Entendendo o pH do estômago e as implicações do uso de inibidores da bomba de prótons

O pH normal do estômago varia entre 1,5 e 3,5 em condições normais, garantindo um ambiente altamente ácido que desempenha funções essenciais para a digestão e proteção do organismo.

Importância do pH estomacal normal

Digestão de proteínas

A acidez ativa a pepsina, enzima essencial para a digestão de proteínas. Em pH acima de 4, a pepsina se torna inativa, prejudicando a digestão.

Absorção de nutrientes

  • Ferro não-heme (de origem vegetal) precisa de um meio ácido para ser convertido de Fe³⁺ para Fe²⁺, sua forma absorvível.

  • Vitamina B12 depende da acidez para se desprender dos alimentos e se ligar ao fator intrínseco.

  • Cálcio pode ter a absorção reduzida se o pH estiver elevado.

Barreira contra microrganismos

A acidez gástrica impede o crescimento de bactérias e fungos patogênicos. Um pH acima de 4 favorece infecções, incluindo a proliferação de Helicobacter pylori, associada a gastrite e úlceras.

Conversão de nitrito em óxido nítrico (NO)

A vitamina C, em meio ácido, converte nitrito (NO₂⁻) em óxido nítrico (NO), que tem efeitos benéficos. Com pH elevado, o nitrito pode se transformar em compostos N-nitrosos, que são potencialmente carcinogênicos.

Situações que cursam com aumento de pH estomacal

O pH do estômago pode ficar acima de 4 em algumas situações, como:

  • Uso de inibidores da bomba de prótons (IBPs), como omeprazol.

  • Hipocloridria (baixa produção de ácido gástrico), comum em idosos.

  • Infecção por Helicobacter pylori, que pode reduzir a secreção ácida ao longo do tempo.

  • Cirurgia bariátrica pode fazer o pH subir de 1,8 (antes da cirurgia) pra 4,9 ou mais.

O pH deve ser entendido como uma escala logarítmica. Ou seja, ele é calculado com base no logaritmo negativo da concentração de íons H⁺ (prótons) em uma solução. A equação que define o pH é: pH=−log⁡[H+]

Isso implica que cada unidade de pH representa uma variação de 10 vezes na concentração de íons H⁺.

  1. Se o pH diminui de 4 para 3 → a concentração de H⁺ aumentou 10 vezes.

  2. Se o pH diminui de 3 para 2 → a concentração de H⁺ aumentou 100 vezes.

  3. Se o pH sobe de 2 para 4 → a solução ficou 100 vezes menos ácida (ou mais básica).

Isso significa que pequenas variações no pH indicam mudanças muito grandes na acidez ou basicidade da solução.

Consequências do aumento do pH estomacal pelo uso de antiácidos

O uso de 40 mg/dia de omeprazol por 4 semanas pode aumentar o pH gástrico para 7,2 (próximo ao neutro). Esse aumento reduz a solubilidade e a absorção de nutrientes essenciais, especialmente aqueles que dependem de um ambiente ácido.

Principais Alterações Nutricionais

  1. Vitamina C (Ácido Ascórbico)

    A concentração de vitamina C no suco gástrico cai de 6 para 3 µM/L. O ácido ascórbico, a forma ativa da vitamina C, sofre uma redução ainda maior, de 3,8 para 0,7 µM/L. Como a vitamina C é essencial para a absorção de ferro não-heme, essa redução pode afetar a biodisponibilidade do ferro. O nitrito gástrico aumenta de 0 para 13 µg/ml. A falta de vitamina C aumenta nitritos, que podem reagir com aminas formando compostos N-nitrosos, potencialmente carcinogênicos (Henry et al., 2005).

  2. Ferro

    O ferro não-heme (presente em vegetais e alimentos fortificados) precisa de um meio ácido para ser reduzido de Fe³⁺ (forma menos absorvível) para Fe²⁺ (forma absorvível). O pH mais alto prejudica essa conversão e, consequentemente, a absorção de ferro, aumentando o risco de anemia ferropriva.

  3. Vitamina B12

    A absorção da B12 depende do fator intrínseco, que é ativado em meio ácido. Com pH elevado, a dissociação da B12 dos alimentos fica comprometida, levando a um risco maior de deficiência a longo prazo.

  4. Alteração da microbiota gástrica

    O estômago ácido age como barreira antimicrobiana. Com pH elevado, bactérias que normalmente não sobreviveriam no estômago podem proliferar, promovendo a conversão de nitrato (NO₃⁻) em nitrito (NO₂⁻), o que aumenta ainda mais o risco de compostos carcinogênicos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Dieta de baixo índice glicêmico na hidroadenite supurativa

A Hidradenite Supurativa (HS) é uma doença inflamatória crônica da pele que afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Modificações alimentares, incluindo uma dieta de baixo índice glicêmico (IG), foram exploradas como intervenções potenciais para aliviar os sintomas.

Principais descobertas

Uma revisão sistemática teve como objetivo resumir os efeitos de intervenções alimentares, incluindo dietas de baixo IG, na HS. A revisão incluiu 15 estudos com um total de 2829 pacientes. Descobriu-se que mudanças alimentares, como a adoção de uma dieta mediterrânea que minimiza o açúcar, carboidratos altamente processados ​​e laticínios, e enfatiza frango, frutas e vegetais, mostraram efeitos benéficos na gravidade da HS [1].

Um estudo de caso-controle envolvendo 35 pacientes com HS e 35 controles saudáveis ​​avaliou o impacto de fatores de estilo de vida, incluindo a adesão a uma dieta mediterrânea. O estudo descobriu que os pacientes com HS tinham maior índice de massa corporal (IMC) e menor estado de saúde física e mental em comparação aos controles. Embora o estudo não tenha isolado especificamente os efeitos de uma dieta de baixo IG, ele destacou os benefícios potenciais de modificações dietéticas que se alinham com os princípios de baixo IG [2].

Uma pesquisa distribuída entre pacientes com HS identificou que certos alimentos, incluindo aqueles com alto índice glicêmico, como doces e pão/massa/arroz, eram comumente relatados como exacerbadores dos sintomas da HS. Por outro lado, alimentos tipicamente com baixo índice glicêmico, como vegetais e frutas, eram relatados como aliviadores dos sintomas. Isso sugere que uma dieta de baixo IG pode ajudar no controle dos sintomas da HS [3].

Embora não diretamente relacionado à HS, um estudo sobre acne vulgar, que compartilha algumas vias inflamatórias com a HS, descobriu que uma dieta de baixo IG melhorou a gravidade da acne facial. Este estudo envolveu 58 adolescentes do sexo masculino e mostrou que a acne facial melhorou em 26% em uma dieta de baixo IG, em comparação com 16% em uma dieta de alto IG. Embora os resultados não tenham alcançado significância estatística, eles sugerem que dietas de baixo IG podem ter benefícios anti-inflamatórios que podem ser extrapolados para a HS [4].

Os benefícios potenciais são provavelmente devidos à sensibilidade à insulina melhorada e à inflamação sistêmica reduzida. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição online.

Referências

1) I Weber et al. Effects of Exercise and Dietary Modifications on Hidradenitis Suppurativa: A Systematic Review. American journal of clinical dermatology (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36757580/

2) F Velluzzi et al. Mediterranean diet, lifestyle and quality of life in Sardinian patients affected with Hidradenitis suppurativa. Journal of public health research (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34850622/

3) JM Fernandez et al. Alleviating and exacerbating foods in hidradenitis suppurativa. Dermatologic therapy (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32860476/

4) RC Reynolds et al. Effect of the glycemic index of carbohydrates on Acne vulgaris. Nutrients (2010). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22253996/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Desordens do ciclo da ureia

As desordens do ciclo da ureia são um grupo de distúrbios genéticos raros que afetam o metabolismo do nitrogênio no corpo. O ciclo da ureia, também conhecido como ciclo da ornitina, é responsável por eliminar o excesso de nitrogênio proveniente da quebra de proteínas na forma de ureia, que é excretada pela urina. Quando há uma falha nesse ciclo, ocorre um acúmulo de amônia no sangue (hiperamonemia), o que pode ser tóxico para o cérebro e outros órgãos.

Blair, Cremer, & Tchan, 2014

Principais Deficiências do Ciclo da Ureia

As doenças do ciclo da ureia são causadas por mutações em genes que codificam enzimas envolvidas nesse processo. As principais são:

  1. Deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC) – A forma mais comum, ligada ao cromossomo X.

  2. Deficiência de carbamoil-fosfato sintetase 1 (CPS1).

  3. Deficiência de ornitina translocase (HHH síndrome).

  4. Deficiência de argininosuccinato sintetase (ASS1) – Causa a citrulinemia tipo I.

  5. Deficiência de argininosuccinato liase (ASL) – Leva à acidúria argininosuccínica.

  6. Deficiência de arginase (ARG1) – Resulta na hiperargininemia.

Sintomas

Os sintomas variam conforme a gravidade da deficiência enzimática. Em recém-nascidos, os sinais mais graves incluem:

  • Letargia

  • Vômitos

  • Hipotonia (fraqueza muscular)

  • Convulsões

  • Coma (nos casos mais graves)

Em crianças e adultos, os sintomas podem ser mais sutis e intermitentes, como:

  • Episódios de confusão mental

  • Dificuldade de concentração

  • Alterações do comportamento

  • Vômitos frequentes

  • Ataxia (dificuldade de coordenação motora)

Diagnóstico

O diagnóstico envolve exames laboratoriais para medir:

  • Níveis elevados de amônia no sangue (hiperamonemia).

  • Análises de aminoácidos no plasma.

  • Testes genéticos para identificar a mutação específica.

Tratamento

O tratamento tem como objetivo reduzir os níveis de amônia no sangue e pode incluir:

  • Dieta com restrição de proteínas para reduzir a produção de nitrogênio.

  • Medicamentos como benzoato de sódio e fenilbutirato de sódio, que ajudam a eliminar o excesso de nitrogênio.

  • Diálise em casos de hiperamonemia grave.

  • Transplante de fígado em casos severos, pois o fígado é o órgão responsável pelo ciclo da ureia.

Prognóstico

O prognóstico depende da gravidade da doença e da rapidez com que é diagnosticada e tratada. Casos não tratados podem levar a danos neurológicos permanentes ou até mesmo à morte.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/