A Zonulina e a Síndrome dos Ovários Policísticos: Uma Nova Peça no Quebra-Cabeça da SOP?

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é uma condição multifatorial que afeta milhões de mulheres em idade reprodutiva, caracterizada por desequilíbrios hormonais, resistência à insulina e disfunções ovulatórias. Um estudo trouxe à tona um possível elo até então pouco explorado: a proteína zonulina.

O que é a zonulina?

Zonulina é uma proteína que regula a permeabilidade do intestino. Níveis elevados de zonulina estão associados à hiperpermeabilidade intestinal, também conhecida como "intestino permeável", uma condição que pode desencadear inflamações sistêmicas.

Principais achados do estudo:

  • Mulheres com SOP apresentaram níveis significativamente mais altos de zonulina no sangue, quando comparadas a mulheres sem a síndrome.

  • Esses níveis elevados estavam positivamente correlacionados com a resistência à insulina — um dos pilares metabólicos da SOP.

  • Além disso, quanto maior a concentração de zonulina, mais severas eram as anovulações (ausência de ovulação), sugerindo que a zonulina pode estar ligada à disfunção reprodutiva observada na SOP.

A SOP também leva à disbiose, reduzindo a diversidade microbiana e os micróbios benéficos, como Faecalibacterium, Roseburia, Akkermenisa e Bifidobacterium, e causando uma maior carga de patógenos oportunistas, como Escherichia/Shigella, Fusobacterium, Bilophila e Sutterella.

O intestino associado à SOP apresenta níveis mais elevados da enzima microbiana intestinal β-glucuronidase, causando a desglucuronidação do andrógeno conjugado, tornando-o suscetível à reabsorção pela circulação entero-hepática, levando a um nível mais alto de andrógeno no sistema circulatório.

De modo geral, na SOP, essa disbiose aumenta a permeabilidade intestinal e o LPS na circulação sistêmica, o N-óxido de trimetilamina (TMAO) no sistema circulatório, a inflamação crônica no tecido adiposo e no fígado, e o estresse oxidativo e o acúmulo de lipídios no fígado. Assim, em mulheres com SOP, a disbiose pode promover a progressão e a gravidade do diabetes tipo 2, da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e das doenças cardiovasculares (DCV).

Para aliviar essas complicações associadas à SOP, terapêuticas microbianas (modulação intestinal com pré e probióticos ou transplante de microbioma fecal) podem ser usadas sem quaisquer efeitos colaterais, ao contrário do que ocorre com a terapia hormonal. A zonulina também poderia ser um novo marcador clínico e, quem sabe, até um alvo terapêutico futuro.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Obesidade, disbiose e alterações no neurodesenvolvimento

A obesidade materna, caracterizada por inflamação crônica de baixo grau e disbiose intestinal, pode comprometer o ambiente intrauterino — o chamado "inflamed womb" (útero inflamado)— e aumentar o risco de distúrbios do neurodesenvolvimento na prole, como TEA, TDAH, ansiedade e déficits cognitivos (Cirulli et al., 2022).

A obesidade gera um estado inflamatório crônico, com secreção aumentada de citocinas pró-inflamatórias como IL‑6, TNF‑α e IL‑1β, e ativação de sistemas imunitários via receptores TLR.

Durante a gestação, essa inflamação persistente prejudica a tolerância imunitária placentária, favorecendo um ambiente mais protetor à proliferação de células decíduas ativas e marcadores inflamatórios na placenta e líquido amniótico.

A obesidade também está associada à disbiose intestinal materna, com menos diversidade microbiana e aumento relativo de Proteobacteria (como E. coli) e diminuição de Bifidobacterium e Bacteroides fragilis.

Isso favorece permeabilidade intestinal aumentada (leaky gut), facilitando a passagem de endotoxinas (como LPS) e bactérias ou seus fragmentos via placenta, iniciando inflamação fetal e ativação TLR no sistema imune do feto.

Microglia Fetal como Alvo Prioritário

A microglia, macrófagos residentes do cérebro fetal, é fundamental na maturação, sinaptogênese, poda sináptica e plasticidade neural. É o sistema imune do cérebro.

Estudos em linhagens de animais germ-free (livres de microbiota) demonstram que a ausência de microbioma materno leva a microglia imatura e disfuncional, com expressão gênica alterada, de forma dependente de sexo.

Em modelos animais de obesidade materna, observa-se microglia hiperativa, níveis elevados de TLR4/IL‑1β e redução de fatores neurotróficos como BDNF e TPH2 (enzima chave da serotonina), resultando em interações regionais prejudicadas (hipocampo, córtex pré‑frontal, etc.) e déficits cognitivos, sociais e de regulação comportamental.

Evidência em Humanos e Meta-Análises

Análises epidemiológicas em milhões de nascimentos mostram associação consistente entre obesidade pré‑gestacional e:

  • Dobro do risco de TEA;

  • ~ 32% maior risco de TDAH;

  • Maior risco para transtornos de conduta e problemas comportamentais

  • Estudos longitudinais como PREOBE mostram que filhos de mães obesas apresentam pontuações elevadas em escalas comportamentais (CBCL) aos 3‑4 anos e maior incidência de problemas emocionais e de desenvolvimento.

Estratégias Nutricionais de Intervenção

Estudos mostram potenciais intervenções nutricionais com evidência emergente:

  1. N-acetilcisteína (NAC) – age como antioxidante e modulador da inflamação.

  2. MFGM (membrana de gordura do leite materno) – com compostos bioativos que influenciam a microbiota materna e fetal.

  3. LC-PUFA (ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, especialmente ômega‑3) – regulam o perfil lipídico neurotrófico, reduzem inflamação e modulam microglia.

Esses nutrientes mostraram potencial em modelos animais para reduzir ganho de peso gestacional excessivo, estresse oxidativo e inflamação sistêmica, além de favorecer uma microbiota mais equilibrada.

Quer engravidar? Marque aqui sua consulta de nutrição online

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Má nutrição materna e alterações do neurodesenvolvimento fetal

A desnutrição e as alterações no microbioma intestinal da mãe afetam o desenvolvimento neurológico precoce, particularmente nos primeiros 1000 dias de vida (da gestação até os dois primeiros anos). Esse período é crítico para o desenvolvimento cerebral, e fatores ambientais como nutrição e a composição do microbioma intestinal podem moldar profundamente os desfechos cognitivos, comportamentais e neurológicos.

Desnutrição e neurodesenvolvimento

A desnutrição infantil (tanto subnutrição quanto má qualidade nutricional) está fortemente associada a:

  • Redução no volume cerebral total.

  • Atrasos na mielinização.

  • Deficiências cognitivas duradouras (especialmente em linguagem, atenção e função executiva).

Durante o desenvolvimento, o cérebro tem altas demandas metabólicas e nutricionais (ácidos graxos essenciais, ferro, zinco, vitaminas B, etc.). A deficiência desses elementos prejudica vias de sinalização cruciais, neurogênese e plasticidade sináptica (Coley, & Hsiao, 2021).

Microbioma intestinal como mediador

O microbioma intestinal — conjunto de microrganismos que habitam o trato gastrointestinal — é cada vez mais reconhecido como um modulador do eixo intestino-cérebro. Ele influencia:

  • A produção de neurotransmissores e neuromoduladores (ex: GABA, serotonina).

  • A resposta imune (inflamação sistêmica e neuroinflamação).

  • O metabolismo de nutrientes críticos para o cérebro.

Bebês desnutridos geralmente apresentam microbiota imatura e disbiótica (composição anormal), o que compromete o desenvolvimento saudável do cérebro.

Evidências experimentais e clínicas

  • Modelos animais: Camundongos com desnutrição e microbiota alterada apresentam déficits em aprendizado e memória, alterações na arquitetura cerebral e níveis anormais de citocinas inflamatórias.

  • Estudos clínicos em humanos: Crianças em países de baixa e média renda mostram correlação entre microbioma imaturo, baixo ganho ponderal e baixo desempenho em testes cognitivos.

Além disso, experimentos de transplante fecal mostraram que a microbiota de crianças desnutridas pode, por si só, induzir falhas de crescimento e problemas comportamentais quando transplantada em modelos animais.

Janela crítica de intervenção

A modulação do microbioma e da nutrição nesse período sensível pode ser uma oportunidade poderosa para:

  • Prevenir déficits cognitivos.

  • Reduzir desigualdades de desenvolvimento.

  • Potencializar programas de intervenção precoce (como suplementação alimentar e probióticos/microbiota direcionada).

O desenvolvimento neurológico infantil não é determinado apenas pela genética ou pela nutrição isolada, mas também por interações complexas entre dieta, microbioma e maturação cerebral. A desnutrição e a disbiose microbiana são fatores críticos e modificáveis que afetam profundamente o neurodesenvolvimento. Intervenções precoces e integradas podem ter efeitos duradouros na saúde cognitiva e emocional.

Aprenda mais nos cursos online

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/