positiva, mas para o conjunto da mistura não se verificou associação consistente.

Evidência experimental / mecanismos plausíveis

Estudos experimentais sugerem que os PFAS podem perturbar funções neurodesenvolvimentais através de múltiplos mecanismos: interferência hormonal (por serem disruptores endócrinos), indução de estresse oxidativo, inflamação crônica, alterações da microbiota intestinal, disrupção de neurotransmissores. Estas vias fornecem plausibilidade biológica para uma ligação entre PFAS e alterações de neurodesenvolvimento que se manifestam como TDAH ou TEA.

Contudo, há lacunas: por exemplo, falta de biomarcadores consistentes, heterogeneidade nas exposições (tipos de PFAS, doses, janelas críticas), e confusão potencial com fatores genéticos ou outros tóxicos ambientais.

Níveis de PFAs na água e amostras de vegetais (Wu et al., 2025)

Considerações & implicações para o blog

Apesar de a ligação entre PFAS e TDAH/ASD não estar firmemente estabelecida, sabemos que existem períodos (pré‑natal, infância) onde o cérebro é mais vulnerável. Assim, reduzir exposição a PFAS (quando possível) faz sentido como medida de precaução. Se houver risco elevado de exposição (ex: proximidade a fontes conhecidas, consumo de água/água contaminada, produtos com PFAS) vale considerar mitigação.

Concentração de PFAs nos alimentos (Wu et al., 2025)

No plano científico: há necessidade de mais estudos robustos, com amostras maiores, melhor caracterização de exposições e controle de variáveis de confusão para clarificar se e como os PFAS contribuem para o risco de TDAH ou TEA. Na saúde pública, é importante monitorizar substâncias persistentes e considerar suas possíveis implicações neurodesenvolvimentais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Síndrome de Guillain-Barré: o que é e por que merece atenção

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma doença neurológica rara, mas potencialmente grave, causada por uma reação autoimune que ataca os nervos periféricos. Ela pode evoluir rapidamente, provocando fraqueza muscular, paralisia e, nos casos mais severos, insuficiência respiratória.

Causas e gatilhos

Na maioria dos casos, a SGB surge após uma infecção — geralmente intestinal ou respiratória. As mais comuns são causadas pelas bactérias Campylobacter jejuni e Mycoplasma pneumoniae, ou por vírus como Zika, Epstein-Barr e citomegalovírus.

A infecção ativa o sistema imune de pacientes suscetíveis e resulta em danos à bainha de mielina (Leonhard et al., 2024)

Em situações raras, o quadro pode ser desencadeado por vacinas, cirurgias ou traumas, mas o risco é extremamente baixo quando comparado aos benefícios da imunização. O mecanismo mais aceito é o chamado mimetismo molecular: o sistema imunológico, ao tentar combater a infecção, produz anticorpos que também atacam estruturas dos nervos.

Sintomas

Os primeiros sinais costumam incluir:

  • Formigamento ou fraqueza nas pernas e braços

  • Dores musculares ou nas costas

  • Perda de reflexos

  • Dificuldade para engolir ou respirar

A apresentação clínica é variada (Leonhard et al., 2024)

Em cerca de 20% dos casos, o paciente precisa de ventilação mecânica. Existe também uma forma variante chamada síndrome de Miller Fisher, caracterizada por falta de coordenação e paralisia ocular.

Diagnóstico

O diagnóstico combina:

  • Avaliação clínica da fraqueza progressiva e simétrica

  • Exame do líquido cefalorraquidiano, que mostra aumento de proteínas sem elevação de células

  • Estudos de condução nervosa

  • Testes para anticorpos específicos (como anti-GQ1b)

Tratamento

A SGB é uma emergência médica e deve ser tratada o mais rápido possível.
As duas terapias comprovadamente eficazes são:

  • Imunoglobulina intravenosa (IVIg)

  • Plasmaférese (troca de plasma)

Ambos os tratamentos reduzem a atividade do sistema imunológico e ajudam na recuperação. Corticoides não mostraram benefício. A recuperação pode levar meses ou anos. Mesmo com o tratamento adequado, cerca de 20% dos pacientes permanecem com limitações após 6 meses e 5% acabam falecendo.

Frequência e impacto

  • Incidência global: 1 a 2 casos por 100 mil pessoas por ano

  • Mais comum em homens e pessoas acima dos 60 anos

  • Em países com poucos recursos, a mortalidade é maior pela dificuldade de acesso a terapias intensivas

A maior parte dos dados são de países com renda mais alta. A incidência geralmente varia entre 0,16 e 3,0 casos por 100.000 pessoas por ano (Leonhard et al., 2024).

Perspectivas futuras

Apesar dos avanços, ainda faltam biomarcadores que facilitem o diagnóstico precoce e tratamentos personalizados. Pesquisadores reforçam a importância de preparar sistemas de saúde para possíveis aumentos de casos após surtos infecciosos, como aconteceu com o Zika e o COVID-19.

Cirurgia bariátrica e síndrome de Guillain-Barré

Deficiências nutricionais estão implicadas no desenvolvimento da SGB, particularmente após cirurgia bariátrica ou perda ponderal rápida, sendo a suplementação de tiamina e vitamina B12 crucial [2] [3]. O início da SGB geralmente ocorre semanas ou meses após a cirurgia, e a recuperação varia, com alguns pacientes apresentando déficits neurológicos persistentes ou insuficiência respiratória [2].

Outra revisão de cinco casos de SGB induzida por dieta e 19 casos associados à cirurgia bariátrica enfatizou que a perda de peso rápida e substancial, que pode levar a deficiências nutricionais, pode desencadear a SGB. Todos os cinco pacientes com SGB induzida por dieta obtiveram recuperação completa em 6 meses, sendo que três receberam imunoglobulina intravenosa (IVIG) e dois receberam apenas terapia nutricional [3].

Nutrição na síndrome de Guillain-Barré

Após o diagnóstico, se o paciente não puder se alimentar por via oral precisará de suporte nutricional. Contudo, a alimentação por sonda nasogástrica a longo prazo representa um risco relevante para pacientes com síndrome de Guillain-Barré (SGB) na fase aguda. Assim, alguns pacientes necessitarão de gastrostomia, que não pode ser removida [1].

Um estudo retrospectivo com 50 pacientes com SGB (idade média de 51,1 ± 18,7 anos) constatou que 14 pacientes necessitaram de alimentação por sonda durante a fase aguda. Embora todos os sete pacientes que receberam alimentação por sonda nasogástrica tenham tido suas sondas removidas (duração média de 62,1 ± 46,5 dias), dois dos sete pacientes com sondas de gastrostomia não puderam tê-las removidas, indicando necessidade de suporte nutricional a longo prazo [1].

A nutrição enteral e parenteral contínua pode melhorar significativamente os sintomas em pacientes com SGB que apresentam complicações graves, como a síndrome da artéria mesentérica superior (SAM), devido à perda ponderal. Em um caso pediátrico de SGB refratária complicada por SMAS grave devido à perda de peso, a progressão gradual da nutrição enteral e parenteral contínua melhorou significativamente os sintomas do paciente e resolveu a hipofosfatemia, facilitando o desmame da ventilação mecânica [4].

Referências

1) M Yoshida et al. Prevalence of Tracheotomy and Percutaneous Endoscopic Gastrostomy in Patients with Guillain-Barré Syndrome. Dysphagia (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27687522/

2) M Bidares et al. Guillain-Barré Syndrome and Related Neuropathies Post-Bariatric Surgery: A Systematic Review of Clinical Cases and Outcomes. Obesity surgery (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40897982/

3) Q Wu et al. Guillain-Barré Syndrome following weight loss: a review of five diet-induced cases and nineteen bariatric surgery cases. Frontiers in neurology (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40201020/

4) E Ghaedi et al. Superior mesenteric artery syndrome in a child with acute gastric dilatation with refractory Guillain-Barré syndrome. Clinical nutrition ESPEN (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31221288/

5) RA Hughes et al. Supportive care for patients with Guillain-Barré syndrome. Archives of neurology (2005). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16087757/

6) SE Leonhard et al. Guillain-Barré syndrome. Nature reviews. Disease primers (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39702645/

7) AF Hahn et al. Guillain-Barré syndrome. Lancet (London, England) (1998). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9746040/

8) HJ Willison et al. Guillain-Barré syndrome. Lancet (London, England) (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26948435/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Doença inflamatória intestinal cresce no mundo todo

A Doença Inflamatória Intestinal (DII) — que inclui a doença de Crohn e a colite ulcerativa — está deixando de ser uma enfermidade típica do Ocidente e se tornando um problema global. O pesquisador Gilaad G. Kaplan (2025), da Universidade de Calgary, traça neste artigo um panorama das próximas duas décadas.

As quatro fases da DII

Kaplan descreve quatro estágios epidemiológicos pelos quais os países passam:

  1. Emergência – poucos casos isolados.

  2. Aceleração da incidência – aumento rápido de novos diagnósticos.

  3. Prevalência composta – crescimento constante do número de pessoas vivendo com DII.

  4. Equilíbrio de prevalência – estabilização do total de casos devido ao envelhecimento e mortalidade da população com DII.

Os países desenvolvidos já estão no estágio 3 e devem atingir o equilíbrio (estágio 4) por volta de 2040–2045, com mais de 1% da população afetada.

O mapa global da DII

  • América do Norte, Europa e Oceania: prevalência alta e crescimento mais lento.

  • Ásia e América Latina: aumento acelerado impulsionado por urbanização, ocidentalização da dieta e melhor acesso a diagnóstico.

  • África: ainda em fase inicial, mas com potencial de crescimento conforme avança o desenvolvimento econômico.

Previsões até 2045

Usando modelos de aprendizado de máquina e equações diferenciais parciais, o estudo prevê que:

  • A população global passará de 8,2 bilhões (2025) para 9,4 bilhões (2045).

  • A DII crescerá especialmente nos países emergentes, ampliando o número absoluto de pacientes mesmo que a proporção permaneça menor que no Ocidente.

  • Países como Canadá e Dinamarca devem atingir prevalência acima de 1% antes de 2045.

Caminhos para prevenção

O futuro da DII pode incluir estratégias preventivas, com foco em:

  • Biomarcadores preditivos (anticorpos, proteínas e microbioma intestinal).

  • Intervenções precoces em pessoas de alto risco.

  • Mudanças ambientais e de estilo de vida — como dieta mediterrânea, cessação do tabagismo e evitação de alimentos ultraprocessados.

  • Pesquisas sobre vacinas e terapias microbiológicas.

Inovação no cuidado

Com o envelhecimento da população e o aumento dos casos, Kaplan defende modelos de cuidado sustentáveis, incluindo:

  • Equipes multidisciplinares (gastroenterologistas, nutricionistas, psicólogos).

  • Telemedicina e monitoramento remoto.

  • Inteligência artificial para prever surtos e otimizar tratamento.

Entre 2025 e 2045, o desafio será duplo: prevenir novos casos e garantir tratamento acessível e eficaz para milhões de pessoas vivendo com DII. O sucesso dependerá da colaboração global entre ciência, políticas públicas e inovação em saúde.

A ocidentalização dos hábitos alimentares — marcada pelo consumo crescente de alimentos ultraprocessados, ricos em aditivos, emulsificantes e compostos que alteram profundamente a microbiota intestinal é um dos principais fatores de risco para a ocorrência de novos casos.

Dietas baseadas em alimentos naturais, ricos em fibras, polifenóis e gorduras boas, ajudam a modular o microbioma, reduzir a inflamação intestinal e até prevenir o aparecimento da doença. A Nutrição em gastroenterologia é, hoje, uma das áreas mais promissoras e necessárias da saúde — unindo ciência, clínica e propósito para cuidar do nosso maior elo com o mundo: o intestino.

“Os próximos 20 anos serão decisivos para conter o avanço da DII. A prevenção, a nutrição de precisão e a educação alimentar são nossas maiores ferramentas.” — Kaplan, 2025.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/